Olavo de Carvalho fala que procurar Bóson de Higgs é “coisa de QI 12”

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A primeira vez que cruzei com o sr. Olavo de Carvalho foi na era pré-google da internet, antes de entrar na faculdade, quando frequentava sites de mídia alternativa e de movimentos sociais. Na época, comentários no site do Centro de Mídia Independente deram a entender que contribuidores de outro site, o Mídia Sem Mascara, um site de noticias e teorias conspiratórias de direita comandado pelo Sr. Olavo, estavam tentando plantar um comentário no CMI ameaçando o sr. Olavo de morte. A motivação seria ferir a credibilidade do CMI, por algum motivo político que me foge.

Essa foi a primeira vez que vi esse tipo de embate na internet, com facções bem definidas, que se odiavam e usavam de todas as táticas para minar seus oponentes. Obviamente nessa época eu não sabia da existência de criacionistas. Bons tempos…

De qualquer forma, de lá para cá o sr. Olavo parece ter capitalizado em cima da sua influencia intelectual, gerando uma espécie de culto a personalidade que o tem em alta estima. Talvez o ápice da sua popularidade foi ter atraído a atenção de artistas conservadores como Danílo Gentili e Lobão, que parecem o usar como fonte para suas…. err… “teorias” sociológicas. O sr. Olavo se vangloria de grandes feitos, como ter refutado cientistas como Einstein, Darwin e Newton. O Sr. Carvalho também defende que o Sol gira em torno da Terra, que a Pepsi usa fetos para adoçar suas bebidas, que existem evidencias científicas para experiência extra-corpóreas e que existe uma conspiração global comunista. Ouro puro.

Em um vídeo postado recentemente no youtube, Olavo ataca de novo a física moderna, comentando especificamente sobre o Bóson de Higgs.

[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=RkpdtZNiv44&”]

No vídeo, um de seus alunos faz uma colocação de que a busca pela Partícula de Deus (o Bóson de Higgs) seria um “delírio cientificista”. O que ele quer dizer exatamente com isso, só deus sabe, o que não parece impedir o sr. Carvalho de opinar a respeito. Segundo ele:

Veja…. Se você tentar encontrar a razão da existência da matéria numa partícula da matéria… é coisa de QI 12.

O que me parece que o sr. Olavo está querendo apontar é que existe uma contradição em tentar explicar toda a existência através de uma partícula da matéria, visto que a partícula seria também material, o que implicaria que toda a matéria não teve sua origem explicada.

Apesar de parecer que o sr. Olavo tem um ponto aqui, existem duas questões que precisam ser elucidadas: 1) o Bóson de Higgs não está procurando explicar a existência da matéria e 2) mesmo se estivesse, a detecção do Bóson seria apenas a corroboração de uma teoria, e essa sim é que apresenta poder explicativo.

O primeiro ponto é o mais simples. O Bóson de Higgs procura explicar o porque as partículas elementares apresentam massa diferente de zero. O Bóson é parte do Modelo Padrão de física de partículas, que descreve a composição da matéria e como seus diferentes constituintes interagem.

Talvez a confusão do sr. Olavo e seu aluno venha do fato de que o Bóson foi chamado de “a Partícula de Deus” em um livro de autoria do físico Dr. Leon M. Lederman. Talvez por suas predisposições religiosas (o sr. Olavo é um cristão convicto) somadas a uma certa quantidade de ignorância sobre o assunto, ambos parecem assumir que se algo tem o nome de “Deus”, então ele deve explicar tudo. O problema desse raciocínio é óbvio, mas para piorar ainda mais, o nome de “Partícula de Deus” foi uma decisão editorial. Segundo o Dr. Lederman:

Porque a Partícula de Deus? Bom, duas razões. Primeiro, o editor não nos deixou chamar de “A Partícula Maldita”, apesar desse ser um título mais adequado dada a sua natureza traiçoeira e o trabalho que ela tem causado. A segunda é que ele [o nome] tem uma conexão com outro livro, um muito mais antigo…

E aqui Lederman está se referindo ao Genesis Bíblico. Então, apesar da confusão ser compreensível, é válido notar que o que importa para a validade de uma empreitada científica é a validade das suas premissas teóricas, e não o maldito nome que associaram a ela.

Agora ao segundo ponto. Vamos assumir que existe uma hipótese que explica a existência de toda a realidade e de todas as propriedades de todas as coisas que nela residem. Agora ainda assumir que essa hipótese prediz que, se ela é verdade e se todos os processos que ela descreve aconteceram, então poderíamos ver um sinal disso na natureza, como na presença de uma partícula elementar qualquer. Podemos colocar isso em um formato silogístico simples:

  • P1- A hipótese X contem modelos e processos.
  • P2- Um desses modelos prevê a existência de uma partícula na natureza

Agora, vamos assumir ainda que

  • P3- Tal partícula existe na natureza

Isso significa que a hipótese X está correta? Bem, não. Essa questão remete ao problema da indução em ciência, na qual não existe um numero finito de observações que possa corroborar qualquer generalização.

Porém, observar a presença de tal partícula definitivamente significa que não podemos dizer que ela é falsa. Isso, em ciência, é o suficiente para constituir uma “hipótese de trabalho”, uma hipótese provisória que será subsequentemente testada e, se todas as tentativas de demonstra-la como sendo falsa falharem (ou se todos as observações forem consistentes com a hipótese), então essa ideia pode se consolidar na ciência com um alto grau de certeza.

O ponto central disso tudo é que, se observamos a partícula, o que contem poder explicativo é a hipótese, e não o fato. Fatos não explicam nada, e apesar de o Olavo colocar esse ponto (de certa forma), ele parece confundir deliberadamente o que é fato e o que é hipótese para fazer uma afirmação verdadeira (“fatos não apresentam poder explicativo”), porém irrelevante fora da representação fantasiosa de o que cientistas realmente fazem. É um festival de bobagem.

Ou, quem sabe, o Olavo acabou de refutar a priori o modelo padrão da física de partículas. Mais uma refutação colossal para a lista dele, eu suponho…

Em defesa do CFBio contra o Criacionismo

projeto de lei 8099 - criacionismo

 

Recentemente o Conselho Federal de Biologia (CFBio) publicou uma nota repudiando a PL8099 do Pastor e Deputado (nessa ordem de importância) Marcos Feliciano que tornaria o ensino do Criacionismo obrigatório em escolas. O projeto de Lei em si é um absurdo pelo festival de equívocos e imprecisões. Nesse sentido, o CFBio se adicionou a uma multiplicidade de associações acadêmicas e de ensino no repúdio dos avanços dos projetos criacionistas no Brasil, dentre elas:

Porém o que me chamou mais atenção foi a publicação do Maurício Tuffani no seu blog na Folha. Segundo Tuffani (divulgador que eu respeito bastante), a afirmação do CFBio foi equivocada, principalmente por conta da última frase na seguinte citação:

Ao contrário do que está exposto no PL 8099/2014, a Teoria da Evolução não é uma crença e, portanto, não tem nenhum fundamento dizer que ensinar evolução nas escolas é violar a liberdade de crença. O evolucionismo se baseia em observações fundamentais e em pesquisas científicas que surgiram com experimentos devidamente comprovados. A Evolução das espécies através da seleção natural não é uma teoria, mas uma coleção de fatos amplamente comprovados.

