3096 dias: por trás de um sequestro
“A impresionante história da garota que ficou em cativeiro durante oito anos, em um dos sequestros mais longos de que se tem história”. Esta é a frase que está na capa do livro, mas o livro nos mostra uma realidade muito diferente da que imaginamos e que vemos nos jornais. É a história de um pobre coitado que não conseguia se ajustar à sociedade e uma pobre coitada que acabou sendo sua vítima.
Quando Natascha Kampusch foi sequestrada, ela era uma gordinha tímida de 10 anos que estava a caminho da escola. Mas ela não vivia num conto de fadas: ela não tinha muitos amigos, não se sentia à vontade no condomínio em que morava, seus pais estavam separados com muitas brigas e ela já não se dava muito bem com seu pai. Não quero dizer que o sequestro foi uma coisa boa pra ela – não foi. Mas ainda que ela chorasse muito e sentisse falta da mãe, esses conflitos podem ter sido o que a manteve sã nos primeiros dias de cativeiro.
“…ninguém no mundo exterior acreditaria que uma vítima de sequestro pudesse se sentar com seu sequestrador para jogar ludo. Mas o mundo exterior não era mais meu mundo. (…) E havia apenas uma pessoa que podia me tirar da solidão opressiva – a mesma que criara aquela solidão pra mim.”
Nos primeiros anos o sequestrador, Wolfgang Priklopil, a dava tudo que ela pedia, apesar de a manter no quartinho fechado. Ele tentava convencê-la de que ninguém do mundo exterior ligava mais pra ela. E provavelmente ele realmente acreditava nisso, o coitado achou que, com o tempo, ela poderia se apaixonar por ele e eles viveriam uma vida feliz juntos.
Imagine você se sentindo carente, solitário, precisando de uma namorada. Você pode resolver sair de casa, se apaixonar por alguém que já conheça ou pedir a um amigo te apresentar alguém. Priklopil resolveu sequestrar alguém. Ele era uma pessoa metódica, explosiva e socialmente desajeitada, não sabia como fazer uma mulher gostar dele. A única mulher que ele confiava era sua mãe, então ele resolveu criar uma menina para que fosse como sua mãe, e eventualmente, sua mulher.
Mas Priklopil era um psicopata frio e explosivo, já não sabia como atrair mulheres muito menos como criar uma! Fez do único modo que conhecia: montando rituais, dando ordens e sendo extremamente controlador e agressivo. Eu não ficaria surpreso se me dissessem que ele também apanhou muito quando criança.
“…Priklopil queria apenas criar seu próprio mundinho perfeito, com uma pessoa que estivesse ali só pra ele. Provavelmente ele nunca teria podido fazer isso do jeito normal e decidira, assim, forçar e modelar alguém para isso. Em essência, ele não queria nada mais do que as outras pessoas: amor, aprovação, calor. Queria alguém para quem ele fosse a pessoa mais importante do mundo. Ele parecia não ter visto outro modo de conseguir isso senão sequestrando uma menina tímida de 10 anos e a afastando do mundo exterior, até que ela estivesse tão psicologicamente alheia que ele pudesse ‘recriá-la'”.
Para quem esteve aqui fora é facil dizer que ela tinha “Síndrome de Estocolmo”, uma condição que faz uma vítima se sentir próxima do agressor. Obviamente não é isso, ela conseguiu enxergar algo que ninguém mais via em Priklopil. Coisa que poucos conseguem entender e, por ser mais fácil, preferem dizer que ela tem uma síndrome qualquer.
Além do abuso físico havia também o abuso psicológico. Ele obrigava Natascha a se ajoelhar para ele, a chamá-lo de mestre (que ela se recusava), dizia que ninguém mais gostava dela, que ela era imprestável e que ela não era tão boa nos trabalhos domésticos como sua mãe. Ele era claramente paranoico e obsessivo, tinha um medo exagerado de ser descoberto e suspeitava de todos, além de fazer rituais de limpeza para evitar qualquer pista do sequestro. Curiosamente, a própria Natascha começou a pensar como ele em alguns momentos, questionando se o jardim fora da casa era real ou construído. Se o vizinho que acenou para ela era um vizinho mesmo ou um contratado de Priklopil. Por causa disso ela não fugiu em várias oportunidades que teve: com medo de não acreditarem nela.
Ela passou 8 anos em cativeiro lutando e brigando com o sequestrador, se recusando a chamá-lo de mestre (e apanhando muito por isso), sempre pensando em como escapar até que finalmente conseguiu. Ela conseguiu isso justamente por ser uma menina “durona”. Quando ela escapou, após 8 anos sendo fria e desconfiada, logicamente ela continou sendo desta maneira – foi o que a experiência toda fez com ela. Mas o público não reagiu bem a isso: a ofereceram trabalho, pediram em casamento, ofereceram cuidados e quando viram que ela não queria ser tratada como uma pobre coitada, que não tinha medo de saber notícias do sequestrador e ainda visitou (e comprou) a casa dele começaram a achar que ela e sua mãe pudessem ser cúmplices do crime. Incrível.
