Ebola – um vírus realmente letal


Texto em 4 partes:

1 – A primeira tragédia – 1976
2 – O perigo atinge os EUA – 1989
3 – Ebola atualmente
4 – Quais as chances do vírus Ebola causar uma pandemia hoje em dia?

Ebola_Virus.jpg

1 –  primeira tragédia – 1976

1976, Vila de Yambuku ao norte do Zaire, hoje chamado República
Democrática do Congo. Um homem voltando de uma viagem pelo país dá
entrada no hospital com febre e dores de cabeça. Foi diagnosticado com
malária, recebeu o remédio (quinino, que dá aquele gosto amargo da água tônica) e foi mandado para casa. Uma
semana depois ele voltou para o hospital vomitando sangue e delirando
em febre. Sangrou por todos os orifícios até a morte – sério mesmo, não é drama.

Em pouco tempo outros começaram a morrer no hospital. Transmitida pelos fluidos corporais e pelas mucosas, a doença fica incubada por 5 a 10
dias. Começa com dores de cabeça e musculares, aparecem diarréia,
vômito negro (sangue) e sangramento generalizado, gengivas, nariz,
ouvidos. Nessa hora, tudo que sai do doente está forrado de vírus,
totalmente perigoso
. Para piorar as coisas, as pessoas da região
tinham a prática de preparar os mortos para serem enterrados retirando
e lavando os órgãos internos, manualmente. Isolaram um vírus novo dos
doentes que recebeu o nome de um rio próximo, Ebola.
De um total de 319
casos, 90% dos infectados morreram.

Ao mesmo tempo, num país não tão próximo surgiu outro surto de Ebola.
No Sudão a situação foi menos grave, de 284 casos, 53% foram fatais.
Por mais que seja uma coincidência muito grande, os dois surtos,
inéditos e simultâneos, não foram causados pelo mesmo vírus. São duas
linhagens diferentes de Ebola, das 5 conhecidas atualmente [1]. [tem mais, continue lendo que vai longe]

ebola_diversidade.jpg

Filogenia dos Filovírus – fonte [1]

Provavelmente, o que causou o maior número de mortes no Zaire foi a
forma de contágio. Além do fato de o vírus ser mais agressivo, as
condições sanitárias no hospital de Yambuku não eram das melhores.
O
hospital era comandado por freiras, que aplicavam injeções de
antibióticos e anti-maláricos nas pessoas. Geralmente com as mesmas
seringas e agulhas, ao ponto de precisar amolar agulhas na pedra para
poder continuar usando
. Depois que as pessoas começaram a evitar o
hospital e evitar o contato com os órgãos dos mortos, a epidemia foi
contida.

Em 1976, muitas das técnicas de biossegurança ainda não estavam
desenvolvidas. O transporte de alguns médicos e pesquisadores para a
Europa, onde seriam tratados, foi feito dentro de cápsulas espaciais,
como a Apolo, para isolar os doentes, levadas dentro de aviões como o
Hércules. Em um caso na Alemanha anos antes, com um vírus próximo do Ebola, o
Marburg, doentes foram recebidos por pessoas com roupas de plástico
infladas, e um dos homens que desembarcavam os doentes no aeroporto
teve um problema com o oxigênio da roupa e desmaiou. Todos começaram a
gritar “O vírus! O vírus!” e saíram correndo.
 

2 – perigo atinge os EUA – 1989

Em outubro de 1989, o laboratório Hazleton em Reston, Virgínia, a cerca
de 15 quilômetros de Washington, recebeu um carregamento de 100 macacos
vindo das Filipinas. Os macacos eram usados para testes de drogas
desenvolvidas lá. Eles ficaram em uma sala com problema na
refrigeração, e depois de 1 mês, 29 haviam morrido. O tratador achou
que fosse o calor que estivesse estressando os animais, mas percebeu
que alguns estavam mal e com febre. Quando estes morreram, ele fez uma
autópsia e descobriu que o baço dos animais tinha virado um coágulo
gigante e havia sangue no intestino.

Achando que fosse uma febre hemorrágica símia (inofensiva para humanos), ligou para o USAMRIID
(United Stades Army Research Institute of Infectious Disease), uma
instalação militar americana e mandou amostras para o virologista
Peter Jahrling. O USAMRIID em Fort Detrick era um dos poucos lugares
nos EUA a ter um laboratório de biossegurança nível 4, outro lugar era
o CDC.

Pausa para explicar o que é um Nível de Biossegurança (NB) 4:


NB1 – Num laboratório de nível 1 são manipulados organismos bem
conhecidos que não causam doenças em humanos. Não precisam ficar em um
local separado, podem ser frequentados por qualquer pessoa e as
precauções não envolvem nada mais do que luvas de látex e lavar a mão
com sabão antisséptico. Ex: algas, bactérias de solo.