Segundo Tuffani, o texto se contradiz ao dizer que a teoria evolutiva é primeiramente uma teoria e depois que ela não é uma teoria, mas uma coleção de fatos. Além disso:

 Ao negar, em vez de corrigir, a falaciosa afirmação de que “a evolução é só uma teoria”, até mesmo alguns cientistas acabam afirmando uma grande bobagem, a de que a teoria da evolução é cientificamente comprovada. É uma bobagem porque nenhuma teoria científica pode ser comprovada. E a exploração dessa bobagem tem feito sucesso.

Tuffani aqui se refere à tática criacionista de tentar igualar o termo “Teoria” no seu uso cientifico, que é um conjunto de modelos que busca explicar uma coleção de fenômenos, com o seu uso informal, que seria algo como um chute ou uma opinião não corroborada. Segundo os criacionistas, o fato de a Teoria Evolutiva ser chamada de “teoria”, demonstra que ela não é corroborada, logo pode ser descartada em favor de outra teoria qualquer, como o Criacionismo. O Tuffani faz um bom trabalho de evidenciar essa questão, então sugiro ler o post dele para essa questão.

Porém eu não pude deixar de demonstrar espanto com o posicionamento do Tuffani, visto que a visão exposta no site do CFBio é idêntica a o que muitos biólogos e defensores da evolução defendem: de que evolução, além de uma Teoria, é um Fato. Se olharmos por esse lado, o texto do CFBio não é contraditório, pois primeiramente fala sobre a Teoria evolutiva, e depois se refere ao fato (ou fatos) da evolução. Nada de espantoso.

Agora, eu sou completamente contrário a essa ideia: nada pode ser um fato e uma teoria ao mesmo tempo. Já escrevi alguns posts sobre o assunto e pretendo retomar essa discussão algum dia:

Mas o ponto é, essa ideia de que evolução é um fato é extremamente difundida, e não é nem de longe algo que é obviamente errado para a maioria de pesquisadores e leigos que aceitam a evolução.

Eu concordo com Tuffani de que tal visão é equivocada e que o CFBio errou em não abordar o equivoco central na tese criacionista. Porém também compreendo que o CFBio não é uma entidade acadêmica, e que está apenas expressando o que eles acreditam ser uma tese correta, tendo em vista a difusão dessa ideia dentre biólogos.

Em outras palavras: pisaram na bola, mas é compreensível.

Não façam de novo.

Feio.

Deus é o ovo

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Cientificismo, segundo o filosofo Tom Sorell, é a “demasiada valorização da capacidades da ciência natural em comparação com outros ramos do aprendizado ou cultura”. Em outra palavras, é o uso inapropriado da ciência e das teorias científicas para explicar fenômenos que normalmente não são da alçada de uma área de conhecimento específica.

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“Hey, bob. Que tal a gente elaborar um construto social elaborado, com relações complexas com mitos de nossa cultura para que a gente possa, eventualmente, comer um bifão?”

Stephen Jay Gould deu um exemplo disso em seu artigo sobre o “adaptacionismo” nas ciências biológicas, que é a tentativa de explicar todo e qualquer fenômeno nos organismos vivos como sendo produto de seleção natural. Em seu artigo co-autorado por Richard Lewontin entitulado “The Spandrels of San Marco and the Panglossian Paradigm: A Critique of the Adaptationist Programme” de 1979, Gould exemplifica a questão quando critica a sugestão de E. O. Wilson, pai da sociobiologia, de que o consumo de carne humana (canibalismo) em culturas astecas poderia ser um reflexo de uma falta crônica de proteína animal, ignorando toda uma literatura antropológica avaliando o significado e as possíveis causas culturais de tal fenômeno.

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O que acontece com um paleontólogo ao escutar que dinossauros são uma construção social.

 

Usualmente a acusação de “cientifismo” é aplicado ao uso de ciencias naturais (química, física, biologia, geologia, etc) em outras áreas, usualmente humanas. Mas não há nenhum motivo para que o emprego do termo seja assimétrico: muito do chamado “pós-modernimo” é o emprego de técnicas e conceitos provenientes das humanidades, principalmente crítica literária, em outras ciências. Nesses casos a validade de uma teoria científica deixa de ser avaliada de acordo com sua adequação às evidências empíricas (marca fundamental das ciências) e passa a ser avaliado quanto a sua adequação à ideologias e processos sociais. A validade da evolução deixa de ser seu escopo explicativo, mas um julgamento da cultura que permitiu o surgimento dessa teoria (européia, renascentista, branca e machista), e o significado dessa ideia para a sociedade.

Acusações de cientificismo também são comumente usadas por alguns religiosos e teólogos ao acusar cientistas de tentar “opinar” em assuntos religiosos do ponto de vista científico. Por exemplo, Victor Stenger, no seu livro “The Fallacy of Fine-tunning” afirma que

“(…) as observações da ciência e dos nossos sentidos não apenas mostram a ausência de evidencias para [a existência] de Deus mas também dão evidencias para além da qualquer dúvida razoável de que um Deus que tem um papel tão importante e cotidiano no universo como o Deus Judaico-Cristão-Islamico não existe”

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“Meus super-sentidos não detectam a presença de nenhuma entidade omnipontente, omniciente e omnibenevolente no universo. Parece que sou a única divindade solar por aqui mesmo…”

Segundo alguns religiosos, usar a ciência para analisar afirmações sobre o supernatural e o divino são exemplos de cientificismo, visto que é a utilização da ciência (natural, normalmente) em uma área na qual ela não se adequa, que seria a teologia.

Visto que a acusação de cientificismo é tão rotineiramente utilizada por intelectuais religiosos para defender sua fé de intelectuais ateus, me soa particularmente irônica a utilização de achados científicos como base para afirmações de fé. Um exemplo claro disso é no chamado “Argumento Cosmológico para a Existência de Deus”. O argumento tem a seguinte forma:

  • [P1]- Tudo que que começa a existir tem uma causa
  • [P2]- O universo começou a existir
  • [C]- o universo tem uma causa (que é Deus, por sinal)

A validade da conclusão depende da validade das premissas, e o que é usualmente utilizado para corroborar a segunda premissa, é a teoria do Big-Bang, que afirma que o universo visível atual teve uma origem em um ponto específico de nosso passado, aproximadamente a 15 bilhões de anos atrás.

