A dinâmica de um trapaceiro I


Cuco e rouxinol
Cuco e rouxinol

Para quem não conhece a reprodução do cuco, uma breve explicação que deixará claro os motivos da minha admiração por essa ave:

O cuco é capaz de parasitismo social. Isso quer dizer que as fêmeas colocam seus ovos nos ninhos de outras aves, onde serão criados por pais de outras espécies. Criar um filhote de cuco em seu ninho representa um enorme prejuízo para os pais, uma vez que ao nascer, o cuco lança todos os ovos e eventuais filhotes que já tenham nascido para fora do ninho, garantindo mordomia exclusiva. Para os “pais”, a regra é simples, o que está dentro do ninho é meu e o que está fora não. Um grande prejuízo para o parasitado e uma grande vantagem para o parasita, mais uma vez terreno fértil para a corrida da Rainha Vermelha.

A competição entre o cuco e seus hospedeiros já começa na recepção. As aves que recebem os ovos costumam abandonar o ninho se percebem que um cuco pousou nele, melhor colocar os ovos novamente do que criar um filhote que pode não ser deles. Uma das soluções que os cucos exploraram foi o susto. Cucos que parasitam outras aves são muito mais parecidos com gaviões, no formato das asas, tamanho e plumagem, do que cucos que não parasitam. Dessa forma, ao se aproximarem, assustam pequenas aves que entregam a posição do ninho e se ausentam pelo tempo suficiente para o “delito”.

Não só os adultos refletem mudanças que favorecem o parasitismo, os ovos também. Há uma corrida para aumentar a discriminação dos ovos estranhos nos ninhos dos parasitados, descartando assim um enorme investimento em um filhote que não carrega os genes dos pais. Freqüentemente, cucos põe ovos muito similares aos ovos dos hospedeiros, mas o quão similares eles precisam ser?

Experimentos com o rouxinol-grande-dos-caniços (Acrocephalus arundinaceus), parasitado pelo cuco comum, demonstraram que precisam ser muito similares. Quando foram pintados pontos extras nos ovos recém colocados, aumentado assim a diversidade visual de seus próprios ovos, os rouxinóis passaram a aceitar mais freqüentemente os ovos de cucos. Nos ninhos com ovos intactos a taxa de aceitação foi de 5%, já nos ninhos com ovos pintados a taxa subiu para 40%, o que demonstra a grande pressão sobre a uniformidade dos ovos como forma de discriminação.

Em outro experimento, com a toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla), a simples adição de um filtro ulltravioleta nos ovos, espectro de luz que as aves são capazes de enxergar e nós não, foi motivo suficiente para que as toutinegras aceitassem menos freqüentemente ovos estranhos. No caso dessa ave, os ovos do cuco precisam ter inclusive o mesmo padrão de difração de luz UV para garantir uma maior aceitação.

Nem sempre o ovo do cuco precisa ser igual, mas o que convence o hospedeiro a aceitá-lo já e história para um outro post.

Fontes:
Davies N.B. and J.A. Welbergen. Cuckoo-hawk mimicry? An experimental test. Proceedings of The Royal Society Volume 275, Number 1644. DOI 10.1098/rspb.2008.0331

Moskát C., Avilés J.M., Bán M., Hargitai R. and Zölei A. Experimental support for the use of egg uniformity in parasite egg discrimination by cuckoo hosts. Behavioral Ecology and Sociobiology Volume 62, Number 12. DOI 10.1007/s00265-008-0618-0

Honza, Marcel, Polacikova, Lenka. Experimental reduction of ultraviolet wavelengths reflected from parasitic eggs affects rejection behaviour in the blackcap Sylvia atricapilla. J Exp Biol 2008 211: 2519-2523. DOI 10.1242/jeb.017327

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5 responses to “A dinâmica de um trapaceiro I”

  1. […] O exemplo dos pássaros cuco é muito interessante visto que algumas espécies ainda conseguem construir o próprio ninho. Só que estes ninhos serão de baixa qualidade ou serão construídos em lugares inapropriados. Observa-se aí uma tentativa de se produzir algo por um ”parasita”, só que como ele não é capaz de faze-lo, acaba explorando o trabalho alheio. Sim, novamente a lamúria esperta que poderá ser usada por muitos psicopatas… […]

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