Nancy Fraser

O mais novo verbete da Enciclopédia Mulheres na Filosofia, que terá seu lançamento e entrevista realizados presencialmente diretamente do XX Encontro Nacional da ANPOF, em Recife -PE, foi escrito por Nathalie Bressiani sobre a vida e a obra de Nancy Fraser.

Nancy Fraser é uma filósofa e teórica crítica feminista norte americana nascida em 1947 em Baltimore, Maryland, e atual professora da New School for Social Research, em Nova York. Ela estudou grego e latim na Bryn Mawr e, ao longo de sua formação, desenvolveu um forte interesse pela filosofia. Após terminar sua graduação, Fraser se dedica à militância por cinco anos, envolvendo-se em várias organizações de esquerda. Em 1970, ela retoma seus estudos em filosofia e inicia seu doutorado na City University of New York (CUNY), concluindo-o em 1980 e é nesse período que ela começa a publicar seus primeiros textos.

Nesse interessante verbete, Bressiani retoma as principais fases do pensamento da filósofa. Em um primeiro momento, a autora do verbete nos mostra que, na década de 1980, em um cenário de capitalismo gerenciado pelo Estado, Fraser publicou vários estudos sobre as possibilidades de emancipação das chamadas lutas por necessidades, lutas que desafiavam as fronteiras entre os âmbitos doméstico, econômico e político. É desse período a coletânea Unruly Practices (1989). A partir dos anos 1990, com as mudanças do cenário político: o desmantelamento do Estado de bem-estar social e a queda do socialismo real, Fraser adota uma perspectiva mais crítica em relação aos movimentos sociais e passa a questionar a transição do foco dos movimentos sociais da redistribuição para o reconhecimento, procurando desenvolver uma teoria da justiça baseada no princípio normativo da paridade de participação. É desse período livros importantes para a carreira da autora, como Justiça Interrompida (1997), Redistribution or Recognition? (2003), escrito com Axel Honneth, e Scales of Justice (2008). Após a crise econômica de 2007-2008, Fraser vem se dedicando à elaboração de uma teoria crítica do capitalismo na qual propõe uma visão abrangente do capitalismo como uma ordem social institucionalizada que cria e depende de certa separação entre produção e reprodução, exploração e expropriação, humanidade e natureza não humana, economia e política, ao mesmo tempo em que tende a desestabilizar essas próprias condições de possibilidade. É dessa fase os livros Capitalismo em debate (2018) e Capitalismo Canibal (2022).

 

Sobre a autora do verbete: Nathalie Bressiani é professora de Filosofia na Universidade Federal do ABC desde 2016, foi coordenadora do programa de pós graduação em filosofia (2019-2021) e é vice-coordenadora do Bacharelado em Filosofia (2022-atual) e do Programa de Iniciação à Pesquisa em Filosofia na mesma Universidade (2022-atual). É vice-coordenadora do GT de Teoria Crítica da ANPOF e pesquisadora do Núcleo de Filosofia, no CEBRAP, onde realizou sua pesquisa de pós-doutorado. Desenvolve pesquisa sobre teoria crítica, teoria feminista e filosofia política, temas sobre os quais já publicou artigos, capítulos e resenhas. Faz parte da Comissão Editorial dos Cadernos de Filosofia Alemã: Crítica e Modernidade, revista da qual já foi editora. Traduziu livros e artigos sobre seus temas de pesquisa.

 

Ficou curiosa para saber mais sobre o pensamento de Nancy Fraser? Então leia o verbete aqui e acesse a entrevista com a autora aqui!

Nancy Fraser

Nancy Fraser

(1944)

por Nathalie Bressiani, 

professora de Filosofia da Universidade Federal do ABC – Lattes

Nancy Fraser – PDF

Foto: Malte Jäger/Revista Philosophie.

Nancy Fraser é uma filósofa e teórica crítica feminista estadunidense. Fraser nasceu em 1947 em Baltimore, Maryland, uma cidade marcada pelas leis Jim Crow de segregação racial que, nos anos 1960, foi palco das lutas que deram início aos movimentos por direitos civis nos Estados Unidos. Após a conclusão do ensino médio, ela vai estudar grego e latim na Bryn Mawr, uma universidade exclusiva para mulheres fundada por feministas protestantes. Lá, ela se interessa por filosofia, e passa a orientar sua formação para essa área. Fraser também frequentou cursos de sociologia e filosofia na Haverford College, onde teve seu primeiro contato com o trabalho de Marx e de Marcuse. Aos poucos, ela começa a forjar um vocabulário político mais à esquerda que, por conta do macarthismo, não estava inicialmente disponível (Bressiani & Torre, 2023).