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Bom, acho que isso explica o período inicial de inflação cósmica…

 

Obviamente eu não estou sugerindo que teólogos não deveriam se basear em ciência e fatos conhecidos para tirar suas conclusões sobre o universo. Porém essa empreitada é fútil quando todos os argumentos baseados em ciência são necessariamente provisórios e tentativos, o que está em claro desacordo com a necessidade do teólogo de se comprometer com uma conclusão específica.

Robert M. Price brilhantemente exemplificou essa questão durante durante um debate com o filosofo e apologeta cristão William Lane Craig sobre a existência da figura histórica de Jesus Cristo:

Historiadores críticos não estão engajando em epistemologia metafísica como se eles pudessem saltar em uma máquina do tempo e pontificar “‘A’ não aconteceu, ‘B’ sim!”. De novo, Craig e seus irmãos estão apenas projetando. São eles, e não os historiadores críticos que querem poder apontar para resultados absolutos. Imagine um credo “Se tu confessar da tua própria boca ao Senhor Jesus e acreditar em seu coração que Deus provavelmente ressuscitou-o dos mortos, tu provavelmente serás salvo”. Na cara de quem está a piada aqui?

No caso do Big Bang e do argumento cosmológico, a piada é mais óbvia ainda. Quando em 1951 o papa Pio XVII quis alardear que o Big Bang era comprovação de que o catolicismo era verdade (justamente pelo Argumento Cosmológico), Georges Lemaître, o primeiro proponente desse modelo cosmologico e padre o impediu, afirmando que sua teoria era neutra a respeito da existência de Deus. E ele obviamente deveria ter que fazer isso. Caso o contrário, se Deus fosse uma conclusão com base em um modelo científico, se tal modelo cai, Deus cai também. E visto que Lemaître (assim como qualquer outro católico e cristão no mundo) provavelmente não estava preparado para abandonar a crença em um Deus apenas pela refutação de uma teoria científica, ele argumentou contra a associação de ambos. Defensores do Design Inteligente e criacionistas não tem essa clareza: uma vez que suas hipóteses foram refutadas (e todas elas foram), tudo o que lhes resta é negar a ciência. É o cientificismo levando ao anti-intelectualismo.

Mas caso nada disso tenha ficado claro, aqui vai um exemplo mais simples: sabe aquela história de que em uma semana os médicos e pesquisadores afirmam que ovo faz mal, e em outra eles afirmam que ele faz bem, nunca chegando a um consenso, se contradizendo e refutando um ao outro recorrentemente?

Imagina que Deus é o ovo.

O lado negro de compartilhar videos de animais fofos na internet

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[AVISO: esse post contem imagens fortes]

Quem não gosta de compartilhar animais fofos na internet? Os gatos são inegavelmente os reis da rede, mas outras espécies menos comuns recentemente ganharam popularidade. Filhotes de lontra abandonadas? Quase 8 milhões de visualizações. Quatis sonolentos sendo acariaciados? Quase 6 milhões.

Talvez o grande apelo desses videos seja o fato de que as pessoas são expostas a animais que antes eram desconhecidos, e ficam surpresos em como esses animais podem ser belos, inteligentes e, sem sombra de duvida, fofos. E que mal há em dividir um pouco de fofisse animal na rede?

Segundo o artigo de Nekaris e colaboradores publicado na PLOS em 2013, talvez a atividade não seja tão inocente assim.

Os autores analisaram um video de um Loris recebendo cócegas e aparentemente gostando da experiência. Um loris, para quem não sabe (ver foto acima), é um tipo de primata associado à lêmures. Recebem muitas vezes a alcunha “lentos” por se movimentarem de forma pausada por entre as árvores. Assim como grandes primatas (como chimpanzés, gorilas e humanos) não possuem rabos, mas isso é uma convergência evolutiva, ou seja, não é explicado por ancestralidade comum. Diferente da maioria dos mamíferos, os loris apresentam um arma muito estranha: uma glândula de veneno no sovaco. A secreção dessa glândula, quando misturada com saliva, confere aos loris uma mordida venenosa, usada para caçar pequenas presas e para defesa de predadores e competidores.

 

De qualquer forma, por motivos que me fogem completamente, esse video foi visualizado um numero gigantesco de vezes, ultrapassando a marca de 12 milhões de visualizações, se somarmos todas as versões do video.

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Tabela 1 de Nekaris e colaboradores (2013) mostrando o total de visualizações do video do Loris em diversos canais do YouTube e Vimeo.

Ok, e qual é o problema? Os autores apontam que nesses videos, os principais tipos de comentários se referiam sobre o como os animais eram bonitinhos, sobre o que ele estava fazendo e sobre como o comentador queria um daqueles animais como bicho de estimação. E é nesse ultimo que mora o perigo.

Todas as espécies de Loris se encontram ameaçadas de extinção por devastação de áreas naturais, caça e, obviamente, por tráfico de animais para servirem de bichos de estimação e ornamentais. Visto que a venda dessas espécies é considerada ilegal em grande parte das nações desenvolvidas, é muito provável que a presença desses animais nas mãos de particulares implica na extração de animais da natureza para satisfazer nossa necessidade por fofura. Mas não tem nada de fofo no que os animais passam para virarem “pets”.

O artigo de Nekaris e colaboradores citam alguns exemplos horríveis: Em Taiwan, em 1993, uma remessa de losises pigmeus confiscadas teve uma taxa de mortalidade de 80%. Em Praga, entre 1990 e 2000, todos os lorises pigmeus confiscados entrando no aeroporto morreram durante a quarentena.

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Na esquerda, uma remessa confiscada na Thailandia de lorises pigmeus (exóticos à região). Na direita, uma remessa de animais (todos mortos) confiscada pelas autoridades da Indonésia de Lorises da Sumatra, a espécie mais ameaçada. Foto originalmente publicadas em Nekaris e colaboradores (2013).

E, como se não bastasse, animais que eventualmente sobrevivem a experiência tem que passar por mais um ritual bárbaro: a remoção de seus dentes incisivos, para impedir o envenenamento de seus futuros donos.

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Sim, isso é um cortador de unhas

A remoção dos dentes, além de ser potencialmente letal (até 34% de mortalidade em um dos casos relatados pelos autores), impede que os sobreviventes sejam reintroduzidos na natureza.

Mas o que isso tudo tem a ver com videos na internet? É bem simples: se esses animais são o produto do trafego trafico de animais, esses videos são a propaganda que expõem esses animais a novos mercados consumidores, em escala mundial. E o anuncio por parte de cerca de de 10% dos comentadores de que gostariam de ter esse animais pode ser um incentivo a mais para traficantes de animais intensificarem a exploração de populações nativas.

