O que faz a arte ser bela? Apreciação estética e tecnologia nas pinturas de Vermeer

Hantula, D.A., Sudduth, M.M., & Clabaugh, A. (2009). Technological effects on aesthetics evaluation: Vermeer and the camera obscura The Psychological Record, 59, 323-334
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Este post inaugura a sessão de Resenhas de Artigo. O que vai explicado aqui é o seguinte: “Technological effects on aesthetics evaluation: Vermeer and the camera obscura“.

Os críticos e estudiosos de Arte entendem a apreciação estética como a “experiência do belo“, e os fenômenos que influenciam essa experiência ainda não foram claramente estudados pelas Ciências Sociais e nem pela Psicologia. Uma dessas possíveis variáveis que poderiam exercer influência sobre a apreciação da arte e do belo é a forma ou a tecnologia usada para a produção da arte. Com a disponibilidade e o aumento do uso de novas tecnologias para produzir criações artísticas, os apreciadores de arte têm se deparado constantemente com a pergunta: pode uma pessoa leiga detectar o uso de certas tecnologias que o artista usou para ajudá-lo? Ou ainda, em que grau o uso de tecnologias pode afetar o julgamento estético das pessoas sobre uma obra de arte?

Essas questões foram levantadas pelos pesquisadores Donald Hantula, Mary Margaret Sudduth e Alisson Clabaugh em um artigo publicado recentemente pelo Psychological Record:

With the ready availability of technology that can be used in aesthetic creation, such as a digital camera to take photographs, a computer program to create graphic art, or a synthesizer to compose music, the role of technology as a contextual factor in the evaluation of art deserves further scrutiny.

Tradução: “Com a pronta disponibilidade de tecnologias que podem ser usadas na criação estética, tais como câmeras digitais para tirar fotografias, programas de computador para criar artes gráficas ou sintetizadores para compor músicas, o papel da tecnologia como fator contextual para a avaliação da arte merece ser melhor estudado.”

Para estudar o efeito do uso de tecnologias na produção artística, Hantula, Sudduth e Clabaugh (2009) delinearam um experimento para verificar como pessoas leigas conceituariam obras feitas com o uso de recursos tecnológicos e se isso mudaria seu julgamento sobre elas. Para isso, os pesquisadores usaram obras do pintor holandês Vermeer, conhecido dos críticos e conhecedores de arte pela suspeita de ter usado, por um período de sua obra, um aparato chamado camera obscura. Esse objeto, precursor da moderna câmera fotográfica, tornaria o pintor capaz de produzir desenhos que seriam quase reproduções fotográficas de uma cena, embora ainda precisem ser desenhados e pintados sobre uma tela.

 

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Na camera obscura, um sistema de lentes parecido com aqueles usados em câmeras fotográficas não digitais é usado para que o artista visualize uma “imagem fotográfica” da cena que deseja pintar.

 

No primeiro experimento, os participantes (29 estudantes universitários interessados em Arte) foram apresentados a 20 reproduções das obras de Vermeer, sendo metade delas do período anterior ao suposto uso da camera obscura e a outra metade do período posterior, com provável uso do aparato.

 

n-girl-asleep-at-a-table.jpg“Girl Asleep at a Table”, pintura feita em 1657 sem o uso da camera obscura.

 

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“The Concert”, pintada em 1665-1666 com o uso do aparato tecnológico.

 

As pinturas foram apresentadas em ordem randômica, uma por vez, e os participantes faziam apreciações de cada obra respondendo um questionário com escalas de cinco pontos, onde 1 = baixo e 5 = alto. Foram avaliadas pelos participantes cinco dimensões estéticas da obra: agradabilidade (pleasingness), gosto (liking), preferência (preferability), beleza (beauty) e interesse (interestingness).

Os resultados apontaram que as pituras feitas com o uso da camera obscura foram significantemente melhor avaliadas do que aquelas feitas sem o uso do aparato, reforçando a hipótese de que o uso da tecnologia aperfeiçoou a técnica do pintor, tornando as obras “mais belas” e melhorando o julgamento estético que as pessoas fazem sobre as pinturas de Vermeer.

 

imagem12.jpgA tabela mostra, para cada uma das 20 obras, se foi ou não usada a camera obscura, a média das avaliações de todas as dimensões estéticas feitas pelos participantes e a medida do desvio padrão das avaliações estéticas. Imagem retirada do artigo de Hantula e cols. (2009).

 

No segundo experimento, outros 90 participantes foram divididos em dois grupos: um grupo assistiu uma aula em que recebeu informações sobre a camera obscura e seu uso pelo pintor Vermeer, e o outro grupo assistiu apenas uma aula geral sobre a criação artística da escola realista holandesa. Depois da aula, foi pedido aos participantes que avaliassem quatro obras de Vermeer usando as mesmas dimensões estéticas e a mesma escala anterior de cinco pontos, acrescidas de uma nova dimensão – “gostaria de ver esta pintura novamente?” – a ser respondida com a escala de cinco pontos.

Os resultados mostraram que, embora as avaliações dos participantes na condição “sem informações sobre a camera obscura” fossem numericamente maiores do que as avaliações dos participantes na condição “com informações sobre a camera obscura”, essa diferença não era estatisticamente significante. Em conjunto, os resultados do estudo de Hantula, Sudduth e Clabaugh (2009) sugerem que o uso de tecnologias pode melhorar a apreciação estética de obras de arte, e que o conhecimento sobre essas tecnologias e sobre seu uso pelos artistas parece não afetar o julgamento que as pessoas fazem das obras de arte.

 

imagem2.jpgComparações das médias e desvios padrão dos julgamentos feitos para cada obra pelos dois grupos estudados.

 

Algumas críticas podem ser feitas ao estudo, como, por exemplo, o uso de participantes que tinham interesse e – provavelmente – interesse por Arte. Outra deficiência da pesquisa, que pode ter levado à falta de significância estatística nos resultados do segundo estudo, é a pequena amostra estudada. Os própiros pesquisadores apontaram esses defeitos na discusão do artigo:

Additional research in art and technology also should expand the participant pool to include art experts.
Using such a sample may eliminate some of the variation of art appreciation found in a student sample and also may provide more strongly pronounced contextual effects.

Tradução: “Outras pesquisas sobre arte e tecnologia também deveriam expandir a amostra estudada para incluir experts em arte. O uso de tal amostra pode eliminar as variações da apreciação artística encontrada na amostra de estudantes e também pode mostrar efeitos contextuais mais fortes.”

Referência completa do artigo:

Hantula, D.A., Sudduth, M.M., & Clabaugh, A. (2009). Technological effects on aesthetics evaluation: Vermeer and the camera obscura. The Psychological Record, 59. 323-334.

Discussão - 4 comentários

  1. Igor Santos disse:

    Então o estudo sugere que, quanto mais perto da realidade, mais belo?

  2. Ana Arantes disse:

    Errr... De certa forma, sim. Mas acho que isso não pode ser extrapolado para outras avaliações estéticas... E, eu diria diferente, diria que o estudo sugere que "quanto mais harmonioso, mais belo".

  3. baltazar torres disse:

    Gostei daquilo que escreveu. Não entendo o por quê da primeira pintura não ser também obtida por camara obscura. Agradeço desde já a sua ajuda e clarificação.

    cumprimentos,

    baltazar torres

    • Aninha Arantes disse:

      Olá, Baltazar!

      Há indícios arqueológicos (a pintura não é do período em que o pintor usava o equipamento) e indícios da própria pintura, como a luz e a perspectiva usados são diferentes daquelas usadas com a camera obscura.

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