Pensamento analítico e empatia podem ser mutuamente excludentes

Olhe para essa imagem:

 

Você pode ver o pato? Olhe de novo, você pode ver o coelho? Agora tente ver o pato E o coelho ao mesmo tempo.

É, você não pode.

Isso acontece porque seu cérebro não consegue codificar as duas imagens ao mesmo tempo, há uma inibição neural entre as duas representações. Esse processo é conhecido como “rivalidade perceptual”. A mesma lógica pode ser usada para entender as descobertas deste artigo publicado na edição de outubro da revista NeuroImage.

Os pesquisadores colocaram 42 sujeitos saudáveis, todos estudantes universitários, numa máquina de ressonância magnética funcional (fRMI) e pediram para que eles executassem diferentes tipos de tarefas de reconhecimento de expressões faciais e de resolução de problemas de matemática e física. O equipamento registrou a atividade das redes neurais do cérebro durante os diferentes tipos de tarefas e esses registros foram comparados.

Além de mostrar que a maior parte do córtex é dedicada à funções sociais, os resultados demonstraram o fenômeno de rivalidade neural em uma escala muito maior do que o da figura pato-coelho. Houve inibição de toda a rede neural do cérebro entre aquela usada para envolvimento social, emocional e moral com outras pessoas e a que usamos para raciocínio científico, lógico e matemático. Ou seja, ou bem a gente resolve um problema lógico, ou bem a gente se preocupa com o coleguinha. O cérebro, aparentemente, não consegue fazer as duas coisas ao mesmo tempo.

Os autores apontam que os resultados podem explicar, por exemplo, o funcionamento neural de indivíduos com condições que impedem as funções sociais (como o autismo) ou aquelas que impedem as funções lógicas (como a síndrome de Williams). No autismo, a pessoa afetada não consegue se engajar em relacionamentos sociais, não demonstra empatia e tem a comunicação muito prejudicada, embora as funções lógicas possam estar presentes em grau muito mais elevado do que em indivíduos com desenvolvimento típico. Já na síndrome de Williams, as pessoas afetadas são super-sociais e têm uma empatia acima da normal, mas as funções cognitivas são muito comprometidas. Os cientistas sugerem que o tratamento para essas condições poderia focar em balancear o uso dessas duas redes neurais, de forma a equilibrar o funcionamento cerebral.

Fazendo um pouco de esforço interpretativo, podemos começar a entender porque alguns executivos bem sucedidos tendem a tomar decisões ignorando as consequências sociais e mantendo o sucesso nos negócios.

Discussão - 19 comentários

  1. Leandro disse:

    Prezada,
    Para quantas pessoas investigadas houve incapacidade de enxergar os dois ao mesmo tempo?
    A pergunta se deve ao fato de eu conseguir facilmente ver as duas coisas ao mesmo tempo pois, enxergo uma com cada olho ao mesmo tempo.
    Algumas pessoas que consegue manipular um certo "estrabismo voluntário" consegue perceber isso.
    Isso pode parecer bom mas, confesso que nunca consegui enxergar um objeto adequadamente por meio de um binóculo. No caso do binóculo, eu vejo imagem dupla, onde a maioria das pessoas não percebe que são duas lentes e vê apenas uma única imagem.
    Para o teste comum que se faz para verificar se uma pessoa vê objetos distantes através do olho direito ou esquerdo (teste comum para saber se é ou não canhoto) eu travo na hora e tenho sempre que perguntar com qual olho quer que eu veja.
    Abraços

    P.S.: Tenho 36 anos, sou químico analítico, acostumado a lidar com as minúcias do dia a dia.

  2. Claudia Chow disse:

    Seriam os executivos autistas?

  3. Creio que seu comentário final foi infeliz.

    Executivos em geral não são apenas chefes, são lideres. E para liderar é necessário empatia.

    Talvez um exemplo melhor fossem os físicos que ajudaram a criar Bombas de Hidrogênio para seus países e depois tornaram-se pacifistas. Num primeiro momento só enxergavam os problemas técnicos da questão, depois só viam as questões humanas envolvidas.