Obviamente isso não significa que tais videos devam ser removidos da rede. Isso é quase que efetivamente impossível. Mas os autores do artigo argumentam que campanhas de conscientização podem reverter a opinião pública, e transformar uma “propaganda gratis” para traficantes de animais, em campanha de conscientização contra a a exploração desses animais.

Então, da próxima vez que você ver uma foto ou video de um animal silvestre fofo, lembre dos loris:

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e se pergunte: De onde esse animal vem? Ele é ameaçado de extinção? Ele é traficado ilegalmente?

E se alguma das ultimas perguntas for sim, talvez, por mais fofo que esses animais sejam, o lugar deles é na natureza ou, na pior das hipóteses, no zoológico*.

 

*Ver aqui e aqui para posts prévios discutindo sobre o assunto.

Em tempos de FlaXFlu eleitoral…

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Essa discussão entre direita e esquerda sempre me foi árida por um motivo simples: ambas as posições nunca me foram definidas de forma satisfatória pra mim.

Lembro que já escutei que, por definição, direita é situação e esquerda é oposição, o que faria com que a ditadura comunista stalinista fosse de direita e seus opositores capitalistas, como o pai da Ayn Rand, fossem de esquerda. Isso pode até ser verdade, mas não indica nada do que a direita ou esquerda “acreditam”. É só um sinônimo para uma outra coisa.

Uma definição muito utilizada hoje em dia me parece a centrada no tamanho do estado: gente que defende estado mínimo seria de direita e gente que defende estado grande seria de esquerda. Isso colocaria todas as ditaduras na ala da esquerda, visto que seria necessário um estado forte para controlar todas as facetas de uma sociedade. Mas essa definição também parece ter problemas: no caso dos Estados Unidos, os Republicanos, normalmente associados à direita, defende um estado mínimo na economia, mas interferência estatal, na forma de leis, na vida privada. Isso mostra que existem formas diferentes de se defender o estado mínimo. Essa tensão levou a proposição de uma nova dimensão no espectro político que diz respeito ao tamanho do estado: de um lado temos totalitários (ditaduras) e do outro libertários, que defendem estado mínimo em todas as esferas políticas, inclusive a social.

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Diagrama de Nolan mostrando os espectros políticos: Esquerda-Direita e Totalistarismo-Anarquia.

Mas essa proposta não parece muito satisfatória: inevitavelmente nossos partidos e políticos parece adotar duas posturas distintas (esquerda X direita). Libertários e totalitaristas costumam ser posições um tanto minoritárias (a ultima mais do que a primeira) que acabam se aliando a um lado ou a outro.

Mas então fica a pergunta: o que diabos seriam a esquerda e a direita?

As melhores definições que já vi são as seguintes:

  • Direita: visão ou posição política que aceita a hierarquia social ou desigualdade social como inevitável, natural, normal, ou desejável
  • Esquerda: visão ou posição política que aceita ou suporta igualdade social

Nada inovador até aqui. Tirei da wikipédia. Mas me parece interessante mostrar que essa definição é objetiva e elegante. Segundo essa definição, o Nazismo era de direita, pois defendia as desigualdades inerentes às raças e o Stalinismo era de esquerda pois defendia a igualdade dentre as pessoas e o comunismo como meta.

Mas essas definições ainda não parecem inteiramente satisfatórias também. Por exemplo, alguém pode ser de direita por defender que existem diferentes castas sociais indicadas por Deus, ou por acreditar que as desigualdades sociais são geradas por um sistema natural social que vai privilegiar uns indivíduos em detrimento de outros. São duas posições que diferem porque tem motivos diferentes pelo qual aceitam as desiguales sociais. Serem ambas “de direita” não indicam muito além disso.

Nesse ponto vejo muita gente fazendo generalizações apressadas sobre as crenças das pessoas baseadas na simples percepção de onde tal pessoa cai nesse espectro político, e isso é uma falácia. Alguem pode ser um comunista porque defende o bolsa família, mas não necessariamente. O que temos que fazer é perguntar qual é o motivo pelos quais as pessoas tem a sua visão política e não outras, e temos que estar prontos para dar os nossos motivos.

E apesar do grande envolvimento das pessoas nas mídias sociais nessa ultima campanha eleitoral, eu vi pouquíssimas pessoas prontas para defender racionalmente suas posições políticas, e isso tem que mudar.

Chega de Fla X Flu ideológico.

P.S: esse post foi escrito sem nenhum tipo de pesquisa prévia e sob a influencia de fortes anti-gripais.

Lidando com scammers

Isso é um enorme off-topic.

Ontem recebi essa mensagem:

Saúdo-vos em nome de Jesus.

Eu quero que você leia esta carta muito bem, porque eu sei que você vai se surpreender ao receber a minha carta, mas como um servo do Deus vivo, você deve saber que os nossos caminhos não são os seus aspectos, ele trabalha de muitas maneiras e todas as coisas contribuem para o bem para aqueles que acreditam em Jesus Cristo.

Por favor, não ignore esta mensagem porque você está escolhendo para trabalhar neste projeto.

Eu sou a Sra. Ella Baker Joice de Reino Unido, eu sou casada com chefe. Steve George Baker antes de morrer de um ataque de calor que duram apenas 1 dia.

Meu falecido marido era muito rico homem de negócios e depois de sua morte, eu herdei todos os seus negócios e riqueza.

Recentemente, o meu médico deixou claro para mim que eu não posso viver por mais de um mês, então agora eu decidi compartilhar parte de nossa riqueza, contribuir para o desenvolvimento de orfanatos na África, Ásia, América, América do Sul e Europa para Deus todo-poderoso que tenha misericórdia sobre a minha alma e minha alma marido sempre que podem ocorrer.

Eu escolhi você, depois de visitar o diretório local e orei sobre isso antes de eu decidi doar parte dos recursos através de você para ajudar os menos privilegiados, eu estou disposto a doar a soma de US $ 750.000 (setecentos e cinquenta mil dólares Estado Unidos ) para a obra de Deus. Quero que este fundo para ser usado em atividades cristãs como, orfanatos, escolas cristãs e Igrejas para propagar a palavra de Deus.

Eu também quero que você saiba que o fundo está deitado em um banco aqui em Londres, Reino Unido Uma vez que eu ouvi-lo; Vou escrever um cheque em seu nome para que você sacar o fundo em qualquer banco de sua escolha no seu país.

Eu sinceramente rezo para que este fundo quando se está na sua posse que você vai usá-lo para o propósito, como eu disse, porque eu vim a descobrir que a aquisição de riqueza, sem a caridade é vaidade. Se você estiver disposto a me ajudar a lidar com este projeto em sua área por favor envie-me com as informações abaixo, conforme listado abaixo para eu escrever oficialmente um cheque em seu nome.

