Desserviço


Li hoje um texto no Blog do Planeta que me causou profunda irritação. Trata-se de um texto sobre “Os trangênicos mais bizarros do mundo”. Me irritou por dois motivos: por ser mais um texto sensacionalista sobre OGMs (organismos geneticamente modificados), assunto onde todos têm uma opinião formada, mas quase ninguém tem embasamento para isso, e porque quem escreveu o texto não gastou 5 minutos checando o mínimo sobre o que falou.
Vou listar abaixo os “trangênicos do mal” e comentar sobre o que eu encontrei em 10 minutos no oráculo, para poder escrever meu comentário:
Cenouras coloridas
Como se a cenoura já não tivesse uma cor exuberante suficinete, pesquisadores do Texas, nos Estados Unidos, criaram cenouras coloridas. – Uma olhadinha nessa figura e você perceberá que existem várias cores de cenoura. Até roxa. Trangênicos do mal? Não, variedades diferentes que poucas pessoas conhecem. Variedades essas encontradas na natureza (sim são produtos naturais “do bem”).
Super uva-passa
Esqueça as uvas-passas para colocar num bolo. O Instituto Nacional de Genética do Japão produziu uma versão gigante da fruta desidratada. – Nada de super uva-passa no site do instituto japonês. Mas se alguém encontrá-la aposto que foi desenvolvida por melhoramento genético. Melhoramento genético cria trangênicos do mal? Não. Melhoramento genético é a técnica de fazer cruzamentos planejados para se obter características desejadas. Feito pelo ser humano desde que começamos a agricultura, ou mesmo por criadores de cães que querem uma raça com um padrão X.
Uva-maçã
Com a boa intenção de alimentar os países pobres, a Unicef ajudou a criar a uva-maçã. – Esqueça Unicef e esqueça a fome mundial. A Grapple é uma maçã fuji com sabor artificial de uva. Basta uma olhadinha no site do fabricante do produto da foto do texto original. Trangênicos do mal? Não, apenas uma maçã comum aditivada com sabor artificial maléfico.
Alfaces contra a diabetes
o professor Henry Daniell da Universidade Central da Flórida criou uma espécie de alface com o gene da insulina. Segundo o professor, as células da alface protegem a insulina em sua jornada pelo sistema digestivo. Quando ela chega ao intestino, o mecanismo natural de produção de insulina é acionado. – Uma olhada no site do tal professor e encontrei o artigo dele sobre o alface modificado. A insulina que está no alface não é para ser absorvida, ela serve para induzir tolerância no corpo dos diabéticos e diminuir a reação auto-imune contra a insulina produzida pelo pâncreas deles. Transgêncio do mal? Vou dar as três opções atuais para se obter insulina para diabéticos:
1 – Extrair a insulina de pâncreas de porcos e bois. É a fonte mais prática de insulina “natural e do bem”. Mas com o tempo, o corpo desenvolve reação imune a ela, por ser ligeiramente diferente da insulina humana, e a reação do corpo torna pior injetar a insulina do que viver sem ela.
2 – Criar crianças africanas e asiáticas (são as mais baratas) e ligar uma sonda no pâncreas para coletar insulina humana “natural e do bem”, de forma que não haja reação imune dos diabéticos. Nada que os chineses não saibam fazer, eles já usam algo parecido para coletar bile de ursos enjaulados – já que a bile é natural e ajuda na medicina milenar deles.
3 – Produzir bactérias geneticamente modificadas que crescem dentro de fermentadoras e consomem apenas açúcar. Como são geneticamente modificadas produzem insulina humana, que não causa reação. Mas é uma insulina “artificial e do mal”.
Limate
É o nome da fruta que juntou uma dupla já clássica da culinária, o limão e o tomate. Essa invenção não tem méritos saudáveis, como as cenouras coloridas. – O tomate possui uma via metabólica que transforma terpenóides em licopeno, a substância que dá a cor vermelha. Inseriram no tomate um gene de manjericão, nada próximo de um limão, que muda a via de formação do licopeno. O tomate forma menos licopeno (é menos vermelho) e produz monoterpenos, substâncias que dão mais cheiro ao tomate. Como os monoterpenos têm cheiro de rosas e cítrico, daí a confusão. Transgênico do mal? Não, simplesmente um tomate mais gostoso, que não foi produzido com objetivos comercias, mas sim para desenvolver a técnica de mudar o sabor dos alimentos.
Já estou acostumado a receber e-mails com besteiras semi-científicas, mas são e-mails. Quando um blog de ciência escreve um tema polêmico desse e desinforma os leitores, contribui em muito para o tipo de comentário que o texto teve (juro que escolhi os menos piores, e que refletem confusão, deixei de lado os que são apenas fé cega):
“E evidente q a real intencao nao e acabar com a fome nos paises pobres. mas
sim usalos como cobaia. Estes alimentos nao sao encontrados em supermercados de paises ricos.”
“Isso é coisa de quem não tem o que fazer, ao invés de gastar esse dinheiro que eles usam para as tais pesquisa, poderiam estar ajudando realmente a quem precisa!!!”
“misturar entre de diferentes plantas é criar um novo transgenico sim.”
“HÁ MUITO TEMPO AS FRUTAS E LEGUMES JÁ NÃO TEEM O MESMO SABOR E CHEIRO…..OS MORANGOS ,O TO.MATE ,SÓ P/ DAR ALGNUS EXPS,ACHO EU Q. JÁ ESTVAM FAZENDO EXPERIMENTOS…TENHO P/ MIM Q. ESTES LEGUMES ,E, FRUTAS NÃO SÃO “DO BEM”.”
Poucos são os comentadores que perceberam que quase nenhum alimento listado no texto é transgênico. Muito pior do que um alimento transgênico do mal é um texto “científico” desinformado e errado. É o tipo de coisa que não precisamos mais.

