Ciência e o óbvio


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Senso comum nem sempre é uma boa escolha.

Ruth de Aquino, diretora da sucursal da revista Época no Rio de Janeiro, lançou a seguinte pérola sobre pesquisas científicas: “Ler sobre pesquisas científicas de universidades
respeitadas é uma receita certa para dar risada”, uma vez que “Resultados variam do óbvio ao inverossímil e preconceituoso.”

O que acontece quando se cruza uma planta de fruto verde com uma planta de fruto amarelo? Se obtém uma planta de cor intermediária, certo? NÃO! Pelo menos não entre as ervilhas. Do cruzamento de uma linhagem pura de ervilha verde com uma ervilha amarela, só se obtém ervilhas verdes. Então a cor amarela da ervilha se perdeu. NÃO! Quando se cruzam as ervilhas verdes originadas do experimento anterior, cerca de ¼ das plantas que nascerão terão ervilhas amarelas. O que Mendel descobriu e descreveu, estava longe do óbvio.

Isso é fazer ciência. Se o mundo se comportasse como nós esperamos que se comporte, não precisaríamos fazer experimentos. Mas como somos animais, e tivemos nosso cérebro desenvolvido para desempenhar tarefas completamente diferentes, e não analisar o mundo, frequentemente nos enganamos. Esse é o papel da ciência, analisar os fatos, independente de serem óbvios ou não, e concluir sobre o mundo com base nos resultados.

Qualquer um que estudou a Teoria da Relatividade (estudou, entender é outra coisa) sabe que ela é completamente contra-intuitiva. O senso comum e o óbvio passam completamente distantes de tudo. Afinal, é óbvio que a luz é uma onda e não sofre ação da gravidade. NÃO! Conforme Einstein propôs, e ainda estamos confirmando, a luz é atraída pela gravidade, ela se comporta como onda e como matéria.

Quando tomamos antibióticos para combater uma infecção e eles não funcionam, é óbvio que as bactérias desenvolveram resistência. NÃO! Conforme Darwin propôs, e até hoje a grande maioria das pessoas (cientistas inclusive) ainda não entendem, a seleção natural só age sobre o que já está presente. Bactérias não têm intenção, elas não desenvolvem uma característica. No caso anterior, algumas bactérias já eram resistentes ao antibiótico (daí a importância da variedade entre os serres vivos) e simplesmente prevaleceram sobre as outras quando alguém tomou o remédio.

Você financiaria a pesquisa de um monge em um convento, que estava buscando entender a base da herança da cor em ervilhas? Quanta perda de tempo. Ele simplesmente construiu a base de todo o conhecimento de genética que temos hoje.

Confiar no óbvio, no senso comum, é certeza de um jornalismo medíocre, em especial na área de ciências. Ainda mais se quem tem essa opinião está em uma posição influente. Aliás, isso explica algumas generalizações ignorantes.

Pergunte para qualquer estatístico o que ele pensa do senso comum. São necessários anos de estudo, e um exercício constante de autocrítica para se fazer ciência, justamente para evitar o engano de basear as conclusões em idéias pré-concebidas, e não nos fatos.

Aliás, há alguns anos, era muito óbvio que os brancos eram superiores aos negros. Até alguém sugerir que todos provêm de um ancestral comum.

Mais opiniões sobre o assunto no 100nexos, Brontossauros em meu Jardim, Rastro de Carbono, Discutindo Ecologia e Sem Ciência.


5 responses to “Ciência e o óbvio”

  1. Realmente estamos respondendo esta “piada de mal gosto” em grande estilo. Será que não seria interessante juntar todos os links e enviar para a revista época ?

  2. O chato é que não espero nenhuma reação por parte da Época. Eles ainda tratam blog como mídia impressa, onde comentários não têm a influência que poderiam ter.

  3. As revistas mais lidas pela maioria do público brasileiro são assim, esculhambam com as categorias que ainda são sérias nesse país; há pouco tempo a Veja também publicou uma matéria cretina sobre os professores. Agora isso, não me espanta que a ignorância da população quanto à educação e ciência. Lamentável, no mínimo!

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