Na adolescência, ainda em Baltimore, Fraser havia participado de lutas pela dessegregação racial e, na sequência, já na Universidade, passou a militar em movimentos contra a guerra do Vietnã. Após a conclusão da graduação, por cinco anos, Fraser se dedicou à militância em tempo integral, participando de diversas organizações de esquerda. Logo, contudo, a energia transformadora da nova esquerda começa a se esgotar. No início dos anos 1970, diante desse cenário, Fraser decide retornar à filosofia e dá início ao seu doutorado na City University of New York (CUNY), o qual conclui em 1980. Nesse momento, ela começa a publicar seus primeiros textos. 

Nos anos 1980, no contexto de um capitalismo administrado pelo Estado, Fraser publica diversos trabalhos em que analisa os potenciais emancipatórios da nova esquerda, em particular dos movimentos sociais feministas, compreendendo-os enquanto lutas por necessidades que colocariam em xeque as fronteiras entre os diferentes domínios sociais. É nesse contexto que podemos compreender seus principais artigos deste período, que foram parcialmente reunidos em Unruly Practices [Práticas Rebeldes] (1989b). Nessa época, Fraser participa de debates com Seyla Benhabib e Judith Butler sobre a relação entre feminismo, teoria crítica e pós-estruturalismo, e apresenta uma compreensão de teoria crítica que enfatiza sua dimensão política e a importância da teoria social. É o que podemos observar em “Crítica social sem filosofia” (1989), escrito pela autora em conjunto com Linda Nicholson, bem como em suas contribuições a Debates feministas (1995) e a Revaluing French Feminism [Reavaliando o feminismo francês] (1992).

No período em que escreveu e publicou esses primeiros textos, Fraser atuou como docente em três universidades: a State University of New York, a University of Georgia, e a Northwestern University. Em 1995, Fraser se tornou professora da New School for Social Research, em Nova Iorque, onde dá aulas até hoje. 

Nos anos 1990, diante das transformações do imaginário político, do desmanche do Estado de bem-estar e do colapso do socialismo real, Fraser assume uma postura mais crítica frente aos movimentos sociais. É, nesse contexto, que podemos compreender sua produção entre  os anos 1990 e o início dos anos 2000, período no qual ela problematiza o deslocamento da redistribuição ao reconhecimento, e desenvolve uma teoria da justiça, centrada no princípio de paridade de participação, por meio da qual defende que redistribuição material, reconhecimento social e representação política são condições necessárias à efetivação de uma sociedade justa. É também nesse contexto que podemos situar seus debates com Iris Young, Axel Honneth e, novamente, com Judith Butler — agora sobre a relação entre economia e cultura. Nesse período, Fraser publica alguns de seus mais importantes livros: Justiça Interrompida (1997); Redistribution or Recognition? [Redistribuição ou Reconhecimento?] (2003), escrito com Honneth; e Scales of Justice [Escalas de Justiça] (2008). 

Após a crise econômica de 2007-8, Fraser vem se dedicando à elaboração de um diagnóstico das múltiplas crises do capitalismo. Nesse contexto, ela desenvolveu uma compreensão ampla do capitalismo enquanto uma ordem social institucionalizada, que produz e depende de certa separação entre produção e reprodução, exploração e expropriação, humanidade e natureza não-humana, e economia e política, mas que tende, ao mesmo tempo, a desestabilizar essas separações, canibalizando o trabalho não-livre, a natureza não-humana, a reprodução social, bem como a legitimação democrática e o poder públicos. Ao fazer isso, afirma ela, o capitalismo colocaria em xeque suas próprias condições de possibilidade e tende a desencadear lutas sociais que assumem sobretudo a forma de lutas de fronteira. Alguns dos primeiros textos dessa fase foram reunidos em Destinos do Feminismo (2013). Nos últimos anos, Fraser tem se dedicado a esse trabalho. Seus argumentos, que em geral são publicados primeiro na forma de artigos, vêm sendo apresentados também na forma de livros. É o caso de: Capitalismo em debate (2018), escrito com Rahel Jaeggi; Feminismo para os 99% (2019a), escrito com Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya; O velho está morrendo e o novo não pode nascer (2019b); e Capitalismo Canibal (2022). 

O capitalismo administrado pelo Estado e as lutas por necessidades 

Em Unruly Practices, seu primeiro livro, Nancy Fraser se apresenta como uma intelectual crítica politicamente engajada que se mantém atenta aos debates teóricos e às práticas políticas possíveis e existentes, e assume para si a tarefa atribuída pelo jovem Marx à crítica social, a saber, o “auto-entendimento dos desejos e lutas de sua época”. Partindo dessa definição, Fraser defende que o programa de pesquisa e a estrutura conceitual de uma teoria social crítica devem ser projetados, “com um olho nos objetivos e atividades daqueles movimentos sociais de oposição com os quais a teórica crítica deve possuir uma identificação partidária, embora não acrítica” (Fraser, 1989b, p. 113). É, nesse espírito, que podemos compreender seus trabalhos na década de 1980, período em que a autora procura levar a sério, dentre outros, os desejos e as demandas dos movimentos feministas e antirracistas que ganhavam força no contexto do capitalismo administrado pelo Estado. 