NB2 – Agentes que causam doenças mas não são facilmente transmitidos
por aerossol (gotículas de água). Envolve um espaço separado, utilizado
por pessoas que receberam treinamento e em alguns casos pode-se
utilizar um aparelho que evita a dispersão de ar, o fluxo laminar – uma
espécie de balcão ou estante fechada, onde o ar circula dentro dele
apenas e pode ser filtrado. Ex: Hepatites A, B e C, Dengue, Sarampo.

NB3 – Agente desconhecido ou potencialmente fatal e/ou doenças que
podem ser transmitidas por aerossol. Já é um laboratório planejado, sem
quinas para facilitar a esterilização, pode ter portas seladas (em
volta da porta há uma borracha que se infla quando fechada) e pressão
negativa, assim o ar não sai quando a porta é aberta. Somente entram pessoas
bem treinadas e lá dentro se utiliza máscaras e roupas parecidas com as
de cirurgiões. Pode haver necessidade de que o pesquisador tome banho
antes e depois de entrar lá. Ex: Febre amarela, SARS, Tuberculose,
Antraz.

NB4 – Doenças desconhecidas, fatais ou severas e/ou sem tratamento. Só
se entra lá dentro com a roupa Hazmat (Hazardous Materials) selada e conferida
regularmente para ver se não há danos, com suprimento individual de
oxigênio. Para entrar e sair existe mais de uma porta, o pesquisador
precisa tomar banho ao entrar e sair e a roupa tem que ser lavada com
produtos químicos e exposta a luz UV. A água e o ar que circulam lá
dentro são tratados com luz UV e filtros para microorganismos. O prédio
é uma construção isolada, já que é onde os problemas devem ocorrer. O
NB4 também é chamado de Hot Zone por ser onde estão os mais perigosos.
Ex: Ebola, Marburg, Lassa e outros vírus hemorrágicos.

Peter Jahrling recebeu as amostras de baço embrulhadas em papel
alumínio, como se fossem marmita, totalmente seguro –  diz ele que
quando recebeu as amostras, pensou ainda bem que não é Marburg” (o
marburg é um vírus que infecta macacos também). Levou as amostras para
um laboratório nível 3 e pediu para um técnico cultivar o vírus para
observar no microscópio.


Para se observar vírus em microscópios eletrônicos, é preciso uma
quantidade muito grande de vírus (já que ele é muito pequeno). Para
isso, cultiva-se células animais dentro de garrafinhas com meio
nutritivo e inocula-se as amostras de vírus, até eles forrarem a
garrafinha. O técnico chamou Peter para ver o que aconteceu com as
garrafinhas. Os frascos estavam todos opacos, e as células lá dentro
todas mortas. Jahrling disse que provavelmente era contaminação por
bactérias, uma coisa muito comum em cultura de células. Uma bactéria
contaminante muito comum é a Pseudomonas, uma bactéria de solo. Quando
ela cresce, produz um cheiro que lembra suco de uva (se não me engano
em um episódio de House ele descobre que a mulher está com pseudomonas
pelo cheiro). Ele abriu o frasco, cheirou, não tinha cheiro de nada,
ofereceu pro técnico cheirar e ele também não sentiu nada.
O técnico
disse que ia preparar a amostra para examinar depois do feriado de Ação
de Graças.

Depois do feriado, mais da metade dos macacos já estavam mortos em
Hazleton. O técnico preparou as amostras e quando olhou no microscópio
não acreditou. Viu vírus compridos e enrolados, filovírus, e pensou
“Fudeu, é marburg!”

– vocês vão me desculpar o palavrão, mas nada descreve melhor o que se
passou na cabeça dele naquela hora, apenas imagine. Mas os vírus eram
mais compridos do que o Marburg
normalmente é. Ele e Jahrling entravam em pânico, quando o Jahrling
resolveu
testar anticorpos contra Marburg para ter certeza. Havia 10 dias que
eles cheiraram a garrafa, e a infecção por Marburg pode ficar
latente entre 3 e 18 dias. Resolveu incluir o teste contra Ebola apenas
por descargo de consciência, os macacos eram das Filipinas, e o Ebola
nunca havia sido encontrado fora da África.

Testou a amostra contra anticorpos de uma pessoa que havia sido
infectada por Marburg, negativo. Testou com anticorpos contra o Ebola
do Sudão, reagiu pouco. Testou contra o Ebola Zaire, letal em 90% dos
casos, deu positivo.
Imagine o frio na barriga que ele sentiu nessa
hora. Testou novamente, positivo para Ebola-Z novamente.