Seu nome completo /

Profissão / seu país

Assim que eu receber essa informação de você eu vou instruir o banco para emitir-lhe o fundo em um cheque para que você sacar o fundo em qualquer banco de sua escolha no seu país para a expansão do reino de nosso Senhor Jesus Cristo, porque ele vive.

Sempre rezo para que a graça de nosso Senhor Jesus, o amor de Deus ea comunhão de Deus esteja com você e sua família.

Que Deus abençoe você como você fazer o seu trabalho

Por favor, se você não pode ser capaz de lidar com este projeto por favor me avise com urgência para permitir-me olhar para alguma outra pessoa que pode lidar com esse projeto imediatamente, porque eu não consigo entender o que acontece comigo para os próximos minutos, e não é bom para abandonar este fundo no banco, enquanto há muitas crianças que sofrem, as crianças de rua são incontáveis.

Aguardo a sua resposta urgente em breve.

Sua irmã em Cristo.

Irmã Ella Baker Joice

Não sei se o português mal escrito era para adicionar verossimilitude à mensagem. De qualquer forma, não consegui me conter e acabei redigindo uma resposta.

Ola Irmã!

Uau, é um enorme prazer receber tal mensagem, mas fiquei com algumas dúvidas: inicialmente, porque me escreves em português, sendo que não apenas falo inglês como também moro nos Estados Unidos? Ou porque seu e-mail é do provedor “bol”, que significa Brasil On Line, e termina em “.br”? Bem, acredito que existam explicações perfeitamente adequadas para essas questões!

De qualquer forma, fico honrado e surpreso com a proposta, ainda mais visto que eu estava em alguma base de seu diretório local. Digo isso pois sou abertamente ateu e não sei como uma cristã rica inglesa com um e-mail brasileiro teria meu email em qualquer base de dados, ainda mais que acharia provável que eu fosse um candidato razoável para perpetuar a obra de Deus. Mas bom, como dizem por ai “Deus escreve certo por linhas tortas”, e não consigo encontrar maneira mais torta do que me usar para cumprir seu trabalho. Boa jogada, Jesus…. boa jogada.

Agora, me pergunto que tipo de projeto eu poderia desenvolver pela glória dele. Afinal, não apenas sou ateu como também cientista. Não me entenda errado, eu não considero que todas as religiões são anti-científicas. Apenas algumas. Cristianismo? Em grande parte. E aí vive o dilema: como conciliar isso com sua mais que generosa e claramente verídica proposta? Não é uma tarefa fácil, mas acredito que tenha uma solução: o dinheiro poderia ser usado para a criação de uma fundação para o avanço da Ciência e da Razão, voltado principalmente ao ensino de pensamento crítico em comunidades carentes, ensinado o valor de lógica em nossas vidas cotidianas.

Visto que o cristianismo tem uma longa tradição de pensadores e filósofos, acredito que até esse tipo de projeto poderia ser avançado como ponto de harmonia entre nossas visões de mundo. Apenas pense no benefício para essas pessoas, que deixariam de acreditar em coisas absurdas como astrologia, políticos, que vai ser “só a cabeçinha”, ou charlatões que tentam roubar suas informações financeiras por e-mail.

O que me diz?

Best!,

F.

É obvio que 5 minutos de busca na internet mostram que esse texto está circulando desde, no mínimo, 2012, com diferentes nomes da tal “irmã”. A inclinação religiosa da mensagem é particularmente repulsiva, pois tenta se valer de algo importante para as pessoas apenas para arrancar dinheiro delas. O que não é inesperado: religião, ainda mais cristianismo, ajuda a formar um sentimento de fraternidade que vai além dos laços familiares, tribais e nacionais, e pessoas abaixam a sua guarda quando o golpista se faz passar por alguém de dentro de seu ciclo social.

Mas eu não estou brincando quando acho que pensamento crítico deveria ser ensinado para o publico como algo útil e prático. E digo isso com conhecimento de causa: eu já fui vitima de um golpista, e perdi quantidades consideráveis de dinheiro, tempo e cabelo com isso. Em retrospecto, um pouco mais de ceticismo teria me salvado.

Algumas vezes me pego desejando a existência de um inferno para essas pessoas. Talvez por isso Dante tenha jogado fraudadores no penúltimo ciclo do inferno, perdendo apenas para o ciclo dos traidores, que comportavam figuras como Caim, Brutus e Judas.

Qual é o dano em chamar negros de “macacos”?

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Seguindo um dos meus ultimos posts, muitas pessoas me apontaram o texto do Negro Belchior como uma outra perspectiva sobre a controvérsia da campanha #somostodosmacacos. Ironicamente, ler esse texto foi o que me incentivou a escrever o meu. Não é porque eu discorde do texto do Belchior, pelo contrário. Acho que ele dá bons motivos pelos quais é contrário à campanha. Porém, em momento algum ele parece realmente ser contrário as evidências biológicas de que somos, de fato, macacos, mas critica a tentativa de usar o termo positivamente. E foi para oferecer uma justificativa biológica ao uso do termo que resolvi escrever meu post, e de quebra ensinar algo sobre a lógica da evolução.

Mas como isso é mais uma questão ética do que científica, resta a pergunta: Qual é o real dano de chamar negros de “macacos”?

Respostas comuns

Uma das respostas mais comuns que vi por ai é que isso ofende as pessoas. Eu obviamente não nego que as pessoas se sintam ofendidas com isso, mas pode-se argumentar que elas estão sendo irracionais ao se sentirem ofendidas. Por exemplo, a defesa da evolução como a única teoria que explica a diversidade na Terra ofende criacionistas, homofóbicos se sentem honestamente ofendidos por gays, homens se ofendem com críticas feministas, etc. O ponto é: que alguém se ofende com algo não é argumento contra o que foi dito, ou mesmo argumento para não dizer aquilo. E céticos e ateus basicamente estão no trabalho de contestar opiniões fortemente arraigadas. Ofensa não me impressiona nem me motiva.

Outro argumento comum é que isso reforça o racismo. Isso pode ser verdade, mas me parece que o que importa mais é o padrão de uso de um termo do que o próprio uso. Afinal, foi isso que o movimento GLBT fez com o termo “gay” e, em menor medida o que as mulheres fizeram com “vadia”. Ostentação com orgulho de certos termos pejorativos já foi usado contra preconceito. Ou seja, mudar o padrão de uso não é impossível e o reforço parece ocorrer em um contexto social especifico, que pode mudar.

O problema comum dessas respostas (e de outras também) é que elas partem de uma premissa um tanto discutível: que todos os seres humanos são capazes de ter empatia com outros membros da sociedade de forma irrestrita. Eu, por exemplo, tenho grandes dificuldades de estabelecer relação empática com os problemas que negros enfrentam, apesar de achar que consigo fazer isso em maior escala com o que gays e mulheres sofrem. Para pessoas como eu, uma medida clara e objetiva dos danos e benefícios de uma prática ou política social tem um enorme valor quando estamos tomando decisões morais. E, na minha opinião, ciência é a melhor ferramenta para descobrir que tipos de consequências certas ações podem ter.