Os primeiros embates que a autora trava com o trabalho de Jürgen Habermas fazem parte desse projeto. É o que podemos ver em “O que há de Crítico na Teoria Crítica?” (1985) e em “A luta pelas necessidades” (1989a). Nesses dois textos, Fraser parte da tese de que o capitalismo de Estado emerge como uma resposta às tendências de crise do capitalismo liberal e se caracteriza pela ampliação do Estado, que assume a tarefa de administrar crises econômicas por meio de estratégias de substituição do mercado. Com isso, afirma ela, o social e a satisfação das necessidades se tornam políticos. Embora reconheça que o fortalecimento do setor público tende a reforçar um discurso tecnocrático, que enfatiza a necessidade de planejamento eficiente e rejeita a importância dos processos democráticos, Fraser defende que a ampliação do Estado é também acompanhada de um processo de politização das necessidades. Algo que é colocado em prática sobretudo por grupos marginalizados cujas necessidades não são devidamente consideradas na elaboração das políticas públicas. 

A partir de uma análise do sistema estadunidense de bem-estar, Fraser defende que o Estado vincula as políticas mais universalistas de compensação social ao status do trabalhador formal, privilegiando homens, e cria programas de moradia que privilegiam trabalhadores brancos (1987). Ao fazer isso, ele deixa de lado as necessidades tal como compreendidas por grupos sociais marginalizados, como mulheres e populações racializadas. Segundo Fraser, isso ajuda a explicar a emergência e a força dos movimentos feministas e dos movimentos negros desde o final da década de 1960. São movimentos que buscam reinterpretar politicamente quais são as necessidades e como elas devem ser satisfeitas. Assumindo, nesse momento, um diagnóstico otimista, ela sustenta que a ampliação do político no capitalismo de bem-estar abre espaço para uma política democrática de interpretação de necessidades em cujo horizonte está a expansão da agenda política para além da social democracia, e a radicalização de um imaginário socialista democrático que agora inclui as dimensões de gênero e raça (1989a).

Essa perspectiva é desenvolvida também em “Repensando a esfera pública” (1991), onde Fraser aponta para os limites da crítica socialista feita por Habermas ao modelo liberal de esfera pública em Mudança estrutural da esfera pública (1962). Ao fazer isso, Fraser reitera a importância do que chama de contrapúblicos subalternos, onde são desenvolvidas as perspectivas contra-hegemônicas das necessidades, e busca desenvolver um modelo pós-burguês de esfera pública. Trata-se de um modelo de esfera pública que não pressupõe o modo como as fronteiras entre economia e política e doméstico/pessoal foram delimitadas nas sociedades capitalistas liberais, e explicita como essas fronteiras — tal como estabelecidas — impedem a paridade de participação. Fraser reconstrói, com isso, os potenciais críticos e o imaginário socialista democrático inscritos nas lutas políticas do período.

Embora reitere o caráter emancipatório das lutas por necessidades, Fraser reconhece que, na esfera pública, também estão presentes discursos reprivatizantes, cujos defensores buscam reduzir o escopo da política, redesenhando as fronteiras entre público e privado de um modo que despolitiza tanto a economia e a administração pública, como o âmbito doméstico/pessoal. Tratam-se de tentativas de reprivatização das necessidades que assumem, por vezes, a forma de discursos conservadores e, em outras, a forma de discursos tecnocráticos. Segundo Fraser, esses diferentes discursos sobre as necessidades se enfrentam e são responsáveis por estabelecer politicamente as fronteiras entre o que é privado e o que é público, o que é político e o que é econômico etc. São disputas discursivas em torno das necessidades, nas quais a dimensão cultural e a dimensão econômica andam juntas. 

Fraser reitera, porém, que as lutas por necessidades ocorrem em espaços discursivos desiguais, nos quais nem todos têm como participar como pares. Determinados grupos e atores sociais têm melhores condições de participar dos meios de interpretação e comunicação de necessidades do que outros. Tendo isso em vista, ela problematiza perspectivas que enfatizam que, na esfera pública, os interlocutores deliberam como se fossem iguais. Diferentes coletividades têm acesso desigual aos recursos discursivos necessários para elaborar e fazer reivindicações. Dando um passo atrás, Fraser desenvolve então um modelo de discurso social que, sem abrir mão do universalismo, politiza o caráter fortemente hierarquizado e estratificado dos meios socioculturais de interpretação e comunicação de necessidades, e reitera as condições sociais necessárias à paridade de participação democrática. Para construir esse modelo de discurso social, Fraser mobiliza diferentes autores, além de Habermas. Michel Foucault oferece insights empíricos, que ajudam na compreensão das formas de subjetivação dos sujeitos sociais, do surgimento de discursos de especialistas e da formação das convenções normativas existentes. Apesar disso, ele recai em confusões normativas. Gramsci, por sua vez, oferece importantes recursos para pensar a construção da hegemonia e da contra-hegemonia. 

