Estamos vivendo uma procura cada vez maior por alimentos ditos naturais e orgânicos. O que a maioria das pessoas ignora é o quão artificiais e manipulados eles são.

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Meodeos, tenho um transgênico em casa! ©James Glover

ResearchBlogging.orgNenhuma planta está livre de toxinas. As que estavam, animais comeram e Darwin cuidou. As plantas que conseguimos comer ou perderam as toxinas por que nós selecionamos as que não tinham, ou desenvolvemos tolerância a elas. (se prepara que o post é longo)


Desde antes da agricultura nós selecionamos e modificamos as plantas
que comemos, ainda que involuntariamente. Imagine você,
caçador-coletor, 20 mil anos atrás, quando descobriu que se trouxesse
sementes para perto de sua caverna (ou mesmo sem descobrir, foi só
fazer suas necessidades por ali), cresceriam as mesmas plantas de onde
você as pegou. De que macieira você pegaria as sementes, da mais baixa
e com frutos mais doces, ou da mais alta com frutos mais azedos? Desde
esse singelo momento, começamos a selecionar e mudar as plantas que
cultivamos. E a julgar pela área que plantamos, foi o começo de uma das
relações multualísticas mais bem sucedidas.

Maize-teosinte.jpg

Teosinto, milho e híbrido entre eles. [fonte]

Antes de fazer cara feia para um transgênico – o termo correto é OGM
(Organismo Geneticamente Modificado) – olhe para a figura acima. A
planta da esquerda é um teosinto, o ancestral do milho moderno, à
direita. Nossa seleção, a intervenção humana, modificou uma planta
pequena, que dá de 5 a 12 sementes pequenas, duras e que caem quando
maduras. O milho passou a ser uma planta de um caule só, com até 500
sementes bem maiores por espiga, que não caem.

De bônus, ainda vem um genoma completamente mudado. Embora nossa seleção tenha sido visual, e através de cruzamentos apenas, o genoma do milho foi duplicado várias vezes. Isso mesmo, ele não foi apenas alterado, foi multiplicado [1].
E não é nada exclusivo do milho, diversas outras plantas cultivadas,
como a cana-de-açúcar, também possuem genoma poliplóide (várias cópias
de cada cromossomo).

É um alimento modificado ou não?

wildmustard.jpg

Se não achou drástico o suficiente, pense na couve. A couve,
a couve-flor, a couve-de-bruxelas, o repolho, o repolho roxo, o
brócoli, o brócoli romanesco e varios outros tipos de couve e de
brócoli são todos variantes de uma mesma plantinha, a mostarda selvagem.

Que inclusive é próxima dos diferentes tipos de mostarda que
conhecemos, e do nabo. Todas essas variedades foram criadas pelos seres
humanos, cada hora em busca de uma característica, folhas maiores na
couve, flores no caso da couve-flor e por aí vai. E garanto que os
híbridos (cruzamentos entre as variedades) e intermediários que deram
origem às variedades não são nada agradáveis de se ver.

Pior
ainda são os alimentos que crescem com enxerto, a laranja por exemplo.
A laranja que usamos para fazer suco foi selecionada por ter um fruto
bom, e não por crescer bem. Para acelerar o crescimento, corta-se um
galho de um pé de laranja com um fruto com, e ele é preso ao tronco de
uma laranjeira selvagem, que embora dê frutos ruins, cresce muito bem e
é resistente. Com isso, a metade de baixo da planta cresce bem e nutre
a metade de cima, que dá bons frutos.

O cacto que você viu lá no
alto é um exemplo de enxertia. A parte vermelha da planta não possui
clorofila, e só cresce por ser enxertada na parte de baixo,
fotossintetizante, que nutre ela. Confira aqui como é feito.

