Tem Ciência nisso… nº2

Ah, os Jogos Olímpicos, todos os povos do mundo reunidos em clima de confraternização e harmonia. Afinal, o que importa é participar, não?

Existe muuuita Ciência por trás dos esportes modernos. Dos equipamentos, criados com o que há de melhor em termos de tecnologia. Da preparação dos atletas, em que todos os movimentos são friamente calculados.

Todo um conjunto focado no momento máximo do esporte. Ah, o resultado.

Diferente da coleta do resultado de esportes coletivos como o futebol, o vôlei ou o basquete, ou os individuais, mas definidos por pontuação, nos esportes de velocidade, onde uma fração de segundo define se o atleta leva ou não uma medalha, equipamentos precisos são necessários.

Velhos Tempos

Em Estocolmo 1912, os primeiros cronômetros elétricos. Uma câmera na chegada introduzia o conceito do photo finish. De lá pra cá, as primeiras foto células, a integração entre cronômetro e photo finish, botões de contato nas piscinas, blocos de largada para medir a reação no atletismo, e claro, equipamentos cada vez mais sofisticados e medidas cada vez mais precisas.

Novos Tempos

A Omega, responsável pela cronometragem oficial das competições dos Jogos Olímpicos de Londres 2012, levará para as pistas e piscinas das provas de velocidade o Quantum, que pode medir tempos em até um milionésimo de segundo, ou seja, 0.000001 (!) A equipe é composta por 450 técnicos, 800 voluntários e 400 toneladas de equipamentos.

Agora, imaginem que um extraterrestre foi enviado para a Terra com a missão de coletar informações sobre os humanos. Uma delas, saber quanto um humano consegue correr. Por um total acaso, ele acaba indo parar em uma final de uma prova Olímpica de 100 metros do atletismo. Por outro total acaso, ele sabe como uma prova dessas se desenvolve.

A pistola de largada, o bloco e os sensores de chegada estão todos integrados ao sistema de medição de tempo. Quando o oficial dispara o tiro, para que todos os atletas escutem ao mesmo tempo, existem auto falantes atrás dos blocos. O cronometro começa a rodar, o bloco mede o tempo de reação do atleta, se menor que um décimo de segundo, o sistema considera como uma largada falsa, e automaticamente um novo tiro é ouvido. Se a largada for boa, antes que você consiga terminar de pronunciar parangaricutirimicuaro teremos a definição do humano mais rápido do mundo.

Na chegada, as fotocélulas estão preparadas para travar o cronometro quando o primeiro atleta cruzar a linha com seu tronco. Os espectadores veem o tempo no telão do Estádio e em seus televisores ao redor do mundo. Na sala de controle, os diretores de cronometragem corrigem o tempo de todos os competidores através do photo finish. Em instantes, o resultado oficial é anunciado.

Podemos dizer que medir tempo e distância é algo trivial na Física, mas que não deixa de nos surpreender. Os neutrinos não bateram recorde, foi um problema de medida, já a determinação da distância de supernovas garantiu o ultimo Prêmio Nobel de Física.

Nosso amigo extraterrestre viu que aqueles humanos percorreram os 100 metros em pouco menos de 10 segundos. Mas como ele sabe se isso é muito, ou se é pouco, ou se é comum que os humanos façam o percurso naquele tempo?

Diferente da Ciência, onde as medidas são feitas e refeitas bilhões e bilhões de vezes, nas Olimpíadas só há uma tentativa. Isso implica, além da necessidade de um eficiente sistema com redundâncias, que o resultado final não define necessariamente qual é o competidor mais rápido, mas sim, qual foi o mais rápido naquela prova. Se fosse possível repetir a “experiência” 10 vezes, em quantas o medalhista de ouro seria o mesmo? E em 100? E em 1000? E se ao invés dos atletas, a prova fosse comigo, ou com você?