Fraser ressalta também a importância de Richard Rorty para seu trabalho. As teses anti-fundacionalistas de A filosofia e o espelho da natureza (1979) ajudaram-na a elaborar alguns dos incômodos que tinha com a teoria crítica, em particular com o caráter quase-transcendental da teoria de Habermas. Esse incômodo é explicitado em textos nos quais reitera o caráter político e não-fundacionalista de sua crítica social, como “Crítica Social sem filosofia” (1989), escrito com Linda Nicholson. Apesar disso, Fraser ressalta que seu trabalho deve ser compreendido como uma contraposição a Rorty (bem como a Foucault) e à sua tendência de rejeitar a crítica social de esquerda, acusando-a de adotar uma suposta perspectiva externa e neutra para criticar a realidade social (Downs, 2012). Contrapondo-se a eles, a autora reforça a importância da perspectiva do participante para a crítica social. É nesses termos que podemos compreender suas críticas ao pós-estruturalismo e ao uso de teorias francesas do discurso por teóricas críticas feministas, presentes em “Os derridianos franceses” (1984) e em “Solidariedade ou Singularidade?” (1988), mas também em “Os usos e abusos de teorias francesas do discurso para a política feminista” (1992), publicado em Revaluing French Feminism. Nesses textos, Fraser também problematiza outra tendência que identifica nesses autores e correntes, a de relegar a um segundo plano a tarefa de elaborar um diagnóstico de época. É, nessa chave, que podemos compreender a posição adotada por Fraser em “Falsas Antíteses” e “Pragmatismo, feminismo e a virada linguística”, suas duas contribuições a Debates feministas (1995), nas quais discute os respectivos méritos da teoria crítica e do pós-estruturalismo para o feminismo. 

O desmanche do Estado de bem-estar e a emergência do neoliberalismo progressista

A política de interpretação de necessidades desenvolvida por Nancy Fraser na década de 1980, como a própria autora admite depois, partia de um diagnóstico excessivamente otimista. Fraser já aponta para isso em “Uma genealogia da ‘dependência’” (1994), onde ela e Linda Gordon analisam uma mudança na gramática das disputas políticas. Por meio de uma genealogia da noção de dependência, elas mostram como o significado do termo foi alterado e passou a ser mobilizado para estigmatizar aqueles que recebem auxílios estatais. Aos poucos, o imaginário socialista democrático do período anterior vai sendo deslegitimado e substituído por um novo imaginário que desqualifica as políticas de bem-estar em nome da independência dos cidadãos. Com isso, as necessidades são reprivatizadas, e os potenciais de transformação social estrutural esvaziados. “Importantes transformações político-culturais estão a caminho nos Estados Unidos, à medida que uma nova hegemonia neoliberal está sendo construída” (1993, p. 9).

Em “Depois do salário familiar” (1994), Fraser discute essas transformações tematizando questões de gênero. De acordo com ela, no contexto do bem-estar, o ideal da família de um provedor foi mobilizado para legitimar uma determinada configuração das políticas de compensação social que privilegiava as necessidades de trabalhadores homens. Questionando o viés de gênero pressuposto por essas políticas, movimentos feministas se organizaram para questionar a interpretação hegemônica acerca de quais seriam as necessidades a serem satisfeitas pelo Estado. O objetivo era ampliar a agenda do bem-estar, transformando democraticamente a cultura, a economia e o aparato administrativo do Estado. Aos poucos, de fato, o ideal da família de um provedor perde sua plausibilidade empírica e normativa. Tal processo, contudo, não caminhou em direção à democratização dos processos de interpretação e satisfação das necessidades. Pelo contrário. O que vemos, no início dos anos 1990, é a força de um discurso neoliberal que enfatiza a importância do trabalho e concebe a emancipação — inclusive das mulheres — como o resultado da entrada de todos na esfera da produção, o que lhes garantiria independência. A noção de trabalhador, porém, não se altera: trata-se de um trabalhador em tempo integral, que não se dedica a atividades de cuidado. 

Fraser reconhece, nesse momento, que o discurso neoliberal está ganhando força e o ideal da família de um provedor está sendo substituído pelo ideal da família de dois provedores. Apesar disso, ela defende que o discurso neoliberal dificilmente teria como desfrutar de ampla aceitação, pois passa por cima das necessidades dos cidadãos. Sua aposta, por isso, ainda está no potencial das lutas por necessidades, que poderiam tematizar a importância do cuidado, e não só a da produção. É, nesse sentido, que ela defende um modelo de cuidado universal, em que as atividades de cuidado são não só valorizadas mas também divididas entre todos. Não demora muito, entretanto, para que ela se dê conta de que o discurso neoliberal, e a compreensão esvaziada de emancipação via trabalho que o acompanha, venceram. Inclusive no campo progressista. 