Então, o que a ciência tem a dizer sobre esse caso específico?

Uma medida objetiva do dano

Esse é o professor Phillip Atiba Goff, da UCLA. Ele é um psicólogo social interessado na relação entre fatores ambientais/sociais na geração de respostas comportamentais discriminatórias raciais. Ou seja, ele quer saber o que causa comportamentos discriminatórios, ou qual é a consequência de certos comportamentos tidos como discriminatórios. Eu cruzei com a página dele, quando procurava artigos que validassem o histórico que o Negro Belchior deu em seu site sobre a associação de negros e macacos. Meu principal incomodo nisso foi a associação indireta entre evolução e nazismo, um ponto que está errado, mas isso é assunto para outra análise.

No meio do currículo do Dr. Goff eu achei uma publicação bastante interessante, que pode ser traduzida como “Não tão humano: Conhecimento Implícito, desumanização histórica e consequências contemporâneas”. Confesso que a leitura desse paper foi como um conto de terror: a cada página uma surpresa desagradável.

O trabalho consiste em 6 estudos distintos baseados em uma metodologia muito simples: apresentar diversas imagens à um conjunto de voluntários e medir a resposta deles em diferentes tarefas simples. Cada um dos estudos é importante em si só, então abaixo tentarei fazer um resumo breve, apresentando o resultado principal de cada um. Mas para quem quiser ir direto ao assunto, sugiro olhar o estudo 5 e a conclusão.

 

Estudo 1

Esse estudo tem objetivo de averiguar se os voluntários apresentam um viés implícito em associar macacos à negros. Na primeira parte do experimento os voluntários eram apresentados à uma imagem aleatória de um rosto humano de diferentes etnias. Em seguida era apresentado ao indivíduo uma figura de um animal, e se media o tempo necessário para que ele reconhecesse o animal.

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Os resultados indicam que indivíduos que foram apresentados faces negras ou brancas eram igualmente rápidos para identificar imagens de outros animais. Porém quando se tratava de macacos, aqueles que foram previamente apresentados com uma face negra eram significativamente mais rápidos do que aqueles que não haviam visto face alguma (controle) e daqueles que haviam visto faces brancas.

 

Estudo 2

Esse estudo averiguou se os voluntários que visualizavam inicialmente uma face de um macaco desviam sua atenção mais rapidamente para face de negros em seguida. Isso foi medido apresentando a imagem de um macaco e logo em seguida apresentando faces de duas pessoas na tela. Em seguida as faces desapareciam e um ponto aparecia na posição de uma das faces. O voluntário tinha que identificar em que lado esse ponto estava. O tempo tomado para achar o ponto é uma medida do desvio de atenção do indivíduo. Os voluntários nesse estudo eram todos estudantes brancos/caucasianos.

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O resultado mostra que aqueles que visualizavam um macaco antes tinham a atenção fortemente voltada para a face negra, identificando o ponto como estando na posição desse tipo de face mais rapidamente do que o tempo tomado para identificar o ponto na posição da face caucasiana. É valido notar que, na ausência da foto de macaco, a atenção dos voluntários se desviava para a face caucasiana, provavelmente por conta da identificação de grupo.

Estudo 3

Esse estudo foi similar ao anterior, substituindo a imagem da face caucasiana por uma asiática. Isso foi feito para remover qualquer viés para identificação de grupo. Adicionalmente, foram removidas as cores das imagens originais, deixando apenas traços faciais, controlando também para a influencia da cor da pele na análise.

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Os resultados corroboram o estudo anterior, mostrando que indivíduos que foram visualizaram a imagem de macaco foram tiveram sua atenção significativamente desviada para as faces negras, mesmo com a cor estando ausente na análise. Nos casos que não foram apresentadas imagens de macacos, os voluntários tiveram a tenção igualmente distribuída entre as faces de diferentes grupos.

Estudo 4

Esse foi um estudo do tipo “Teste de Associação Implícita”. O objetivo desse tipo de teste é tentar extrair algum tipo de associação entre palavras e sentimentos/sensações/julgamentos por parte dos voluntários. Foram realizados dois tipos de testes. O primeiro tentava ver a associação de nomes classificados como esteriotipicamente “brancos” ou “negros” como sendo relacionado à sentimentos bons ou ruins. Isso era feito pedindo ao voluntário que classificasse os nomes como branco ou negro e depois era requisitado que ele classificasse palavras neutras, culturalmente valorizadas (como “aniversario” e “flores”) ou desvalorizadas (como “vómito” ou “lixo”) como boas ou ruins. Isso era feito usando os mesmos botões usados para classificar os nomes como “brancos” ou “negros”, permitindo assim a associação indireta entre as identificações de raças com julgamentos de valores.

O segundo teste foi feito seguindo o mesmo protocolo, porém usando usando animais que caiam em duas categorias- grandes primatas (macacos) ou grandes gatos- ao invés de palavras. Isso foi feito para investigar se a associação entre negros e macacos era indiretamente influenciada pela associação de macacos com “violência” ou com “Africa”, visto que grandes gatos também são animais tidos como violentos e africanos.

Os resultados mostraram que os voluntários eram mais rápidos em classificar palavras como sendo “negro-ruim” do que como “negro-bom”, assim como eram mais rápidos em associar animais como “negro-macaco” do que como “negro-grandes gatos”, mostrando que a associação negativa não parece ser influenciada indiretamente pela associação com Africa ou com violência.

Estudo 5

Esse estudo teve como objetivo averiguar quais são as consequências materiais da associação entre negros e macacos. Para isso, foram apresentadas palavras associadas tanto a grandes primatas, quanto a grandes gatos aos voluntários. Em seguida foram apresentada uma filmagem de um suspeito sendo agredido por policiais e era sugerido ao voluntário indiretamente que o indivíduo era negro ou branco. Em seguida era dado ao voluntário um questionário com o objetivo de medir o quão justificado ele achava a agressão policial.

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Os resultados mostraram que os voluntários que visualizaram palavras associados à macacos eram mais inclinados a considerar a agressão policial justificada quando o suspeito era negro. Não apenas isso, os indivíduos que eram apresentados com palavras associadas à grandes gatos não apresentavam viés significativo na sua justificativa da agressão, independente da cor da pele do suspeito.

Estudo 6

Esse ultimo estudo foi um estudo não controlado que buscava investigar associação entre a representação de suspeitos na mídia e a probabilidade deles serem condenados à morte por seus crimes. O resultado foi bastante simples: quanto mais o indivíduo era associado à macacos na mídia, era mais provável que ele fosse condenado à morte, se ele fosse negro.

