A dinâmica de um trapaceiro II


Já vimos que os cucos são capazes de colocar seus ovos no ninho de estranhos, e que isso tem um grande custo para as vítimas. Tanto que os cucos não são aceitos facilmente e precisam de artimanhas – acompanhe aqui o primeiro texto. Algumas vezes esse custo pode ser contornado com o uso de força bruta:

A disputa entre ovos, da parte das vítimas para terem ovos mais uniformes, individualizados e diferentes, e do cuco para que seus ovos sejam parecidos com os dos hospedeiros, é muito cara, e a seleção natural é implacável com quem fica para trás nessa corrida. O Ploceus cucullatus, conhecido em Moçambique como tecelão-malhado, é vítima de parasitismo tanto de cucos como de outros sua própria espécie. Seus ovos são extremamente variávies entre os indivíduos, mas muito uniformes dentro de um mesmo ninho. Dessa forma as fêmeas são capazes de discriminar seus ovos de estranhos da mesma espécie e dos ovos do cuco. Introduzido recentemente nas Ilhas Maurício e na Ilha de Hispaniola, o tecelão não encontra cucos nestas ilhas, e seus ovos perderam a variabilidade entre indivíduos e a uniformidade dentro de um mesmo ninho, dando sinais de que a maior pressão evolutiva sobre as características dos ovos era mesmo o cuco [1].

Ploceus cucullatus fêmea

Ploceus cucullatus fêmea.

Já no caso do mariquita-de-garganta-preta (Protonotaria citrea), espécie parasitada pelo chupim-cabeça-castanha (Molothrus ater) isso não acontece, os ovos do M. ater não são nada parecidos com os do hospedeiro (recomendo o clique no link). A melhor resposta que se tinha para esse fato intrigante era de que trata-se de um caso recente de parasitismo, onde o hospedeiro ainda não passou a discriminar seus ovos dos outros.

Um estudo controlado com ambas espécies revelou que a história é bem mais sórdida. O chupim-cabeça-castanha não precisa se dar ao trabalho de imitar os ovos. Com um verdadeiro comportamento mafioso, 56% dos ninhos que não aceitaram seus ovos foram destruídos, enquanto só 6% dos ninhos aceitadores foram depredados.

Quando em um local que não era previamente parasitado, o chupim destruiu cerca de 20% dos ninhos, e quando refeitos 85% deles continham seus ovos. Numa demonstração de coerção e chantagem, mais um ponto negativo para a Natureza cheia de paz e amor que muitos imaginam.

No próximo texto da série, o que o cuco faz depois que nasce…

Fonte:

[1] David C. Lahti. Evolution of bird eggs in the absence of cuckoo parasitism. PNAS 2005 102:18057-18062; doi:10.1073/pnas.0508930102

[2] Jeffrey P. Hoover and Scott K. Robinson. Retaliatory mafia behavior by a parasitic cowbird favors host acceptance of parasitic eggs. PNAS 2007 104:4479-4483; doi:10.1073/pnas.0609710104

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