É a esse cenário que Fraser se contrapõe, na introdução de Justiça Interrompida, ao problematizar o que chama de condição pós-socialista. Segundo ela, o que temos nesse momento é o ressurgimento de um liberalismo econômico globalizante, que “mercantiliza cada vez mais as relações sociais, erode as proteções sociais e piora as oportunidades de vida para bilhões de pessoas” (Fraser, 1997, p. 18). Com o fim de Bretton Woods, os estados nacionais perdem parte de seu poder de regular os mercados econômicos, tarefa que passa a ser realizada por organizações e tratados internacionais que não estão diretamente submetidos ao controle democrático. A economia avança sobre a política. Além disso, com o desmanche do Estado de bem-estar, temos um amplo processo de reprivatização e mercadorização do cuidado. A economia avança também sobre as relações domésticas/pessoais. De acordo com Fraser, embora esses fenômenos possuam uma dimensão emancipatória, à medida que promovem um rompimento com a autoridade tradicional e com a ordem de gênero que a caracteriza, eles também geram uma piora significativa do nível de vida de grande parte da população mundial. Tal piora, porém, não estaria desencadeando lutas contra o avanço da “esfera econômica”. 

Como a mercantilização vem acompanhada de um discurso político neoliberal que deslegitima reivindicações pela satisfação de necessidades, ela não desencadeia crises de legitimação. O cenário pós-socialista também se caracteriza, portanto, por um deslocamento na gramática de reivindicações políticas, que passam da redistribuição ao reconhecimento. A economia é cada vez menos tematizada. A cultura e as hierarquias de status passam ao centro. Nesse contexto, como afirma Fraser, a luta por reconhecimento se torna rapidamente a “forma paradigmática de conflito político”. Nesses conflitos, continua ela, “a identidade de grupo substitui o interesse de classe como principal substrato da mobilização política. A dominação cultural substitui a exploração como injustiça fundamental. O reconhecimento cultural desloca a redistribuição socioeconômica como remédio para a injustiça e como objetivo da luta política” (Fraser, 1997, p. 27). 

Embora se posicione de modo crítico diante desse cenário, Fraser procura evitar posições simplistas, que enxergam o deslocamento da economia à cultura como uma mera “recaída na falsa consciência” ou, ao contrário, como a correção da “cegueira cultural de um paradigma materialista” que teria sido corretamente superado. Nenhuma dessas posições é adequada. Para ela, é preciso repolitizar a economia, resgatando todo o potencial transformador das lutas por necessidades, sem deslegitimar as lutas por reconhecimento, que politizam questões de status. A justiça requer tanto reconhecimento como redistribuição. Motivo pelo qual Fraser busca combiná-las em um mesmo quadro teórico. Ao fazer isso, ela busca superar a ausência de uma visão progressista que se coloque como uma alternativa, digna de crédito, à ordem social vigente. 

Nesse contexto, a dimensão normativa ganha força no trabalho de Fraser, que começa a desenvolver uma teoria da justiça e a defender a importância da filosofia para a crítica social. Essa teoria é apresentada de modo mais sistemático em Redistribution or Recognition? (2003), livro onde Fraser defende que uma sociedade justa é uma sociedade na qual todos podem participar como pares da vida social. Ora, mas o que significa paridade de participação? Para Fraser, esta não se resume à representação proporcional de diferentes grupos em instâncias de decisão. Trata-se, antes, “da condição de ser um par, de estar no mesmo nível que os outros, de estar em pé de igualdade” (Fraser, 2003, p. 36). Algo que requereria tanto uma distribuição justa de recursos materiais, quanto a institucionalização de padrões igualitários de valoração cultural. Partindo de um dualismo perspectivo, Fraser defende que as sociedades capitalistas contemporâneas estão perpassadas por duas formas inter-relacionadas, mas distintas, de injustiça: a econômica e a cultural. A justiça requer, portanto, duas medidas: a democratização e a transformação da esfera econômica e a da esfera da cultura. Nem só redistribuição, nem só reconhecimento, a paridade de participação requer ambos.

Atenta ao avanço dos processos de globalização e à erosão do poder dos estados-nacionais, Fraser publica nos anos 2000 diversos artigos nos quais tematiza explicitamente a dimensão política da injustiça. De acordo com ela, esses processos deixaram claro que não é mais possível assumir os Estados nação como destinatários privilegiados das reivindicações por justiça: eles não possuem força suficiente para regularem os atores econômicos, nem têm como lidar com diversos problemas gerados pela expansão do capitalismo global, como a crise climática, cujos efeitos extrapolam em muito as fronteiras nacionais. Em Scales of Justice, livro no qual reúne seus escritos sobre esse tema, Fraser defende que além de pensar “o quê” da justiça, agora é preciso tematizar “quem conta” como concernido. Além de redistribuição material e reconhecimento cultural, a justiça requer representação política. A teoria da justiça de Fraser ganha, com isso, uma terceira dimensão: a política. Com ela, vem uma distinção de níveis: no primeiro, as reivindicações por representação política tematizam as regras decisórias que comprometem a voz política daqueles que já são admitidos como membros de uma determinada comunidade política (modelo eleitoral, financiamento de campanha etc); no segundo, as reivindicações por representação tematizam o enquadramento da justiça, se perguntando quem deve ter voz naquele processo decisório; no terceiro, elas tematizam como novos enquadramentos políticos são criados. Nesse último nível, Fraser problematiza que os processos de reconfiguração de enquadramentos políticos sejam prerrogativa de Estados hegemônicos e elites transnacionais (Bressiani & Silva, 2021). 