Envolveram o Exército americano e o CDC
(Centro de Controle de Doenças, de Atlanta), interditaram a criação de
macacos de Hazleton, que a essa altura já perdera a maioria dos 
macacos da sala, e de outras salas. Era a primeira vez que se via uma
forma de Ebola confirmadamente capaz de se espalhar pelo ar. Sacrificaram todos os
macacos em uma mega operação de biossegurança, e o prédio onde eles
ficaram acabou sendo destruído pela empresa depois.

Por sorte, por muita sorte, essa linhagem de Ebola, que é próxima à
linhagem do Zaire, mas não igual, não é letal para humanos. Dos 178
tratadores, 6 desenvolveram anticorpos anti Ebola, o que mostra que
tiveram contato com o vírus, mas não desenvolveram sintomas. Em 1990,
um tratador do mesmo laboratório fazendo autópsia de outros macacos que
descobriram também ter Ebola, se cortou com o bisturi mas não
desenvolveu os sintomas, mostrando que mesmo o contato sanguíneo não
torna o vírus perigoso.

Até hoje não se sabe o que torna o Ebo-Z tão letal e o Ebo-Reston tão
inofensivo, embora sejam próximos. O CDC mandou agentes para as
Filipinas, tentando descobrir de como o Ebola estava fora da África,
mas não encontraram nenhum animal contaminado.

3 – Ebola atualmente

O Ebola apareceu novamente em outros anos, 1994 no Gabão, 1995 no
Zaire, e em 2001-2 no Zaire de novo, onde de 120 casos 95 pessoas
morreram. O último surto foi no fim de 2007, começo de 2008 em Uganda, cerca de 150 casos com uma taxa de mortalidade entre 20 e 36%. No natal do ano passado, houve alguns casos na República Democrática do Congo
(antigo Zaire), 32 infectados com 15 mortes.

 Em dezembro do ano passado, foram encontrados porcos com Ebola em Manila, mesmo lugar de origem dos macacos de Reston, e pelo menos um dos criadores foi contaminado mas não desenvolveu sintomas, o primeiro caso de ser humano contaminado por porcos.

Sabe-se hoje que ele é um
filovírus, e que existem 5 linhagens (em ordem de letalidade): Zaire, a
mais letal, Sudão, também isolada em 1976, Bundibugya, isolada em 2007
no Sudão, Reston, que aparentemente só mata macacos e Costa do Marfim,
isolado de um único caso, um primatologista que se curou. Até agora, o
Ebola infectou 2000 pessoas e matou 1100. [1]

Para se entender de onde o vírus vinha, tanto no Sudão quanto no Zaire
em 1976, foram coletados milhares de animais, de insetos a macacos,
morcegos e aves. Só foram encontrados anticorpos contra o vírus em
morcegos frugívoros. Nas epidemias seguintes, também foram coletados
milhares de animais. Alguns roedores também foram encontrados com
anticorpos. O problema de se encontrar apenas anticorpos, é que eles
indicam que o animal se infectou com o vírus e se curou, e
provavelmente não é o reservatório natural do Ebola.

Em 2005, o vírus
foi isolado de morcegos no Gabão, o que se esperava, já que muitos
casos ocorreram próximos a cavernas, habitats de morcegos, e o surto do
Sudão começou em uma fábrica de algodão, que tinha muitos morcegos no
forro.[2]

Atualmente o Ebola Zaire está se espalhando para o norte da África,
matando grandes populações de gorilas e chimpanzés. Ainda não está
claro se ele está conquistando novos territórios ou se está
substituindo uma linhagem mais branda.

4 – Quais as chances do vírus Ebola causar uma pandemia hoje em dia?

Poucas. Embora o Ebola possa ser um vírus muito letal, as linhagens que conseguiram se espalhar melhor entre humanos não eram tão perigosas. O surto mais grave, no Zaire em 1976, foi muito agravado pelas condições sanitárias do hospital, principalmente o compartilhamento de seringas.

Como parece estar associado à morcegos, sua circulação é bem restrita, e seus sintomas são muito claros. Por isso, e diferente do vírus Influenza, são grandes as chances de se perceber um surto logo em seu início e impedir uma epidemia.

Fontes:

The Coming Plague: Newly Emerging Diseases in a World Out of Balance
de Laurie Garret. Trata dos primeiros casos de Marburg, além do surgimento do Ebola em 1976 no Sudão. Contém um relato detalhadíssimo do que aconteceu, com todo o envolvimento do CDC.