Tão importante quanto a quantidade de medidas é a qualidade dessas medidas. Variações acontecem, por conta dos instrumentos, e mesmo por conta da natureza do fenômeno que está sendo medido. Ferramentas matemáticas nos ajudam a saber o quanto uma medida é confiável. É a chamada incerteza. Quanto menor for a dispersão entre as várias medidas, menor a incerteza e mais confiável é o resultado da medida.

Vamos ajudar o visitante interplanetário e brincar um pouco com os dados das provas de 100 metros de quatro competidores. O primeiro deles, obviamente, o jamaicano Usain Bolt, ultimo Campeão Olímpico e recordista mundial (9,58s no Mundial de Atletismo em Berlim, 2009). Os outros três, que já venceram Bolt, são Asafa Powell e Yohan Blake (há quem coloque Blake como favorito ao Ouro em Londres ), também da Jamaica, e o americano Tyson Gay.

Em primeiro plano Bolt (direita) Gay e Powell

Para que não seja necessário abduzir os atletas e coloca-los para correr, vamos simular o experimento e considerar suas cinco melhores provas na história. O resultado (em segundos), seguindo o formato de média ± desvio padrão (incerteza) é o seguinte:

Blake: 9,82 ± 0,04 
Bolt: 9,70 ± 0,07
Gay: 9,74 ± 0,04 
Powell: 9,75 ± 0,02

Esses dados significam que os tempos dos competidores, na maioria das vezes, estarão dentro desse intervalo. Quanto mais fora do intervalo, menos comum do resultado acontecer.

Powell é o que tem o menor desvio, isso nos quer dizer que os resultados dele são os mais próximos entre os atletas. De fato, em três de suas cinco melhores provas ele marcou o mesmo tempo. Bolt é, em média, o atleta mais rápido, seus tempos dispersos são justificados pelo recorde mundial de 2009 e olímpico de 2008. O recorde Olímpico, 9.69s, é também o melhor tempo de Tyson Gay. Interessante notar que é um tempo que está abaixo do desvio padrão dele, ou seja, é menos comum que Tyson Gay faça tempos abaixo de 9.70s.  O recorde mundial de Usain Bolt é quase dois desvios menor que seu tempo médio, então não devemos esperar que ele faça esse tempo com frequencia. Para entender essas diferenças, basta pensar que os atletas tendem a atingir um melhor nível desempenho em torneios considerados mais importantes.

Considerando todos os tempos, temos que um atleta de alto nível completa a prova de 100m, na maior parte das vezes, em 9,75 ± 0,06 segundos.

Eu não sei quais conclusões nosso amigo E.T. vai tirar disso tudo, mas eu, usarei nossos dados para alguns palpites sobre a competição das Olimpíadas desse ano. Blake tem o melhor tempo do ano, é considerado um dos favoritos e deve vir forte para as Olimpíadas. Bolt, como vimos anteriormente, é um atleta rápido, se estiver em condições adequadas, será uma disputa interessante. Sobre os tempos, aposto na quebra do recorde olímpico, mas tenho dúvidas sobre a quebra do recorde mundial.

Recordes foram feitos para serem quebrados, mas existem algumas regras para que sejam válidos. A velocidade do vento, por exemplo, deve ser menor que 2 m/s. Utilizar mais da precisão tecnologicamente disponível seria uma alternativa para que mais quebras de recorde aconteçam. Até que um dia, talvez, o ser humano chegue ao seu limite.

As provas do atletismo começam no dia 3 de Agosto. Os 100m tem as classificatórias no dia 4, e a semi final e final no dia 5 de Agosto. Façam suas apostas.

Atualização

E o resultado ficou dentro da nossa previsão. Bolt e Blake foram os primeiros, com Bolt levando o Ouro com um tempo de 9,63s. Abaixo do recorde olímpico anterior, mas ainda acima do recorde mundial.

Enquanto aconteciam as semi finais, postei o seguinte no twitter:

 

Um centésimo de diferença. Aqueles que considerarem suficiente, liguem djá!

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