Ao longo da década de 2000, Fraser dedicou então seus esforços para elaborar e defender uma teoria da justiça que reiterava a necessidade da integração entre reconhecimento, redistribuição e representação num sentido que fosse efetivamente emancipatório e transformador. A história, ela admite, não caminhou nessa direção. O que vimos, ao contrário, foi um processo de neoliberalização econômica que caminhou muito bem ao lado do avanço de lutas progressistas por reconhecimento. Em “O feminismo, o capitalismo e a astúcia da história” (2009), Fraser afirma que isso só foi possível em função da ressignificação das lutas sociais progressistas e do esvaziamento de seu caráter transformador. Assim como as críticas de esquerda à burocracia estatal, as críticas feministas ao economicismo e ao caráter androcêntrico do Estado de bem-estar foram ressignificadas, contribuindo para legitimar um recuo da política. “Invertendo a fórmula anterior, que buscava ‘usar a política para domesticar mercados’, os proponentes desta nova forma de capitalismo propuseram usar mercados para domesticar a política” (2009, p. 22). O resultado é a hegemonia do neoliberalismo progressista. 

Ao explicitar esses desenvolvimentos, vale dizer, o objetivo de Fraser não é defender que as lutas por reconhecimento sejam inerentemente problemáticas ou estejam condenadas à uma ressignificação para propósitos capitalistas. Seu objetivo, antes, é compreender quais são os elementos que favorecem tal ressignificação, para evitá-la. Fraser reconhece, porém, que evitar esse processo requer uma mudança no discurso político, um rompimento com o neoliberalismo progressista. Algo que só entra efetivamente no horizonte político após a crise financeira de 2007-8. 

Crises da sociedade capitalista e lutas de fronteira

Até o início dos anos 2000, a discussão sobre o capitalismo era marginal na academia. A crise financeira altera esse cenário, trazendo o capitalismo de volta ao centro do debate. Para Fraser, porém, o diagnóstico de que o capitalismo está de volta não significa apenas sua retomada enquanto tema, mas também a substituição de um modelo externo de crítica por um modelo de crítica imanente. Isso explicita uma transformação em sua própria teoria. Se, desde os anos 1990, Fraser havia lançado mão de uma teoria da justiça para criticar as sociedades capitalistas contemporâneas e o esvaziamento do horizonte emancipatório dos movimentos sociais, sua estratégia agora muda. As pessoas não precisam mais ser alertadas de que estamos em perigo, as ameaças e misérias são evidentes (2022, p. 1). O importante, agora, é compreender quais são as causas dos males que nos ameaçam, explicitando sua raiz comum, e contribuir para a elaboração de um projeto contra-hegemônico de transformação social que esteja à altura do desafio que enfrentamos. Como afirma Fraser:

O que toda essa conversa sobre o capitalismo indica, sintomaticamente, é a intuição crescente de que os males heterogêneos — financeiro, econômico, ecológico, político, social — que nos cercam podem ter uma raiz comum; e de que as reformas que se recusarem a lidar com os profundos alicerces estruturantes destes males inevitavelmente falharão. Igualmente, o ressurgimento do termo [capitalismo] aponta para o anseio, em vários campos, por uma análise capaz de iluminar as relações entre as distintas lutas sociais de nosso tempo e de fomentar uma cooperação organizada, até mesmo completamente unificada, de suas correntes mais avançadas e progressistas em um bloco antissistêmico (Fraser 2014 [2015], p. 705). 

Em Capitalismo em Debate (2018) e Capitalismo Canibal (2022), Fraser procura dar conta dessas tarefas. Partindo de Marx, ela afirma que as sociedades capitalistas possuem ao menos quatro características definidoras. Elas se caracterizam, primeiro, pelo fato de que os meios de produção são privados, o que gera uma separação entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores; segundo, pela existência de um mercado de trabalho livre, que “permite” ao trabalhador estabelecer contratos de trabalho; terceiro, pela institucionalização de uma dinâmica econômica de acumulação de valor, que se estabelece como que por trás das costas dos atores sociais; quarto, pelo fato que cabe ao mercado decidir como alocar os insumos da produção e investir o excedente da produção. 

Para Fraser, essas quatro características nos ajudam a compreender como funciona a economia capitalista. Essa, porém, é apenas uma parte da definição do que é o capitalismo. Afinal, o capitalismo não é apenas um sistema econômico. Compreendendo-o como uma ordem social institucionalizada, Fraser afirma que a sociedade capitalista depende da existência de condições não-econômicas de fundo. A definição do que é o capitalismo requer, portanto, mais do que a explicitação das características definidoras de sua economia. Ela requer também a explicitação de quais são as suas condições não-econômicas de fundo, isto é, os terrenos ocultos da produção.