,

24 responses to “Desserviço”

  1. É que muita gente nem sabe o que é “transgênico”, e supõe que esses restaurantes e produtos “orgânicos/integrais” que alertam na embalagem/porta “não contém transgênico” significa que transgênico é ruim e eles (naturalmente originais) são bons.
    Uma pequena parte também tem um medo de que os herbicidas e pesticidas modifiquem a estrutura genética da planta/fruto, tornando-a quimicamente tóxica não só para pragas, mas também para os mamíferos (em grande quantidade).
    Vi uma vez que uma tal de Monsanto tinha produtos assim, e imagino que tenha sido um erro já a muito corrigido.
    Pessoas comuns cometem esses preconceitos, mas concordo que quando trata-se de uma divulgação científica, tem mais é que criticar.

  2. Uma vez recebi um powerpoint cheio dessas besteiras. Gastei 10 minutos pesquisando e demoli TODAS as afirmações. Mandei de volta pra quem havia enviado o PDF. Resultado?
    “Ah, mas mesmo assim não sei…”
    Então que vão pro inferno. O populacho ADORA uma conspiração para jusitificar todos os seus problemas.

  3. Sim, o pessoal do Lablogs adora destruir esses e-mails. Mas aqui é um blog científico propagando esse tipo de coisa.. acho muita irresponsabilidade!

  4. Sem querer generalizar, mas já generalizando, tinha que ser estagiário!
    A responsável por este post no blog mencionado, chamada Thais Ferreira, é estagiária…
    Brincadeiras à parte, isso é MUITA irresponsabilidade, ainda mais para uma revista/site com alta circulação.

  5. Átila,
    Excelente post e realmente esclarecedor. Tenho algumas opiniões formadas sobre transgênicos, mas frutos de laboriosa leitura (de papers, não de folderes de ongs “do bem”). Creio que a tecnologia é razoavelmente segura, embora monitoramento sério deva ser feito, principalmente visando conter escape gênico para populações silvestres das espécies manipuladas e plantas adventícias. Minha crítica ao plantio de transgênicos é que, como outras tecnologias mais convencionais, tendem a perpetuar um modelo de agricultura industrial insustentável no longo prazo. Isso, claro, quando quem domina a técnica e a produção de variáveis transgênicas são megacorporações produtoras de insumos. Acredito que a produção e distribuição de cultivos transgênicos por órgãos de pesquisa nacionais, sem um viés unicamente mercadológico, pode sim ser uma opção interessante para sanar problemas para os quais métodos tradicionais de melhoramento genético não tenham sucesso.

  6. Esse e o ponto Ítalo,
    Não questiono a opinião do autor do texto, mas sim o como o assunto é tratado, de maneira extremamente sensacionalista e ignorante, em um assunto onde isso já impera.

  7. Atila, discordo. O “Blog do planeta” é um blog científico? Isso é um blog ambientalista. Olha o tipo dos posts. Me da frio na espinha.
    Olha a descrição da menina que postou sobre “transgênicos”:
    “Thaís Ferreira, de 21 anos, é estagiária da revista Época. Ensinou a família a separar o lixo reciclável e recentemente presenteou a mãe com uma sacola reaproveitável para o supermercado.”
    Olha outro colaborador do blog:
    “(…)Tenta convencer os paulistas a parar de comer hambúrguer para salvar a Amazônia.”
    Que piada. Isso passa longe de ciência.