Conclusão

Os estudos compilados no artigo de Goff e colaboradores são, ao meu ver, bastante diretos: Há uma associação implícita entre negros e macacos (Estudos 1, 2 e 3), que quando evidenciada leva a uma associação de valores negativos à negros (Estudo 4), podendo justificar culturalmente a violência policial contra esse grupo (Estudo 5), possivelmente facilitando a execução legal de prisioneiros negros (Estudo 6).

E se essas não são consequências horrendas que justificam parar de reforçar ou evidenciar tal associação, eu não sei o que são.

Caos na fábrica de tijolos – uma parábola sobre a ciência

Há muito tempo atrás, dentre as atividades e ocupações dos homens, estava a atividade chamada de pesquisa cientifica. Na realidade, entretanto, esses homens eram construtores que construíam edifícios chamados “explicações” ou “leis”, através do agrupamento de tijolos, chamados “fatos”. Quando tijolos eram sólidos e agrupados adequadamente, o edifício era útil, durável e trazia prazer, e as vezes recompensas, para o construtor. Se os tijolos eram falhos ou se eles haviam sido agrupados de maneira inadequada, o edifício viria a ruir e e esse tipo de desastre seria bem perigoso para os inocentes usuários do edifício, assim como para o construtor, que muitas vezes era destruído pelo colapso. Visto que a qualidade dos tijolos é tão importante para o sucesso do edifício, e visto que tijolos são tão escassos, nessa época os construtores faziam seus próprios tijolos. A manufatura de tijolos era uma empreitada difícil e custosa e construtores sábios apenas faziam tijolos da forma e tamanho necessários para a empreitada a frente. O construtor era guiado em sua manufatura pela planta do edifício, chamado “teoria” ou “hipótese”.

Com o tempo, os construtores perceberam que eles eram dolorosamente impedidos em seus esforços pelo atraso na obtenção dos tijolos. Assim, veio a existir uma nova ocupação de artesão de tijolos, chamado de  “cientista júnior” para dar ao artesão o orgulho necessário para o seu trabalho. Esse novo arranjo foi deveras eficiente, e a produção de edifícios progrediu com grande vigor. Algumas vezes, artesãos de tijolos se tornavam inspirados e progrediam para o status de construtores. A despeito da separação de tarefas, tijolos ainda eram feitos com cuidado, e usualmente eram produzidos por encomenda. Agora e então um artesão de tijolos empreendedor era capaz de prever a demanda e preparar um estoque de tijolos antes do tempo, mas, em geral, manufatura de tijolos era feita de forma personalizada porque ainda era um processo difícil e custoso.

E então aconteceu de uma equivocação se alastrar pelos artesãos (há alguns que dizem que esse equivoco se desenvolveu como resultado de um treinamento descuidado de uma nova geração de artesãos). Os artesãos se tornaram obcecados pela manufatura de tijolos. Quando lembrados que o objetivo último eram os edifícios, não tijolos, eles respondiam que, se tijolos o suficiente estivessem disponíveis, os construtores seriam capazes de selecionar o que era necessário e ainda assim construir edifícios. A falha nesse argumento não estava prontamente aparente e então, com a ajuda de cidadãos que estavam esperando para usar os edifícios que viriam a ser construídos, coisas fantásticas aconteceram. O custo da manufatura de tijolos se tornou um fator menor porque grandes somas de dinheiro se fizeram disponíveis; o tempo e o esforço envolvidos na manufatura de tijolos foi reduzida por engenhosas maquinas automáticas; a classe de artesãos foi inchada pela intensificação de programas de trenamento e recrutamento. Foi até sugerido que a produção de um numero equivalente de tijolos adequados era equivalente à construção de um edifício e, por isso, deveria permitir um artesão produtivo a assumir o título de construtor e, com o título, a autoridade.

E então aconteceu que a terra foi inundada de tijolos. Se tornou necessário organizar mais e mais armazéns, chamados de “Publicações”, e mais e mais sistemas elaborados de registro e inventario. E no meio disto tudo os artesãos mantiveram seu orgulho e sua perícia e os tijolos eram da melhor qualidade possível. Mas a produção eram muito aquém da demanda e tijolos não eram mais feitos sob encomenda. O tamanho e forma de tijolos era agora ditado por tendências na moda. De forma que, para competir com outros artesãos, a produção enfatizava aqueles tipos de tijolos que eram mais fáceis de serem feitos e apenas raramente um artesão aventureiro tentava uma projeto difícil ou pouco usual. A influência da tradição no método de produção e nos tipos de produto se tornou o fator dominante.

Infelizmente, construtores foram quase totalmente destruídos. Se tornou difícil de achar tijolos adequados para a tarefa porque necessitava a inspeção de tantos outros. Se tornou difícil de achar uma localidade adequada para a construção de um edifício porque o chão estava coberto de tijolos avulsos. Se tornou difícil completar um edifício útil porque, assim que as fundações estavam discerníeis, elas erram enterradas por uma avalanche de tijolos aleatórios. E o mais triste de tudo, algumas vezes nenhum esforço era feito para manter a distinção entre pilha de tijolos e um verdadeiro edifício.

Bernard K. Forscher

Publicado em 1963, na revista Science.

Acho que não preciso dizer mais nada.

Três ótimos (e respeitosos) debates entre Ateus e Teístas.

Eu sempre adorei discussões. Quando entrei na graduação, o ponto alto da minha semana era o Grupo de Discussão de Evolução, um grupo organizado por três veteranos que talvez tenham achado naquele fórum uma válvula de escape para o que eu iria sentir mais tarde na pele: a total ausência de embate entre pontos de vistas conflituosos na academia.

Foi só quando me meti em discussões sobre ateísmo, que descobri a existência de debates acadêmicos, onde os debatedores expõem seus lados em um formato previamente estabelecido. Eu achei isso fantástico: esses debates não apenas permitem uma grande troca e exposição de informação, como também entretêm. Prefiro mil vezes assistir um debate de duas horas do que o novo filme da série “Velozes e Furiosos”.

Agora, um problema de debates entre teístas e ateus é que eles facilmente se tornam acalorados e muitas vezes desrespeitosos, que é algo tira o foco do assunto e entram no caminho da discussão. Um bom debate é aquele que o debatedor interpreta a posição do oponente sob a melhor luz possível e tenta responder à altura. Sem respeito, os debatedores comumente correm o risco de interpretar errado o que seu oponente tem a dizer e responder àa pontos que não foram feitos. E ninguém ganha com isso.

Abaixo linkei três debates entre teístas e ateus que acho particularmente bons nesses aspectos. São ótimas fontes de informação sobre ambos os lados, mostrando que é possível haver confronto sem ofensas. Ao menos não muitas. Infelizmente estão apenas em inglês, e requerem um ouvido acostumado.

