Patentes Patéticas (nº. 51)

relógio behavioristaModificar o comportamento de alguém é algo complicado, que leva tempo. Comportamento, tempo… Comportamento, tempo… Percebendo essa tênue correlação, Neil W. Decker (de Eagle, Idaho) inventou o que considera a maneira mais efetiva, prática e barata de mudar qualquer comportamento de qualquer pessoa – o “Behavior Modification Wristwatch” ou “Relógio de Modificação de Comportamento”:

Um relógio de modificação de comportamento (10) apresentado tem um corpo (11) modelado em forma de um octógono, inclui uma face pintada de vermelho e com a palavra “stop” pintada nela para lembrar um sinal de trânsito e, assim, servir como constante lembrete consciente e inconsciente para que o(a) usuário(a) pare com seu comportamento destrutivo. O relógio (10) inclui três mostradores digitais: um mostrador de relógio (16), para apresentação de funções cronológicas normais, como a hora do dia, a data, o dia da semana, a hora do alarme, etc; um mostrador de contagem (17) para exibição e contagem do tempo decorrido em dias, horas e minutos desde que o indivíduo abandonou o comportamento destrutivo; e um mostrador alfa[bético] multi-caracter (18) para exibição de palavras ou frases de reforçamento positivo após certos períodos de tempo. O relógio (10) também inclui um alarme audível (34) para gerar um sinal auditivo responsivo tanto para o alarme de tempo comum quanto para a mudança do mostrador de reforçamento positivo (18) de uma frase para outra para chamar a atenção do usuário e facilitar a experimentação de um senso de cumprimento do dever.

Quem já estudou o básico de teorias psicológicas é capaz de perceber facilmente, através dos termos “reforçamento positivo” e “sinal responsivo”, que o relógio modificador de comportamento de Decker é uma invenção essencialmente behaviorista.

Entre as justificativas apresentadas em 28 de dezembro de 1992 no que se tornaria a patente 5.285.430 em 8 de fevereiro de 1994, Mr. Decker diz que as pessoas sempre foram atormentadas com comportamentos fisica, emocional ou moralmente destrutivos. Entre os exemplos citados, há os comportamentos de alcoolismo, drogadição, tabagismo, abuso físico, sobrealimentação, preguiça, jogatina, xingamentos, discriminação, abusos emocionais e “certo comportamento sexual” — este último, embora não especificado, poderia ser o homossexualismo já que abusos sexuais aparentemente entrariam na categoria de abusos físicos.

Decker ainda relata a crescente popularidade de programas de controle de tais comportamentos, como dietas ou terapias (não fica claro se ele considera inúteis apenas as terapias científicas ou apenas as pseudocientíficas ou ambas). No entanto, ele afirma que “embora uma pessoa em particular tenha um desejo relativamente intenso de abandonar um comportamento destrutivo”, os meios para isso “podem ser realmente contraproducentes”, já que “diferentes pessoas reagem a diferentes estímulos.”

Ironicamente, porém, Mr. Decker oferece justamente uma solução universal, um relógio-alarme-panaceia cujos únicos estímulos para todos os comportamentos que se propõe a resolver são uma meia dúzia de frases ou palavras de auto-ajuda apresentadas de hora em hora e um ridículo mostrador em forma de placa de trânsito. Ainda que as frases ou palavras possam ser modificadas de acordo com o caso, não deve ser muito efetivo.

O sistema de contagem de tempo passado desde que o usuário abandona um hábito pode ser mais poderoso, mas não é lá muito prático. Se você está tentando parar de fumar, por exemplo, tem que lançar esse cronômetro especial assim que toma a decisão. Se tiver uma recaída, o relógio evidentemente não vai parar a contagem sozinho — será necessário zerar a contagem e começar tudo de novo. Obviamente, isso é mais frustrante do que recompensador.

Além tudo isso, o uso puro e simples de um relógio já pode ser uma fonte de estresse e até mesmo de alguns dos “comportamentos destrutivos” – como o fumo ou os xingamentos ou a preguiça. Quanto às frases motivacionais, uma apresentação mais artística (e sem alarmes irritantes) — como os cartazes da série Keep Calm and Carry On — deve ser mais barata, divertida e bonita do que um relógio que grita “pare!” a toda hora.

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