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Nosso companheiro de genes e doenças ©Aaron Logan

ResearchBlogging.org

Grande parte das doenças infecciosas que sofremos surgiram nos últimos 11 mil anos. Mas de onde vêm os vírus e bactérias que nos infectam? Onde um vírus estava antes de nos encontrar?

A maioria deles têm origem em outros animais, principalmente depois que começamos a
domesticação de animais e agricultura. O motivo disso é que, só com a
domesticação e agricultura, atingimos uma densidade populacional grande
o suficiente para manter epidemias
, além de um contato maior e mais
frequente com os animais, fontes de doenças.

Ainda mais recentemente, técnicas
médicas com contato sanguíneo, como cirurgias, transplante de órgãos,
transfusão sanguínea e
compartilhamento de seringas e outros procedimentos intrusivos também agravaram a
dispersão de doenças.

Com base na transmissão e circulação de uma doença, podemos dividir o estado dela em estágios (que não tem a ver com a gravidade da doença, apenas com o sucesso na transmissão):

Estágio 1: O micróbio está presente em animais e não infecta
humanos
sob condições normais. Alguns tipos de malária por exemplo, só são
contraídos em caso de acidente com agulhas contaminadas em laboratórios.

Estágio 2: Um micróbio que em condições normais pode ser transmitido
de animais para humanos, mas não circula entre humanos. Ex:
Antraz, raiva e atualmente o Influenza H5N1.

Estágio 3: O micróbio pode passar para o ser humano e sofrer alguns
ciclos de transmissão entre humanos, mas o ciclo humano não se mantém
sozinho. Ex: Ebola e Marburg (um vírus que causa febre hemorrágica,
próximo do Ebola).

Estágio 4: Uma doença que tem ciclos de animais para humanos
(chamado de silvático) mas também pode circular apenas entre humanos. Ex de
doença com o ciclo silvático dominante: febre amarela e doença de Chagas. Ex de humano e
silvático importantes: dengue. Ex de humano dominante: Influenza A e cólera.

Estágio 5: Patógeno exclusivamente humano, não é mais encontrado em outros animais. Ex: Sarampo, rubéola, sífilis e varíola.

Estágios de transmissão de doenças infecciosas. Extraído da fonte no fim do texto.

Um micróbio pode se tornar exclusivamente humano de duas formas. Ou ele
já infectava o ancestral de humanos e chimpanzés (ou antes ainda) e
acompanhou a linhagem
humana, como o HTLV,
ou foi transmitido por outro animal e se
especializou e divergiu dentro do ser humano, como o vírus da varíola,
que divergiu de um vírus próximo que infectava vacas ou camelos.


Quais os motivos para uma doença mudar ou não de um estágio para outro?

O primeiro é a proximidade entre espécies. A maioria das doenças que
nos atingem é de origem primata. Como somos primatas, é mais fácil para
um vírus saltar de um chimpanzé – como o HIV fez – do que de uma planta
(de
onde não contraímos nenhuma doença). Assim , por mais que nossa
convivência com o chimpanzé não seja frequente, quando nos encontramos,
a diferença entre ambos organismos não é uma grande barreira para os
microorganismos.
No caso de doenças
vindas de animais distantes, o mais comum é que elas passem por um
intermediário mais abundante ou convive conosco mais frequentemente,
como a raiva,
originada nos morcegos e adquirida através de cachorros.

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Outro motivo é a convivência com a possível fonte da doença. Com a
domesticação dos animais, passamos a ter muito mais oportunidades de
contrair micróbios deles, como o influenza, causador da gripe, que pode
ser transmitido por patos e porcos
, ou a varíola.
Nos casos de animais que têm menos contato conosco,
é menos provável que haja uma mudança de estágio. É mais fácil termos
evitarmos contato com morcegos em um surto de Ebola, ou sacrificar um monte
de porcos e galinhas no caso da gripe aviária, do que se surgisse um
vírus que infectasse cães e tivéssemos que sacrificar os pets – pense no que as crianças achariam.

O vetor (transmissor do microorganismo) também é importante, doenças
como a dengue e a febre amarela estão restritas às regiões onde ocorre
o pernilongo. Já o HIV, por mais que saibamos que é transmitido
sexualmente, não é o tipo de prática que pode simplesmente ser
eliminada.

Quantas pessoas uma doença pode atingir?

Para imaginarmos se uma doença vai ou não causar uma pandemia, devemos
levar em conta alguns fatores.

O perigo não necessariamente depende da
mortalidade da doença. A raiva mata virtualmente 100% dos infectados –
aquele garoto que sobreviveu teve coma induzido e não está lá tão bem
– mas por ser transmitida apenas por mordida de animais infectados, não
é tão frequente. Em compensação o influenza A (gripe) mata normalmente
0,1% dos infectados, mas como infecta muita gente, chega a matar mais
de 35 mil por ano só nos EUA.

Os sintomas que a doença causa também são
importantes, por mais que tenhamos pesadelos quando pensamos nas
pessoas sangrando por todos orifícios com Ebola, é muito fácil
reconhecer esse tipo de sintoma e iniciar uma contenção, enquanto a
gripe é assintomática nos primeiros dias (e continuar assintomática em 1/3 dos casos)  e mesmo assim o doente pode
contaminar outras pessoas.

A gravidade de uma doença está relacionada com a forma de contágio e o
tempo de convivência com ela. A cólera se espalha pela água e se
beneficia de pessoas com diarréia, e uma linhagem que cause diarréia
grave, que espalhe mais bactérias, vai ser selecionada. Já uma
doença que dependa de convívio entre os doentes, geralmente vai ser
selecionada para causar sintomas mais brandos. Por isso, doenças novas
vindas de outros animais podem ser muito letais
, elas ainda não estão adaptadas.

Um
exemplo muito usado é o dos coelhos australianos. Os coelhos foram
introduzidos na Austrália por europeus que queriam caçar, e por não
terem predadores viraram uma praga gravíssima
, uma entre as várias. Os coelhos brasileiros são atacados
por um vírus chamado mixovírus, e resolveram levá-lo para a Austrália
para matar os coelhos de lá, que não haviam tido contato com ele. No
primeiro ano, para a alegria dos fazendeiros, o vírus matou cerca de
99,8% dos coelhos que infectava, sucesso total. No segundo ano, estava
matando 90%, caiu para 25% e menos depois. Os vírus que não matavam os
coelhos favoreciam o contágio, e foram selecionados para matar cada vez
menos e se espalhar cada vez mais.

Um ótimo jeito de entender como causar pandemia é o jogo em flash Pandemic II. Nele, escolha um microorganismo causador de doença e seu objetivo é
infectar e matar a humanidade. Doenças que causam sintomas muito
aparentes sofrem penalidades, como aeroportos fechados (Madagascar
sempre escapa fechando portos também, dá nervoso) e desenvolvimento de vacinas,
enquanto características que facilitam o espalhamento, como o espirro,
são valorizadas
.

Aproveite e leia o texto delicioso do Reinaldo sobre o papel da domesticação de animais no surgimento da doença, Jared Diamond nunca é demais.

Fonte (se você tem um inglês bom, leia, é um artigo muito didático):

Wolfe, N., Dunavan, C., & Diamond, J. (2007). Origins of major human infectious diseases Nature, 447 (7142), 279-283 DOI: 10.1038/nature05775 (pdf)

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