Peter Singer vs John Hare – Mamíferos Morais, e porque nós importamos
[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=p7F9mrHiImo”]

Debate entre o famoso filósofo Peter Singer (ateu) e o filho do seu mentor, também filósofo, John Hare (teísta). O objetivo desse debate é expor as bases e justificativas para o comportamento ético sob as perspectivas ateia e teísta, respectivamente. O resumo é simples: na visão teísta, Deus justifica tudo e é a base da moralidade. Na visão ateia, não (obviamente), mas é bom notar que muitas das questões éticas respondidas por “Deus” não estão resolvidas numa visão secular. O motivo disso, imagino, é que “Deus” não é resposta para essas perguntas em primeiro lugar.

(Meta)Fisica: Hans Halvorson e Sean Carroll em Caltech
[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=H864JH1tPYU”]

Hans Halvorson, filosofo teísta de Princeton, e Sean Carroll, físico da Caltech, blogueiro e divulgador científico expõem suas visões metafísicas em uma conversa amistosa. A parte que mais me interessa é a discussão que começa em aproximadamente 20min, no qual Carroll responde ao argumento do Ajuste Fino das Contantes do Universo para a existência de Deus. Esse argumento (junto com o Principio Antrópico) sempre me incomodaram muito, pois sugerem que nós sabemos como a vida surgiu. Mas, se soubéssemos isso, criar vida em laboratório de matéria inanimada seria rotina, mas infelizmente ainda estamos anos luz disso. E a resposta de Carroll sugere isso: não sabemos o que é necessário para ter vida e não sabemos o quão provável ela é nesse ou em qualquer outro universo. Halvorson concorda,  admitindo que, apesar de achar que o universo é finamente ajustado, ele acredita que os argumentos para isso são péssimos, sugerindo ainda que usar ciência para sustentar a visão teísta é teologia ruim. E eu concordo 100% com ambos.

Bônus: ambos respondem qual é o maior desafio para sua visão de mundo e são bastante honestos sobre isso.

(In)Acreditável?: Um filosofo ateu e um teísta compartilham suas visões de mundo- Universidade de Cambridge
[youtube_sc url=”https://www.youtube.com/watch?v=lGtSjqnzZHo”]

Esse é um debate bastante interessante, entre o filosofo ateu Arif Ahmed e o Reverendo e professor aposentado Keith Ward. Ward é um idealista, que acredita que a realidade da mente precede a realidade da matéria, e Ahmed defende uma posição empiricista ampla, onde qualquer crença deve ser considerada verdadeira apenas se tivermos evidencias para ela. Apesar desses pontos não serem necessariamente opostos, grande parte do debate se foca na operacionalidade dessa visão de Ahmed, com Ward obviamente discordando. 

Gosto bastante de ambos debatedores. Ward é bastante honesto e aberto sobre suas crenças e sobre como encara a filosofia como uma forma de racionalizar sua visão de mundo (nada diferente de o que um ateu deve fazer, na minha opinião). Ahmed é um pouco confuso, mas bastante lúcido em suas posições, conseguindo dissecar e apontar problemas na visão teísta com precisão, nenhum dos quais negados diretamente por Ward. Vale a pena adicionar que Ahmed também é conhecido como o cara que destruiu Willian Lane Craig em um debate que, infelizmente, não entra nessa lista por motivos óbvios.

Momento “cuteness” + conservação

Recentemente o Zoológico de Toronto liberou imagens dos primeiros passos de um filhote de urso polar que nasceu em 9 de Novembro do ano passado:

[youtube_sc url=”http://www.youtube.com/watch?v=OkfEChXa2V0″]

Segundo um dos leitores do Why Evolution is True, o filhote “é o único sobrevivente de uma ninhada de três. Ele foi tirado de sua mãe Aurora, visto que ela tem um histórico de rejeição de seus filhotes”.

Essa história de me lembrou do Knut, um filhote de urso polar rejeitado pela mãe no zoológico de Berlin. Knut alcançou o status de fenômeno, após ser abandonado pela mãe, em 2006, se tornando o primeiro filhote da espécie a atingir a fase adulta no zoológico em 30 anos.

Knut e seu tratador

Sua carreira chegou a um fim trágico, entretanto, quando em 2011 Knut sofreu um colapso em decorrência de uma encefalite e acabou morrendo afogado em seu recinto.

A vida de Knut não foi livre de controvérsias. Em 2007, o ativista de direitos animais Frank Albrecht disse que criar Knut violava os direitos animais, pois a criação por humanos levaria a distúrbios compartimentais e sofrimento ao animal. Eu honestamente nunca vi evidencias de que animais criados em cativeiro, se bem criados, sofrem, muito menos que sofrer o suficiente para justificar… bem, não cria-los (o que supostamente deixaria só uma outra alternativa). Mas é verdade que a criação por humanos pode impactar negativamente comportamentos essenciais para a espécie, o que pode dificultar, e até inviabilizar, a re-introdução do animal na natureza ou a sua criação em cativeiro.

Então… criar animais em cativeiro é necessariamente ruim? Eu acho que não.

Recentemente eu vi um lindo exemplo no Aquário de Monterey, na Califórnia. Lá eles mantinham diversos animais em cativeiro, inclusive uma albatroz fêmea chamada Makana que, após várias tentativas de recuperação, se mostrou incapaz de ser re-introduzida no meio ambiente (ela possui uma asa fraturada) e hoje é usada para educar os visitantes sobre os perigos da poluição para esses animais.

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Makana se exibindo. Veja ela em ação aqui

Agora o que mais me impressionou foram as lontras-marinhas. Não é apenas pelo fato delas serem incrivelmente fofas:

Nhonhonhonhonho.
Clique aqui para ver uma camera ao vivo.

O mais impressionante, para mim, foi aprender que os animais em exposição eram usadas como babás para lontras orfãs que eram resgatadas pelo aquário. A idéia é simples: lontras órfãs, se criadas por humanos, não poderiam ser re-introduzidas no meio ambiente. Esse era na verdade o caso das lontras expostas. Porém, se um filhote é criado por uma babá, mesmo uma criada por humanos, existe uma chance maior dele ser re-introduzido no ambiente com sucesso. E, de fato, muitas dessas lontras ajudaram a criar diversos animais que foram mais tarde re-introduzidos na natureza. Ou seja, a criação de alguns poucos animais em cativeiro ajudou as populações naturais desses animais. Fantástico!

Claro, isso não significa que todos os zoológicos e aquários são paraísos de conservação ex-situ. Aliás, acho que muitos zoológicos tem uma relação atávica com seu passado, como um local de coleções e curiosidades do mundo animal. Mas talvez, com um pouco de esforço, podemos chegar lá.

Curiosidade: lontras-marinhas adoram mastigar camarões congelados e, depois de uma bela refeição, tirar uma soneca boiando em alto-mar.

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É… eu sei. Insuportável não?