Entrevista sobre a Antártida


Depois das fotos da Antártida, segue abaixo a entrevista e mais algumas fotos.
grupo da estação brasileiraAntes de tudo… Antártida ou Antártica?
Na verdade, os dois estão corretos. A origem do nome vem da antiguidade quando os gregos concluíram que deveria existir o outro lado do eixo da Terra. Como já conheciam o Ártico, o outro pólo ficou denominado Antarktike, isto é, Anti-Ártico ou “o oposto do Ártico”. Hoje cada país adota um termo diferente, como Antarctica em inglês, Antarctique em francês, Antarktida em russo, ou Antártida em espanhol. Em Portugal utilizam a palavra Antártida como substantivo, e Antártica/Antártico como adjetivo. No Brasil deveríamos seguir os termos portugueses, porém alguns órgãos governamentais como o Ministério de Ciência e Tecnologia e o Ministério da Defesa adotaram Antártica para substantivo e adjetivo.Qual sua formação e sua linha de pesquisa?
Sou biólogo com mestrado em Microbiologia e atualmente desenvolvo meu doutoramento na Universidade de São Paulo (USP). Minha linha de pesquisa é o estudo de microrganismos de ambientes extremos, no caso, as bactérias da Antártica. Desenvolvo dois projetos, sendo o primeiro estudar a diversidade de bactérias que existe no gelo da Antártica. Em um segundo projeto, estudamos as espécies de bactérias que colonizam o solo quando ocorre um recuo de geleira. trabalhando com amostras aproveitando a perninha curtaQual a relevância de amostras coletadas na Antártida para seu projeto?
A Antártica contém um dos mais valiosos registros das condições da Terra em épocas passadas e por isso muitos pesquisadores fazem pesquisa lá. No meu caso, trabalhar com as bactérias da Antártica representa uma oportunidade para descobrir espécies nunca antes estudadas. Estas espécies podem ser úteis em inúmeras áreas da ciência, de produção de antibióticos a compostos eficientes no tratamento de câncer. Outro ponto importante é que tal estudo também ajuda a entender os processos ecológicos no ambiente antártico que, na grande maioria das vezes, é dominado por microrganismos. hercules.jpg

Rubens em frente ao Hércules

navio brasileiro ary rongel

Navio brasileiro Ary Rongel


Como você faz pra ir para lá e por que eu não posso ir também?
Na verdade, qualquer um pode ir! A Antártica é um “continente de todas as Nações” e por isso não é necessário passaporte ou visto para visitá-la. Os meios de transportes mais comuns para se chegar são os navios de turismo.
No meu caso, e dos demais cientistas que trabalham na Antártica, viajamos com o apoio do governo. O primeiro passo é ter o projeto aprovado pelo órgão de fomento nacional, no caso do Brasil, o CNPq. Em seguida os pesquisadores fazem um treinamento junto à Marinha Brasileira para aprender mais sobre as legislações da Antártica, ter aulas sobre segurança e primeiros-socorros, conhecer as roupas especiais e aprender técnicas de deslocamento em mar, neve e gelo. Depois do treinamento, há duas formas de chegar à Antártica: com a Marinha através do Navio Ary-Rongel ou com a Força Aérea Brasileira através de aviões Hércules C-130.
atravessando o geloQuem mais vai para lá?
Além dos cientistas também vai uma equipe de 10 militares da Marinha Brasileira que é responsável pelo gerenciamento da estação. Há também engenheiros e técnicos do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro que fazem a manutenção e reforma. Vale ressaltar que nem todas as estações de pesquisa na Antártica são gerenciadas por militares, isso depende do suporte logístico e financeiro de cada país. amanhecer na estação brasileiraOnde você fica? Onde fica localizada a estação brasileira?
A Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) fica na Ilha Rei George, na ponta da Península Antártica. A maioria das estações de pesquisa estão concentradas na Península Antártica, pois esta região é a mais sensível às variações climáticas, além da facilidade logística: é muito mais fácil e barato manter uma estação científica na Península quando comparada à complexa logística das estações continentais.
Durante toda a fase da pesquisa nós ficamos na Estação Antártica Brasileira “Comandante Ferraz” (EACF). Alguns pesquisadores desenvolvem pesquisa em determinadas regiões longe da estação, inclusive em outras ilhas ou no continente, e por isso têm de montar um acampamento. Há também pesquisadores que ficam a bordo do Navio Ary-Rongel. refeitório da estaçãoComo é a estação? Qual a rotina de vocês?
As estações de pesquisa na Antártica variam muito dependendo da logística e dos recursos disponíveis de cada país. Há estações que não passam de pequenos containeres que proporcionam um mínimo de proteção e funcionam apenas no verão, e há estações muito mais complexas, com laboratórios, camarotes individuais e banheiros com água quente. É o caso da estação brasileira, que por sinal é bem confortável. Temos água quente, sistema de calefação interna, cozinha, banheiros, biblioteca, sala de estar e diversos laboratórios.Nossa rotina é bastante simples. Temos três refeições diárias e estamos livres para fazer pesquisa durante a manhã e a tarde. Alguns cientistas saem à campo para coletar amostras em ambiente marinho ou terrestre, enquanto outros ficam nos laboratórios fazendo experimentos. Além disso, todo dia é eleita uma equipe para ajudar no preparo das refeições e limpeza geral da estação. Esta equipe é mista, composta de pesquisadores, militares e técnicos do Arsenal de Marinha.Afinal, como é a Antártida, muito frio? E o que mais tem de complicado lá?
Quando pensamos na Antártica, logo nos vem a imagem de um lugar muito frio. De fato, o é o lugar mais frio do planeta, mas a Antártica também detém o recorde de outros extremos: é o lugar mais seco, mais alto, com os ventos mais fortes, além de estar cercado pelos mais profundos oceanos da Terra. Isto sem contar a radiação solar que possui índices maiores que os encontrados nas regiões tropicais. -Quer dizer que você tem que usar protetor solar lá? Sim o uso de protetor solar é obrigatório para qualquer atividade.No caso da nossa estação, o grande problema, no meu ponto de vista, são as inconstantes mudanças meteorológicas. É muito comum estarmos trabalhando com céu aberto e temperaturas de +1 ou +2°C, e em algumas horas chegar uma frente fria, com ventos de 30 a 50 Km/h, levando a sensação térmica cair para os –10 ou –15°C. Temos que trabalhar sempre com equipamento extra para tais imprevistos, no verão. No inverno acredito que a temperatura chegue de -15 a -20°C sem vento e sol por cerca de 5 horas ao dia. módulo químico

Módulo de Química da estação

Como é fazer pesquisa lá? Qual a parte mais difícil?
Trabalhar com microrganismos na Antártica é um pouco complicado, mas não impossível. Em nossa estação ainda não temos a estrutura ideal de um laboratório de microbiologia e por isso temos que trazer a maioria dos equipamentos do Brasil ou mesmo ter que improvisar. Por esse motivo, normalmente coletamos as amostras para processá-las nos laboratórios aqui no Brasil.
Em quais áreas o Brasil desenvolve pesquisa na Antártica?
O Brasil tem um programa amplo que compreende as áreas das Ciências da Vida, Ciências da Terra, e Ciências Físicas e Atmosféricas. As sub-áreas são variadas, temos pesquisadores da glaciologia, geologia, astrônomos, físicos, meteorologistas, químicos, zoólogos, botânicos, microbiologistas, e até arquitetos. -Como assim, o que arquitetos vão fazer lá? Eles tem um projeto para desenvolver habitações em ambientes extremos, com tintas que suportam baixas temperaturas, sistemas de conservação de energia térmica, entre outros. A pintura da foto do Módulo de química tem menos de um ano.
Quais os seres vivos que você encontra por lá? E como você chegou perto da foca?
Ao contrário do que a maioria das pessoas imaginam, a Antártica não é um deserto branco sem vida. Existe na Antártica uma grande quantidade de seres vivos, tanto em número de espécies quanto em número de indivíduos e a maioria, é claro, está no ambiente aquático. Moluscos, crustáceos, poliquetas e equinodermas são os mais abundantes no mar antártico. Os peixes compreendem um número menor de espécies, mas ainda sim estão presentes em grandes quantidades.
Em terra temos um outro perfil. A fauna é composta principalmente de aves como os pinguins, skuas, gaivotas, pombas, esternas, petréis, entre outros. A maioria delas é migratória e passa apenas o verão na Antártica. Os mamíferos que encontramos são baleias, elefantes-marinhos, e várias espécies de focas. É claro que não podemos deixar de citar os microrganismos! Eles estão presentes no mar, na terra, na neve e até no gelo. Há ambientes, como o interior do continente antártico, onde os únicos seres vivos capazes de sobreviver são fungos e bactérias.
Ah sim, “cheguei perto” daquela foca com uma lente teleobjetiva! Os animais são sensíveis à presença humana e existem regras de conduta que proíbem a aproximação a menos de 10 ou 5 metros destes animais.
E o aquecimento global, percebe-se alguma diferença lá?
As variações de temperatura, seja por aquecimento global ou outros fatores, não são perceptíveis ao homem pois precisamos pensar em escalas maiores de tempo. Variações de temperatura entre um ano e outro são esperadas, há anos muito frios e anos muito quentes. Quando analisamos uma escala maior de tempo, digamos 50, 100 ou até mesmo alguns milhares de anos, conseguimos saber se a média de temperatura vem aumentando ou diminuindo ao longo do tempo.
No caso da Ilha Rei George, onde está localizada a Estação Brasileira Comandante Ferraz, os dados meteorológicos indicam que houve um aumento de cerca de 2,2°C na média da temperatura atmosférica nos últimos 50 anos (http://www.cptec.inpe.br/prod_antartica/data/resumos/climatologiabaia.xls). Ainda não sabemos se este aumento é resultado de um aquecimento global-local ou se é uma variação natural da temperatura do planeta.
Acompanhado as fotos de satélite da nossa região de coleta do ano de 2000 percebemos que hoje, em 2008, a frente da geleira havia recuado muito mais, o que pode ser um reflexo do aumento de temperatura na região.
E poluição? Para onde vão os resíduos que vocês geram?
As leis internacionais vigentes na Antártica estabelecem que todo impacto causado pelo homem deve ser minimizado, sendo assim todo o resíduo gerado em nossa estação é levado de volta para o Brasil. Na Estação, o lixo reciclado é separado e o esgoto é tratado. Os resíduos gerados nos acampamentos e no Navio também voltam para o Brasil. O sistema de tratamento brasileiro é inclusive considerado modelo frente aos sistemas de outras estações.

Escolha uma das fotos que você considera mais importante para descrever.
Não sei se há uma foto que considero mais importante, tenho um carinho especial por cada uma. Nós, pesquisadores antárticos, dizemos que de lá só podemos trazer uma coisa: fotografias com boas lembranças. Desta forma, deixo esta fotografia da Estação Brasileira para lembrar a presença humana na Antártica, presença essa que embora insignificante em tamanho, é fundamental para conhecer e compreender um pouco mais o nosso Planeta.
O que vocês encontraram por lá com a pesquisa?
Encontramos bactérias em todos os ambientes desde sedimento marinho até dentro do gelo. No momento nossa equipe está investigando quais são as espécies que habitam a Antártida
Qual o suporte do governo brasileiro para isso? E em relação a outros países?
Praticamente todo o Programa Antártico Brasileiro (Proantar) é financiado pelo governo. As pesquisas e as bolsas de estudo são financiadas pelo MCT através do CNPq, e o Ministério do Meio Ambiente participa com a avaliação de impacto ambiental de cada projeto. Toda a logística de uma expedição antártica é promovida pela Marinha do Brasil, incluindo a manutenção da estação e o transporte de materiais através do Navio, enquanto a Força Aérea Brasileira nos ajuda com os vôos Brasil-Antártica.
Gostaria de agradecer ao convite do meu amigo Atila e poder ter a oportunidade de divulgar a ciência antártica aqui em seu blog. Sintam-se a vontade para entrar em contato, meu email é duarte@usp.br.
Para mais informações sobre a Antártida:
Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas – Nupac
Centro de Pesquisas Antárticas – USP
Landsat Image Mosaic Of Antarctica – LIMA

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12 responses to “Entrevista sobre a Antártida”

  1. Legal, muito interessante saber um pouco desse tipo de pesquisa levando-se em conta um ambiente tão hostil.

  2. Bem bacana. Durante o verão a pesquisadora Neusa Paes Leme manteve o blog “verão abaixo de zero” no HowStuffWorks (http://blog.hsw.com.br ). Ela contava um pouco do dia-a-dia da estação Comandante Ferraz. Foi bem legal ler os relatos dela e dos pinguins que moravam lá perto! Bjs!

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  4. Gostei muito de tudo que li. Me esclareceu sobre a existencia de microorganismos. Alguns sites de curiosidades mencionam que na Antartica não existem bactérias e nem fungos, por isso os alimentos não estragam e podem ser consumidos após anos. Essa idéia foi parar na agenda de meus alunos como curiosidade , então pedirei a eles que pesquisem a respeito da veracidade dessa informação. Sugerirei essa página.

  5. Gostei muito, Parabéns
    Foi tudo muito esclarecedor.
    Sou da engenharia de alimentos e depois que li a noticia fiquei com vontade de ir também para pesquisas novos micro organismos.

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