Ratos em garrafas

Convido vocês para um exercício de imaginação, supondo uma situação totalmente hipotética e sem qualquer paralelo com qualquer situação real que possa ter acontecido nos últimos dias.

Você está assistindo ao noticiário, ou está procrastinando nas redes sociais, e se depara com a informação de que um sujeito encontrou um pedaço de rato morto em uma garrafa da famosa e fictícia bebida Alô Diabo.

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Talvez a sua primeira reação seja ficar horrorizado, prometer a si mesmo que nunca mais beberá do refrigerante e alertar seus amigos para que façam o mesmo. É compreensível. Ou talvez sua reação seja parecida com a minha, e considere essa história um tanto estranha, pouco provável de acontecer.

Se uma história parece ser tão absurda pra ser verdade, talvez ela não é verdade. E existem várias histórias populares que são absurdas demais para serem verdades, que geralmente não são, mas que são contadas por aí. Chamamos de Lendas Urbanas.

O Dr. Jan Harold Brunvand é um folclorista que pesquisa sobre Lendas Urbanas. Nos seus livros, Too Good to Be True: The Colossal Book of Urban Legends e Encyclopedia of Urban Legends, Dr. Brunvand comenta sobre essa interessante história das alegações de ratos em garrafas de “Coca”.

Entre 1914 e 1976 foram registradas 45 ações jurídicas com casos do tipo. Embora as ações existam, o que caracteriza a lenda é que o que conteúdo da história passada adiante, boca a boca, não é o mesmo conteúdo das ações.

Enquanto o processo jurídico pode estar tratando de diferentes marcas, de diferentes situações, e até mesmo diferentes sentenças, a história passada adiante é a de que um rato foi encontrado na Coca-Cola. Porque contaminação de alimentos sempre chama a atenção, e porque a Coca é a principal marca de refrigerantes.

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Voltando para nossa história imaginária, seria como se o sujeito entrasse com uma ação judicial contra a Alô Diabo, mas não comparecesse para a perícia médica, nem entregasse a garrafa para a perícia técnica, e como essa é uma situação imaginária, poderia ser apenas alguém tentando aplicar um golpe na empresa. Ainda assim, a história passada adiante continuaria sendo a de que “um sujeito encontrou um rato na garrafa da Alô Diabo”.

Penso que um rato nos tanques de envase provavelmente entupiria os canos e os bicos enchedores. Mas como nosso exemplo é imaginário, digamos que por algum motivo qualquer um rato acabou passando pelos processos de limpeza das garrafas, pelos processos de controle de qualidade, e que foi envasado junto do líquido. Foi transportado da envasadora até uma unidade distribuidora, e então, para um mercado, bar, ou outro estabelecimento onde é possível obter um delicioso refrigerante da marca Alô Diabo, sem que os outros produtos do mesmo lote também tenham sido contaminados.

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Alguém poderia se lembrar daquela outra Lenda Urbana que diz que alguns refrigerantes podem dissolver pregos e querer justificar que um suposto rato estaria dissolvido em poucos dias. Mas refrigerantes não dissolvem pregos. O que não quer dizer que necessariamente não dissolvam ratos.

O veterinário Lawrence McGill foi testemunha no caso Mountain Dew. Disse em seu depoimento que um rato na bebida estaria dissolvido em 30 dias, restando apenas o rabo. Na nossa simulação, o rato estaria dentro da garrafa há mais de 10 anos. Talvez nem precisasse de tudo isso pra já estar se decompondo.

Se essa fosse uma situação real, você poderia estar pensando: “mas eu vi um rato dentro da garrafa lacrada…”. Essa seria uma boa evidência, não fosse o fato de ser fácil tirar a tampa de uma garrafa sem romper o lacre.

"Com grandes poderes vem grandes responsabilidades"

“Com grandes poderes vem grandes responsabilidades”

Agradeça nossa amiga dilatação térmica, capaz de fazer um material encolher quando esfriado e expandir quando aquecido. Uma tampa tem quase 1 mm de aumento no diâmetro quando colocada a uma variação de cerca de 75°C (seria como tirar ela de um ambiente a 25°C e colocar na água fervendo). Pode parecer pouco, mas já é suficiente para que, com um pouco de cuidado, seja possível tirar a tampa com lacre e tudo. Não tentem fazer isso em casa…

Falhas em processos industriais podem acontecer, e existem outros casos de contaminação de alimentos por aí. Talvez no mundo real uma série de eventos infelizes acabe fazendo com que alguém encontre um rato numa garrafa. Não acho que tenha sido o caso da nossa história de ficção, em que qualquer semelhança com eventos reais, foi mera coincidência.

Discussão - 8 comentários

  1. Hugo disse:

    Hum... O regrigerante "alô diabo" dissolveria uma cabeça de rato mesmo se guardado em um ambiente esterilizado e sem entrada de luz (conforme foi instruído por advogados que pesquisaram outros casos semelhantes)?

    Só uma pequena correçãozinha de nada, mas na nossa história imaginária o sujeito entregou três garrafas para perícia, duas para a fabricante e guardou uma... E possui perícia médica (não para o problema muscular que chama a atenção das pessoas que o veêm, mas para um envenenamento) e técnica.

    • Alan Mussoi disse:

      Oi, Hugo. Obrigado pela visita e pelo comentário.

      Sobre o primeiro ponto, talvez. Vale lembrar que, supondo que um rato foi parar numa suposta garrafa no processo de envase, depois que indústria envasadora, durante o transporte e armazenamento ela não está em uma situação de, digamos, esterilização.

      Sobre o segundo ponto, a suposição do texto é originada no suposto comunicado oficial da suposta bebida Alô Diabo. Entendo que ela tende a ser conflitante com a alegação do suposto sujeito, mas prefiro deixar que essas suposições sejam supostamente decididas no suposto tribunal.

  2. rodrigues disse:

    "Se uma história parece ser tão absurda pra ser verdade, talvez ela não é verdade. "

    Não seria?:

    "Se uma história parece ser tão absurda pra ser verdade, talvez ela não SEJA verdade."

  3. Guilherme disse:

    Houve um caso muito semelhante (hehehe...) por esses dias. Acho interessante que só uma emissora (sensacionalista, por sinal) divulgou. Lendo o processo, constata-se que o reclamante faltou a inúmeras perícias médicas. Ainda, é simples substituir a tampa sem romper o lacre, como apontado no seu excelente texto. Isso sem falar em mais uma série de fatores que apontam contra a versão do charlatão... digo, pobre homem.

    Só posso tirar uma conclusão de tudo isso: acreditar que a história é verdade não é ingenuidade, é falta de massa encefálica mesmo. Para ficar mais claro, quem crê nessa besteira é BURRO!

  4. Guilherme disse:

    Outra coisa.

    A reportagem falou na possibilidade de o refrigerante causar câncer. Ora! Hoje em dia tanta coisa causa câncer, que se a gente for se preocupar com isso, morre de fome.

    Câncer é a doença da moda!

    Sejam felizes e tomem a Alô Diabo sem medo. A qualidade é atestada a mais de um século, de tal forma que ela é hoje a mais consumida no planeta.

    Eu aprovo =D

  5. Renato Pincelli disse:

    Falando em certo refrigerante gaseificado de cola, não é de hoje que ele tem pendências com a justiça. Vide http://scienceblogs.com.br/hypercubic/2011/03/o-caso-coca-cola-parte-1/ e http://scienceblogs.com.br/hypercubic/2011/03/o-caso-coca-cola-parte-2/.

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