E que fim teve o sequestrador? Então, quando ela fugiu o sonho dele desmoronou, junto com todos os rituais e controle que ele tinha sobre sua vida. Sem saber o que fazer (assim como nunca soube em situações complicadas) escolheu a solução mais fácil: se suicidar. Se jogou na frente de um trem em movimento. Quando vi a foto dele achei muito curiosa: o cabelo bem cuidado e a camisa branca abotoada até o topo: típico obsessivo com sua arrumação excessiva.
Enfim, o que eu mais gostei do livro é que ele não conta simplesmente a história de uma herói e o vilão, como todos esperam que seja. Não é como um livro sobre psicopatas e serial killers ou um episódio de Criminal Minds. Neste livro, fica clara a frieza de Natascha, que acabou a salvando, e a carência do Priklopil, que o fez cometer tal crime. Genial!
Discussão - 14 comentários
Muito bom o post. Agora fiquei com vontade de ler o livro!!!
Sim, mas não há como negar que as condições são perfeitas para que se desenvolva a síndrome de estocolmo. Não é apenas uma questão de simplificação do ocorrido.
Parabéns pelo post, pelos detalhes, pela narrativa.
Irei ler o livro também!
Abraços.
Parabens pelo post… fiquei curioso para ler o livro… sabe onde posso encontra-lo? qual a editora?
para ser sincero nunca consegui ver em nenhum conflito um herói e um vilão!
ótimo poste
Parabens pelo post, foi bem instigante!
Síndrome de Estocolmo, por definição, é quando a(o) sequestrada(o) sente-se “protegido” pelo crimonoso.
As pessoas interpretam que é apaixonado, mas não é. É qualquer tipo de atração. Seja ela sexual, fraternal e etc.
E não é que, quando se diagnostica alguém com a síndrome, querem simplificar. Não. Veja que você mesmo diz: “Ela viu algo que ninguém viu nele.” Isso é um indicio da síndrome.
Agora, o que ferra mesmo, são os leigos, que adoram falar besteiras (não é o seu caso). E acabam piorando a situação, falando que foi tudo armado e tudo mais.
Parabéns professor…Vou ler este livro!
Essa menina, hoje uma mulher, pode muito bem dizer a todos:
“Nem tudo está perdido”.
Abraços.
um sequestro seja ele relampago ou com 8 anos de durabilidade sempre deixa marcas no seuqestrado. não podemos esquecer que a vitima era simplesmente uma criança, que após o dia do sequestro chorava pela mãe, o que será que essa criança pensava ou sentia? não tenho filhos, mas sinceramente não sei o que faria se isso acontecesse com qualquer familiar meu.
o jeito dessa mulher atualmente, nada mais é do que a consequencia do que ela viveu, perdeu sua infância e asua adolescência nas mão de um covarde, que ao invés de se tratar e tentar sua vida em sociedade prefere acabar com a vida de uma criança… nada justifica a atitude dele, seja sindrome ou maldade, nada muda o fato de ele ter mudado a vida de alguem por completo.
na minha opinião ele é um pobre coitado!!!11
Esse livro entrou pra lista melhores livros que já li, ao lado de Os miseráveis, A boa terra e Cem anos de solidão. E nesse caso, por ser uma história real, diferente dos demais, me deixou também encarcerado. Vi o quanto o ser humano é adaptável. O olhar emprestado de Natascha Campusch serve como referência do que é sobreviver quando o egoísmo assume proporções doentias. Tratada como um cão, foi domesticada até conseguir andar sem a coleira. A negação de uma Síndrome faz sentido pois, afinal, só serve pra nomear aquilo que o outro sente, assim como é feito pra dor. Até existem escalas pra quantificá-la, mas somente quem sente é que realmente sabe o tanto que dói.
Gostei muito do post, parabéns. Acabei de ler “Quarto” de Emma Donoghue, que descreve situação semelhante. Só consegui parar de ler quando cheguei na ultima linha. É uma história impressionante. Leiam!!!
Esta matéria ficou a desejar. Não falou do filme O COLECIONADOR. Não falou também se houve ou não sexo e se ela saíu virgem do cativeiro. Não falou também dos seus sentimentos com relação ao seu sequestrador e se sofreu ao saber do seu suicídio!!!
Quero muito ler o livro, quando vai ter disponível para venda?