  8. O post lá tá todo equivocado, mas nao vejo ele colocando os transgenicos como ‘do mal’, pelo contrário, ele mostra a tecnologia como algo benéfico para a humanidade. De qq forma, pedi que eles corrigissem a nota, mas até agora fizeram ‘ouvidos moucos’ com os apelos.
    AGora, ao contrario do que alguns comentaristas aqui afirmam, a tecnologia dos transgenicos nao é nada segura, tanto que vem sendo questionada – e em alguns casos banida – em vários países europeus (França, grecia, romenia, hungria, austria, alemanha).
    Os principais problemas dos transgenicos vão se confirmando, apesar das muitas negativas das empresas.
    Contaminação – agora é oficial. a convivencia entre culturas convencionais e transgenicas é IMPOSSIVEL, como podemos ver no Mexico, Espanha, EUA, ARgentina e Brasil.
    Aumento no uso de agrotoxicos – EUA, Brasil e Argentina sao os lideres mundiais no uso de agrotoxicos. Curiosamente sao os líderes mundiais tambem no plantio de transgenicos. Em 2008, agricultores brasileiros que plantam transgenicos compraram o DOBRO de agrotoxico do que em 2007.
    Aumento da produtividade – Farsa. As proprias empresas criadoras dos transgenicos já admitem: nao fizeram os transgenicos para produzir mais, mas sim para resistirem ao seu agrotoxico. Ou seja, o que eles querem é vender o agrotoxico…
    Proteção ao meio ambiente – Outra farsa. Os muitos casos de ameaça à biodiversidade causados por plantas transgenicas já preocupa a comunidade cientifica. O caso das borboletas monarcas nos EUA já é considerado um clássico. E com a contaminação inevitavel, logo só teremos plantacoes transgenicas pelo mundo. Na Espanha, isso já ocorre – 60% dos cultivos estão contaminados.
    Monopolio das sementes – a MOnsanto hoje detém 80% das produtoras de sementes transgenicas do mundo.
    Problemas nao faltam. Benefícios? Até agora, apenas para as empresas, que lucraram horrores nos 15 anos em que a tecnologia ganhou comercialmente o campo.

  9. Jorge,
    Um texto intitulado os transgênicos mais bizarros me soa como os transgênicos do mal. Quanto a serem seguros ou não prometo postar algo a respeito.

  10. Adorei Átila! Obrigada!
    Queria saber quem categorizou esse blog como de ciencia, na minha opinião não é.
    E tem gente que dá mais crédito para blogs da imprensa do que para os de pessoas comuns…

  11. Se eu bem conheço a galera lá, não era mesmo a intenção de apresentá-los como ‘do mal’. A tecnologia é bem vista por eles. Na minha opiniao, foi erro grotesco mesmo. O que mais me irrita, no entanto, é que se recusam a corrigir, naquela tradicional empáfia de jornalista de não dar trela a comentários… eles definitivamente nao sabem lidar com a comunicação direta com seus leitores…

  12. Que se danem os dados e a pesquisa. Um artigo “científico”, mesmo em blogue, deveria ter um mínimo de cuidado com gramática…

  13. A “grande imprensa” adora cometer erros desse tipo. Basta olhar as (poucas) matérias sobre ciencia dos jornais e revistas. Na maioria das vezes se limitam a traduzir de qualquer jeito matérias de fora, mantendo os mesmos erros. Isso quando o jornalista nao resolver fazer uma “interpretacao dos fatos”, ou colocar uma analogia sem pé nem cabeça. Isso só provoca a deseinformação da população, que continua achando ciência algo difícil e hermético, que muitas pesquisas são gasto inútil de verba, entre outros. O estereótipo de cientista maluco vence mais uma vez.
    Quanto os transgênicos, acho que o problema não é a tecnologia em si, mas como é usada. A maioria dos plantios transgênicos hoje são roundup ready, ou seja, plantas resistentes à herbicidas. Consequencia: aumento do uso de herbicidas nos plantios, com todos os seus males. As plantas ditas milagrosas, que permitem o cultivo em locais aridos e aumentam a produtividade ainda sao uma parcela muito pequena da producao.

  14. Opa, plantas ditas milagrosas, que permitem o cultivo em locais aridos e aumentam a produtividade simplesmente NAO EXISTEM. São lendas. As empresas nao buscam isso, querem mais é vender agrotoxico, que é o negocio principal delas.

  15. Cara em primeiro lugar parabens pelo seu site e por sua formação, conheci seu site hj 19/03/09 atraves do “sedentario e hiperativo” (site) que o divugou, sou de Manaus /Amazonas e aqui temos todas as variedades de plantas possiveis tb muitas que estao sendo estudadas e outras que nem ainda foram descobertas, se precisar de algo e so me falar, abraços irmao…………

  16. parabens pelo site, sou de Manaus Amazonas e se quiser alguma informaçao sobre alguma planta daqui e so me falar, abraços………….

  17. Viva a ignorância!
    Agora eu acredito plenamente em “Deus”, só mesmo acreditando numa força superior pra compreender a razão de existir tanta gente GONORANTE neste mundo.
    TRANSGÊNICOS DO MAL? Por que? Por um acaso, em algum deles, tinha o demo encarnado?…. Vou prestar bastante atenção na próxima banana que eu tiver vontade de comer!
    Átila, parabéns pelo blog, biólogo sofre…. tb tô sofrendo….

  18. Maravilhoso e esclarecedor Átila… realmente biólogo lê e escuta cada uma…
    Que tal comentar sobre a “bola da vez”, o projeto HAARP#High Frequency Active Auroral Research Program, Programa de Investigação de Aurora Ativa de Alta Frequência#?
    A maior insanidade que já li na minha vida… ahhhh, tão dizendo que foi isso que provocou o terremoto no Haiti, KKKKKKKKKKKKKKKKKKK…

Leave a Reply to Água Cancel reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *