O lado bom e o lado ruim de um debate


Quando grandes mídias fazem reportagens sobre um tema que gera debate, costumam promover ambos os lados da discussão (e algumas vezes inclusive apontam quem está mais certo na opinião deles, mas isso não vem ao caso hoje). Acho muito saudável isso, mas algumas vezes gera situações onde o outro lado da discussão não é tão confiável mas se beneficia do “status” do primeiro. Em certas ocasiões a coisa é muito pior…
Não vejo problemas em consultar a opinião de religiosos sobre temas científicos, em especial temas que envolvem questões de ética. Um ponto de vista diferente pode sempre enriquecer a discussão. Desde que quem opina se identifique como tal. Um exemplo de quando isso é ignorado é a teoria do Design Inteligente, apontada como uma “teoria científica” alternativa à evolução.
Quinta-feira de noite (28/02) estava assistindo ao Jornal da Globo quando começou uma reportagem sobre células-tronco, e defendendo o uso de células-tronco embrionárias entrevistaram a pesquisadora Mayana Zatz. Até aí, nada de novo, mas ficou meio estranho quando para expor uma opinião contrária chamaram Lilian Piñero Eça, do Instituto de Pesquisa de Células Tronco. Estranhei não conhecê-la nem ter ouvido falar de seu instituto, mas deixei passar. Minha surpresa se deu sexta-feira, quando falava com o Rafael, que viu o debate completo dela no Bom Dia Brasil, inclusive porque algumas cenas foram filmadas no laboratório dele. Foi quando ele me falou sobre Lilian, eis o que surgiu:
Uma rápida conferida no currículo dela mostra que ela não tem publicações, pelo menos não em revistas indexadas, uma vez que numa busca no EUROPEAN JOURNAL OF PHARMACOLOGY não se encontra o artigo que ela indica. Artigo esse que inclusive tem um erro de gramática no título – characterisation, quando o certo é characterization- mas isso é normal quando uma pessoa que lê e escreve em inglês apenas razoavelmente escreve como única autora um artigo (não me perguntem como foi a leitura das referências que ela usa). E quanto mais se mexe, pior fica…

A Dra. Liliam é professora da Universidade Sagrado Coração e tem diversos prêmios, fotos e vínculos com a Igreja. Nas palavras de Dário Ferreira:

Dra. Lilian é pivô de um vexame científico dos mais excitantes dos últimos anos no Brasil, a ponto de ter sido necessário o Dr. Nestor Schor, Pró-Reitor de Pós-Graduação da Unifesp pronunciar-se dizendo que ela não faz parte do corpo docente ou discente da minha querida EPM (Unifesp para os jovens), apesar de no Curriculo Lattes constar pós-doutorado na Unifesp (como capturado na imagem acima – antes que ela mude novamente).

Mas o que tem a ver o título do artigo com a Dra. Lilian? Ora, tudo a ver! Dra. Lilian, ao que tudo indica é membro do Opus Dei, já que aparece grudada em Ives Gandra Martins, é docente do CEU (Centro de Extensão Universitária), entidade confessamente ligada à Obra e aparece citada no Portal da Família, um site também sabidamente ligado ao Opus Dei.

Alías, vale dar uma lida nesse texto do Dario. Além de indicar uma série de reportagens com denúncias do Jornal da Ciência sobre o currículo e o instituto (que por sinal não existe ou não existia na época da reportagem), ainda faz uma comparação bem delicada a respeito do quanto o currículo dela é relevante para o tema. Não perca também o texto do Rafael, que me pôs a par do que estava acontecendo.

É muito complicado uma emissora do porte da Globo dar o mesmo crédito à Mayana Zats e à Lilian Piñero, complicado inclusive retratá-la como pesquisadora no debate, quando ela não é (e não parece ser nem um pouco isenta de influências). Infelizmente a votação sobre a lei de Biosegurança é em poucos dias, um pouco tarde demais para que esse tipo de denúncia tenha resultados. Fica o aviso para que ao entrevistarem alguém, pelo menos leiam o currículo do entrevistado…

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4 responses to “O lado bom e o lado ruim de um debate”

  1. O tal trabalho é a tese de doutorado dela. Ao que consta, jamais foi publicado em nenhum journal, apesdar de (é o que ela diz) ter sido submetido ao European Journal em 2006.

  2. Atila, valeu pela referência. Eu também enviei mensagem ao Bom Dia Brasil.Recebi muitas mensagens de gente falando que não há nada o que se possa fazer. Claro que há! Reclamemos quando algo assim aparecer. A mídia não é soberana, é prestadora de serviço e tem um compromisso ético. Nós espectadores é que devemos calibrá-la.

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