O primeiro deles é a expropriação. Em Capitalismo Canibal, Fraser defende que, até recentemente, o capitalismo sempre separou duas formas de trabalho: o explorado e o expropriado. O primeiro é realizado por trabalhadores “livres”, que recebem salários suficientes para cobrir os custos com a reprodução da força de trabalho. O segundo é realizado, em geral, por sujeitos racializados e, mesmo quando pago, não é suficiente para cobrir os custos necessários à reprodução (exigindo que parte dela seja realizada em comunidades e vizinhanças). Para Fraser, além de possuir uma linha de cor, a distinção entre trabalho explorado e expropriado possui uma dimensão econômica e uma dimensão política. Do ponto de vista econômico, a separação entre exploração e expropriação permite a continuidade da acumulação do capital, ampliando a taxa de lucro. Do ponto de vista político, ela estabelece hierarquias de status que distinguem brancos de negros, europeus de nativos, cidadãos de imigrantes, residentes de ilegais, etc. Em todos esses casos, temos hierarquias que subjetivam determinadas populações como inerentemente violáveis e, com isso, justificam normativamente a distinção entre quem é “apenas” explorado e quem é expropriado. Para Fraser, embora o capitalismo financeirizado tenha borrado as fronteiras econômicas entre exploração e expropriação (quase todos os trabalhadores hoje não recebem o suficiente para garantir sua reprodução), a hierarquia de status racial/imperial permanece forte. Afinal, “aqueles que estavam protegidos de (grande parte) da predação capitalista não estão particularmente ansiosos para compartilharem os ônus” (2022, p. 50). 

Outro terreno oculto do capitalismo é a natureza não-humana. Segundo Fraser, o capitalismo foi responsável por reforçar a distinção entre humanidade e natureza não-humana: se, inicialmente, o próprio ritmo da vida das pessoas era ditado pela natureza, o capitalismo industrial altera isso. Essa alteração, porém, não deve ser compreendida como a inscrição do tempo da humanidade sobre o da natureza, e sim como a inscrição do tempo do capitalismo sobre ambos. Algo que ganha força com o neoliberalismo. O capitalismo tende a tomar a natureza como uma torneira inesgotável de matéria prima e como uma pia capaz de absorver todos os rejeitos produzidos. Ao fazer isso, contudo, ele não se preocupa diretamente com sua reposição, canibalizando-a de um modo insustentável no longo prazo. O resultado é uma crise ecológica, que vem se tornando cada vez mais aguda. 

O terceiro terreno oculto do capitalismo é a reprodução social. Para Fraser, atividades como o aprovisionamento, o cuidado, e a interação — que produzem e mantêm os laços sociais — são indispensáveis em qualquer sociedade. No capitalismo, porém, essas atividades são separadas da esfera da produção, passando a ser consideradas como improdutivas. Como resultado, as encarregadas por elas, em geral mulheres, passam a ser desvalorizadas e a ocupar uma posição estrutural de subordinação. A separação entre produção e reprodução, além disso, é acompanhada do avanço da primeira sobre a última, num processo que ocorre primeiro e de modo mais brutal na periferia do capitalismo. As pessoas são retiradas de suas terras, crianças são retiradas das famílias, muitas comunidades e vínculos sociais são enfraquecidos. Embora indispensável à manutenção da sociedade, as condições necessárias à reprodução social vão sendo canibalizadas. O capitalismo financeirizado agrava esse cenário, pois atribui às famílias maiores responsabilidades pelo cuidado ao mesmo tempo em que retira delas as condições de exercê-lo. O resultado é uma crise ampla de reprodução social. 

O quarto terreno oculto do capitalismo é a política. Segundo Fraser, ao contrário das ordens sociais que o antecederam, o capitalismo institui uma divisão entre o político e o econômico. Isso, porém, não significa que a economia independe da política. Sem um quadro jurídico que dê sustentação à empresa privada e à troca mercantil, sem poderes públicos que garantam direitos de propriedade, façam valer contratos, reprimam rebeliões e mantenham a fé no dinheiro, a economia capitalista não tem como funcionar. Antes, essas funções eram realizadas pelos Estados territoriais. Com a globalização, o poder político no nível geopolítico também se torna central. O problema é que, mesmo dependendo diretamente do poder público nesses dois níveis, o impulso à acumulação faz com que o poder privado o enxergue como entrave, e pressione por liberalização. A economia avança sobre a política, canibalizando-a. O resultado, novamente, é uma crise. Uma crise que não é apenas sistêmica, mas da democracia. 