Pois
bem, uma pesquisa recente mostrou que ambas as plantas de um enxerto
trocam genes entre si. Genes do núcleo e de outra parte da célula, o
cloroplasto, responsável pela fotossíntese da planta. Logo, toda planta
enxertada, maçã, orquídeas, laranja, batata, tomate, caqui, pepino,
berinjela, melancia e muitas outras, são OGMs. Vou repetir em negrito
para os destraídos. Toda planta enxertada é geneticamente modificada! [2]

Ao
contrário dos OGMs produzidos em laboratório, tais plantas não passam
por nenhum teste, não são planejadas e não se faz idéia de que parte de
qual genoma foi parar onde. E antes que você me diga que estamos
misturando plantas próximas, ao invés de uma toxina por exemplo, digo
duas coisas. Primeiro, no OGM são um ou dois genes inseridos na planta,
mesmo porque ainda não temos técnicas refinadas o suficiente para mais.
Segundo e mais importante, plantas já contém toxinas, por exemplo, a
maçã produz açúcares capazes de liberar cianureto quando
digeridos pela barata (morte certa), enquanto nossa digestão não produz
esse veneno – e olha que não é qualquer coisa que mata uma barata.

Por que alimentos orgânicos não são a solução?

Antes
de tudo, que fique claro: como os alimentos orgânicos são cultivados
com adubo orgânico (estrume, o que inclusive requer um cuidado maior na
hora de lavar a salada), costumam ser mais ricos em vitaminas e
minerais. Se você tem dinheiro para comprá-los, são uma boa opção, até hamsters preferem.

Mas
(e é um grande mas) eles são totalmente impraticáveis em uma escala
mundial. O que permitiu e ainda permite o crescimento populacional
recente é justamente a revolução agrícola, com máquinas, fertilizantes
e agrotóxicos artificiais e a seleção de variedades. Orgânicos são mais
caros pois custam mais para serem produzidos. Requerem muito mais
cuidado com pragas, no manejo, na adubação. A produtividade é menor,
bem  como a escalabilidade do processo.

E não, por favor não
tente o argumento de que não temos um problema de falta de produção,
mas sim de distribuição. Primeiro, se a produção atual é suficiente,
ela é suficiente para a população atual, que tende a aumentar, e aí
surge a dúvida, aumentamos a produtividade ou a área plantada. Segundo,
a distribuição é desigual porque existem países mais ricos do que
outros, com pessoas com mais alimento e pessoas com menos alimento. Se
você acredita que o problema está na distribuição, você acredita que,
por exemplo, um americano vai topar comer menos, para que um nigeriano
possa comer mais. Isso não vai acontecer.

Nessa demanda por
mais alimentos, as variedades mais produtivas, OGMs ou não, vão ser as
mais cultivadas. Por poucas empresas, em um monopólio agrícola? Sim.
Variedades que podem favorecer a agressão ambiental, por suportarem
mais herbicidas, por exemplo? Sim. Acabando com a agricultura familiar,
dando chance apenas para quem tem condições de comprar máquinas
caríssimas, que tomam o posto de trabalho de milhares de pessoas? Sim.

E
nesse contexto, quem for privilegiado e puder comprar alimentos
orgânicos vai estar muito bem servido. Onde há demanda há produção, e o
mercado de comida cultivada de forma mais “natural” deve crescer. Mas a
grande maioria não pode entrar em um Pão de Açúcar e comprar uma
cenoura orgânica. Ainda mais no Brasil.

Se não investirmos em
tecnologia, desenvolvermos OGMs mais produtivos, estaremos à mercê de
quem o fizer. E atacar a tecnologia de transgenia por causa de uma
empresa como a Monsanto é como dizer que as pessoas não devem tomar
remédios por causa da farmacêutica X ou Y.

Aliás,
fica aqui uma boa dica. Para quem quer entrar de cabeça na onda de
produtos naturais, tente comer um morango selvagem, cozinhar o teosinto, ou domar (e ordenhar) um auroque.
São todos produtos muito naturais, não sofreram modificação nenhuma. Do
contrário, direta ou indiretamente, você está comendo um alimento
geneticamente modificado.

Update importante: Uma coisa não invalida outras. Acho que vamos ter que desenvolver alimentos mais produtivos, mas nada impede de se aplicar neles técnicas que sejam menos agressivas ao ambiente, como controle biológico e rotação de culturas. Quero dizer que não dá para abrir mão das técnicas mais recentes como transgenia e plantio em larga escala.

Fontes:

[1] Gewin
V
.
Genetically Modified Corn– Environmental Benefits and Risks.”
PLoS Biol 1(1) (2003):
e8.
doi:10.1371/journal.pbio.0000008
.

[2] Stegemann, S., & Bock, R. (2009). Exchange of Genetic Material Between Cells in Plant Tissue Grafts Science, 324 (5927), 649-651 DOI: 10.1126/science.1170397

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