Cadê o meu?


– Cadê o meu? ©Greencolander

Imagine que um conhecido te pede um favor, você sabe programar e ele precisa de um script. Como é seu amigo e não falou nada em pagar, você faz o serviço de graça. Dias depois você descobre que ele pediu o mesmo para outro amigo e pagou espontaneamente (e bem). Se ele te pedisse o mesmo favor de novo, você faria de graça?
Se você ficou na dúvida ou não faria, não está sozinho. Meu cachorro também não faria.

Um experimento recentemente publicado na revista PNAS demonstrou que cachorros têm senso de justiça e não gostam quando não são devidamente recompensados. Eu e os outros donos de mais de um cachorro já percebemos isso, mas o trabalho não só fez os devidos controles como mostrou que o tipo de recompensa e quem está dando não influenciam.
Os cachorros da pesquisa tinham que dar a pata repetidamente para o experimentador – os donos dos cachorros estavam presentes mas fora de contato visual. Os cachorros eram dispostos lado-a-lado em pares e poderiam receber dois tipos de recompensa, uma de alto valor (salsicha) e uma de baixo valor (pão preto) ou não receber nenhuma recompensa.
Quando um dos cachorros não recebia recompensa e o outro sim, ele parava de dar a pata muito antes do que quando os dois ou nenhum dos dois recebiam recompensa, demonstrando desinteresse e olhando repetidamente para o parceiro recompensado.
Nos chimpanzés o mesmo já havia sido observado mas, diferentemente dos cães, para eles a qualidade da recompensa também foi relevante. Se o parceiro recebia uma recompensa melhor ou recebia uma recompensa sem ter “trabalhado” os chimpanzés paravam de colaborar, um comportamento mais complexo que o canino. Já para os cães não houve diferença significativa se o parceiro recebeu salsicha e ele pão preto, ou se o parceiro recebeu recompensa sem dar a pata.
Noções de eqüidade e justiça são esperadas em animais que vivem em bandos como hienas, macacos e cães. E apesar da grandes mudanças induzidas pela seleção humana nos cachorros, ainda tenho que comprar biscoitos e brinquedos em números pares para meus dois.

Fonte:

Range, Friederike , Lisa Horn, Zsófia Viranyi, and Ludwig Huber. “The absence of reward induces inequity aversion in dogs.” Proceedings of the National Academy of Sciences (2008).


6 responses to “Cadê o meu?”

  1. Muito interessante esse comportamento. Ainda mais quando entramos em discussão de que alguns comportamentos são selecionados por causa do bem geral do grupo. Gostaria de saber o que estria pensando o cachorro que ganhava a recompensa, sem dar a pata, sobre o cachorro que dava a pata e não ganhava nada. Será que é senso de justiça ou egoísmo mesmo?

  2. (O Caio de Gaia também falou dessa experiência — e, como ele observou, não é algo que surpreenda quem já criou cães…)
    Mas, pegando a “deixa” do Breno, o comportamento do cão que ficou parado não é de estranhar: cães esperam algum tipo de recompensa (senão, por que eles aturariam tipos chatos como os seres humanos?…) E — pelo menos para mim — o sentimento de frustração dos cães não é novidade.
    Agora, é preciso distinguir duas motivações nas “atitudes cooperativas”: uma é o altruísmo, puro e simples (que, normalmente, tem a ver com a sobrevivência da espécie); outro é o de cooperação, onde cada indivíduo espera uma “recompensa” (nem que seja, por exemplo, um sorriso…)

  3. Quanto a eles esperaram a recompensa, eles continuavam dando a pata por cerca de 35 vezes sem recompensa quando sozinhos ou quando a dupla não recebia.
    Não acho que esse senso de justiça seja cooperação, acho que quem não pegava o que podia pegar não deixou descendentes 🙂

  4. Justamente o ponto! Para o cão que ganhava a recompensa sem ter feito coisa alguma, trata-se apenas de aproveitar a oportunidade. Ele, provavelmente, nem associava a recompensa ao comportamento do outro. (Se o fizesse, trataria de dar a pata, também… Cães são espertos a ponto de imitar comportamentos dos outros, quando percebem uma vantagem nisso).
    A abstração de uma “injustiça” me parece exagerada. O cão que dava a pata apenas percebeu que a “senha” para ganhar uma recompensa era “não dar a pata”. E tomou uma atitude bem canina: “fingir que não entende” o que se fala com ele, quando lhe convém…

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