A centralidade da dimensão política na teoria de Fraser não se restringe à importância do poder público no controle da economia. A política também é central porque as múltiplas crises objetivas só se tornam crises num sentido pleno quando são experienciadas como tais pelos sujeitos sociais, e dão origem a uma crise de legitimação ou de hegemonia. É, afinal, apenas quando os atores sociais se dão conta de que os problemas que surgem nessa sociedade não têm como ser resolvidos com os recursos fornecidos por ela, que surge uma abertura para a ação transformadora. Segundo Fraser, é o que está acontecendo agora. Aos poucos vai ficando claro que não é possível lidar com a crise ecológica por meio da emissão de créditos de carbono. Vai ficando claro que a emancipação de todas as mulheres não tem como ser alcançada por meio de sua entrada na produção, já que (com exceção do 1%) a grande maioria delas permanece recebendo salários baixos e tendo de se encarregar de atividades de cuidado — sobre isso, conferir Feminismo para os 99% (2019). Vai ficando claro que o combate ao racismo é difícil num contexto em que os trabalhadores da maioria étnica têm seu nível de vida rebaixado e recorrem à distinção de status como compensação. Vai ficando claro que o desmantelamento da hierarquia racial/imperial de status não implica emancipação para todos os sujeitos racializados, já que (com exceção do 1%) a grande maioria deles permanece sendo considerada como violável e exposta a condições precárias de trabalho. Por fim, vai ficando claro que a crise da democracia tem raízes profundas na ordem capitalista e não tem como ser resolvida por meio de uma reforma das instituições ou de um apelo ao esclarecimento ou à cidadania das pessoas. 

Em outras palavras, vai ficando claro que as diferentes crises possuem uma raiz comum, o capitalismo, assim como que sua solução só pode advir de lutas de fronteira que façam frente a ele. Segundo Fraser, esse processo está em curso e se encontra intimamente relacionado com a ampla rejeição à política tradicional. Até aqui, porém, tais fenômenos têm beneficiado políticos autoritários de direita, que cortejam eleitores da classe trabalhadora de maioria étnica, prometendo a retomada daquilo que “era” deles. A despeito de todo o ruído e diversionismo que geram, entretanto, os autoritários de direita não detém o poder, e não têm como resolver os problemas de seus eleitores. A esquerda, de outro lado, tem sido menos bem-sucedida eleitoralmente e, mesmo quando é, tem se mostrado incapaz de priorizar a necessidade dos 99%. Nos dois casos, as finanças permanecem no controle. Apesar disso, cada vez mais movimentos sociais têm se organizado para militar por eles. O cenário, contudo, não é simples. Segundo Fraser, enquanto a esquerda não for capaz de oferecer um projeto contra-hegemônico que esteja à altura dos desafios atuais, o risco é permanecermos alternando entre governos neoliberais pretensamente progressistas e governos de direita ultrarreacionários e pretensamente populistas. Como afirma ela em O velho está morrendo mas o novo ainda não tem como nascer (2019), enquanto não lidarmos com a causa do problema, vamos continuar experienciando os sintomas mórbidos desse período de interregno.

Fraser reconhece, entretanto, que ainda não está claro o que pode substituir o capitalismo. Por esse motivo, em Capitalismo Canibal, ela apenas indica o que o socialismo democrático pode significar no século XXI. Como o capitalismo é mais do que um sistema produtivo, o socialismo terá de fazer mais do que transformar os meios de produção. Será necessário que ele lide com as diversas injustiças existentes, nas quais ela inclui: a exploração de classe, gerada pela produção capitalista; a opressão racial, a desapropriação indígena e o genocídio, gerados pela divisão e junção de exploração e expropriação; a subordinação das mulheres, o binarismo de gênero e o heterossexismo, gerados pela divisão entre produção e reprodução social; o extrativismo no sul global, a exposição à toxidade e à ameaça à existência das gerações atuais e futuras, gerada pela divisão entre humanidade e natureza não-humana. Além disso, o socialismo terá de lidar com as irracionalidades do capitalismo, que gera crises políticas, ecológicas e reprodutivas, ao canibalizar os recursos não-mercantis dos quais depende. Por fim, insiste ela, o socialismo terá de enfrentar o déficit democrático do capitalismo, redesenhando democraticamente as fronteiras entre os diferentes domínios sociais, e redefinindo democraticamente os próprios domínios, para que eles se tornem compatíveis e porosos. Trata-se de uma compreensão de socialismo parcial e preliminar, mas — ainda sim — uma tentativa de contribuir para recolocar o socialismo no vocabulário e na agenda das lutas políticas contemporâneas. 

Atualmente, Fraser está desenvolvendo um projeto sobre as três faces do trabalho, cujo objetivo é explicitar os vínculos ocultos entre gênero, raça e classe e, com eles, a possibilidade de união de três movimentos trabalhistas. Apresentado nas Benjamin Lectures, em 2022, seu trabalho sobre esse tema deve ser publicado em breve na forma de um livro, cujo título provisório é As três faces do trabalho: desvelando os vínculos ocultos entre gênero, raça e classe.

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