    Fora isso, o estudo é confirmado empiricamente: Existem pouquíssimos nerds nas ciências humanas, eles normalmente só se interessam por exatas e engenharias.

    Abraços!

    • Aninha Arantes disse:

      Sim, Rodrigo. Para liderar, UMA das coisas que é preciso é empatia. E para tomar decisões estratégicas são necessárias outras habilidades, como o raciocínio lógico. O comentário final é estritamente referente ao tema do artigo.

      Abraço!

  4. Karl disse:

    "Ou seja, ou bem a gente resolve um problema lógico, ou bem a gente se preocupa com o coleguinha. O cérebro, aparentemente, não consegue fazer as duas coisas ao mesmo tempo."

    Hehe. E tipo... clinicar?

    • Aninha Arantes disse:

      You got it, babe!!!!!!!!!

      É por isso que terapia é diferente de conversa de boteco.

      Beijos analíticos.

      • Débora disse:

        Eu trocaria o termo 'empatia' por 'envolvimento emocional' para fazer referência ao atendimento clínico. A empatia é fundamental na relação terapêutica e isso não exclui uma análise eficaz. No entanto, se o terapeuta se envolve emocionalmente com o problema do cliente, isso sim dificulta a análise, da mesma forma quando o problema é do coleguinha do boteco, da sua mãe ou até mesmo seu.

        • Aninha Arantes disse:

          O fenômeno estudado na pesquisa foi empatia mesmo.

          É de se pensar até que ponto a empatia envolvida na relação terapêutica é mesmo tão fundamental para o processo terapêutico do cliente, já que ela pode levar a falhas no processo analítico. Ou até que ponto os terapeutas são eficientemente treinados para lidar com a empatia sem perder o raciocínio analítico.

          • Débora disse:

            De fato, a empatia pode levar a falhas, assim como qualquer outra estratégia também pode, mas de acordo com a literatura e com dados empíricos, deve fazer parte do conjunto de habilidades fundamentais do terapeuta. Pode não ser a principal ( e qual seria se todas são importantes?) mas, é bastante relevante em diversos contextos. A questão é exatamente essa que vc comentou - até que ponto os terapeutas são eficientemente treinados para lidar com a empatia sem perder o raciocínio analítico. (?) Até que ponto ?? Qual seria o meio termo em lidar com a empatia para que ela não ultrapasse algum limite que possa atrapalhar ?? Acredito que o problema não é o meio termo. O problema é saber qual é o meio termo ou então teríamos que invalidar todo o envolvimento social, emocional e moral em prol do raciocínio lógico, o que não sei se seria tão interessante assim em contexto terapêutico, já que tanto a relação terapêutica (incluindo a empatia como um dos critérios para consolidação da relação) como a análise são relevantes.

  5. Karl disse:

    You didn't get it...

    Por essa fórmula, terapia e clínica são impossíveis... Só o que há, é conversa de buteco, hehe

  6. [...] Com informações do Divã de Einstein Você poderá gostar também de:Cai o mito de que só usamos 10% da capacidade do nosso [...]

  7. Juliana disse:

    Então, apesar da dificuldade inicial de perceber o coelho, uma vez que o vi, não consigo mais dissociar o pato do coelho. Como assim só conseguimos ver um OU outro?

    Não sou cientista, longe disso, portanto me perdoe a ignorância. Mas realmente fiquei curiosa.

  8. Olá Aninha, primeira vez que escrevo aqui, será que somos parentes?

    Enfim. Eu consigo enxergar os dois ao mesmo tempo, nitidamente ou com uma velocidade altíssima de mudança de foco. Será que isso tem a ver com meu treinamento constante? Sou intérprete simultâneo em outra língua.

  9. Anderson C disse:

    Oi, Alberto, eu faço a mesma coisa.

    Enxergar os dois bichos "quase" ao mesmo tempo ou numa velocidade alta de mudança de foco NÃO é o mesmo que "enxergar ao mesmo tempo", simultaneamente.

    Sempre há um 'delay'...

  10. Gina Girão disse:

    Depois que vi coelho e pato, não consegui mais dissociar as imagens. A tese continua valendo? Não sou cientista mas estou mesmo me coçando para saber.

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