The Hot Zone: A Terrifying True Story
de Richard Preston. Detalha o surto no Sudão e no Zaire em 1976. Mas a melhor parte fica por conta do caso Reston em 1989. Um ótimo livro de suspense, mesmo sendo não-ficção.

[1] Towner, Jonathan S., Tara K. Sealy, Marina L. Khristova, César G. Albariño, Sean Conlan, Serena A. Reeder, Phenix-Lan Quan, et al. “Newly Discovered Ebola Virus Associated with Hemorrhagic Fever Outbreak in Uganda.” PLoS Pathog 4, no. 11 (Novembro 21, 2008): e1000212

[2] Biek, Roman, Peter D Walsh, Eric M Leroy, e Leslie A Real. “Recent Common Ancestry of Ebola Zaire Virus Found in a Bat Reservoir.” PLoS Pathog 2, no. 10 (Outubro 27, 2006): e90

,

27 responses to “Ebola – um vírus realmente letal”

  1. Cara.. muito show esse texto. Sempre achei o Ebola muito interessante e ler isso acabou esclarecendo muitas coisas!
    Parabéns!

  2. Nossa Átila, estou impressionada com o tanto de informação que vc conseguiu passar neste texto. Sem contar que o tema “ebola” é simplesmente fascinante. Adorei!

  3. Legal, o melhor de tudo é comparar realidade e ficção. Epidemia é um filme legal, mas força demais a amizade.
    Sobre o Marburg, meu chefe estava na África durante um dos surtos, as histórias são sinistras.

  4. Muito legal, Átila. Acho interessante mostrar essas coisas em época de gripe suína. A dengue hemorrágica é um filme de terror também. Essa história de sangue por todos os poros, eu já tive oportunidade de presenciar em UTI. Outra catástrofe é a leptospirose que enche as UTIs todo verão em São Paulo. No caso da lepto, o paciente ainda fica ictérico. Um tipo de icterícia chamada rubínica, de aspecto amarelado. Um horror!
    Parabéns. Aprendi um monte.

  5. texto muito legal. só uma coisa: no tal episódio do house ao qual você se refere a moça está contaminada com clostridium perfringens, mas o house descobre pelo cheiro de uva mesmo.
    não sei, eu trabalho com os dois microrganismos, e nunca senti cheiro de uva manipulando as culturas. acho que eu sou uma analista mais cuidadosa que os moços daí de cima.

  6. Quando cheguei na parte do cara abrindo o tubo de cultura e cheirando, já imaginei o técnico usando uma camisa vermelha.
    Excelente texto, digno de um technotriller como o Rainbow Six, do Tom Clancy.

  7. Vou te dizer, se você lê o livro e se deixa levar, é muito bom. Tem um livro dele sobre varíola que se chama Demônio no Freezer, que tô bem afim de ler.

  8. Ó P.A.R.A.B.É.N.S!!!!…Muito bom o texto, explicativo pra caramba, e a parte do “fudeu”…heheheh, muito legal, assim fica mais fácil a compreensão do cagaço!

  9. Olha show de bola a maneira como explica, até leigo consegue enteder bem todo o conteudo existente,, Parabéns.

  10. Parabéns..excelente o texto..
    Adoro saber sobre assuntos desse tipo..
    Interessante mesmo…e assustador tb..

  11. Demais o texto! Claro, sem enrolação e oferece uma abordagem histórica muito interessante! Parabéns!

  12. Sou totalmente leigo no assunto, e entendi o texto. Congratulations meu rapaz! Obs.: Vim dar aqui ao procurar informações mais abrangentes sobre a gripe suina, e este, dentre outros, é um dos tópicos que me agradou.

  13. e se “eles” usarem a copa de 2010 na Africa, para misturarem de forma “natural” os vírus H1N1 e as variações do Ebola. E contaminar o mundo inteiro…

  14. Ai pessoal querem ler um livro muito bom sobre a historia do Ebola Zaire, leiam então Zona Quente, é o título do livro e é, como échamado o local nos laborátorios de controle de epidemias, onde os profissionais manipulam tais microrganismos, também chamado estágio 4, ou local de alto risco biológico, lá é usado roupas especiais com pressão negativa, ou seja, se um trage for furado ou rasgado o ar comprimido sai não deixando entrar microrganismos.

  15. foi otimo mas q forma tem este virus li tudooooooo e n acchei pois no meu trabalho eu preciso sabe se alguem sabe me fala tipo tem forma cocos,estafilococos ou sei la o q

  16. Muito bom o texto, para quem queria um technotriller sobre o assunto, ele já existe, um belo livro chamado O Fator Hades de Robert Ludlum ( Identidade Burn ). Fica a dica.

Leave a Reply to Claudia Cancel reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *