Varíola, uma das maiores pandemias da história


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A varíola tem sintomas parecidos com o da gripe, que em cerca de 12 dias evoluem para vômitos, náuseas e, no fim, infecção generalizada da pele, onde causa bolhas ou pústulas, que deixam grandes cicatrizes chamadas bexigas. Daí o nome, varius em latim significa manchado. Mata de 20 a 60% dos infectados e, na maioria dos casos, deixa os sobreviventes marcados para o resto da vida.


Ela é causada por um vírus transmissível pelo ar. O vírus da varíola é um vírus de DNA, um dos maiores vírus conhecidos. O fato de seu material genético ser de DNA dupla fita foi determinante no sucesso da vacinação, uma vez que o vírus não muta muito e é bem suscetível à vacina. Surgiu na África, mais ou menos em 10 mil a.C., de um vírus que provavelmente veio do camelo (!). Até as múmias egípcias têm marcas na pele que sugerem varíola.

Variolação, a primeira vacina

Foi a doença precursora das vacinas, tanto antigas quanto modernas, uma vez que as pessoas perceberam que só contraíam varíola uma vez na vida. Na África e na Ásia, por volta do ano 1000, deixavam as cascas de feridas secando no Sol, uma ótima maneira de matar o vírus com radiação ultravioleta – embora não soubessem na época. A casca seca era pulverizada e inalada pelas pessoas, processo chamado de variolação. Os persas engoliam as cascas. Já na Europa, as pessoas esfregavam o pus das feridas na pele e dentro do nariz.



Claro que nem sempre a variolação funcionava. Em muitos casos, a pessoa desenvolvia a doença normal, com a letalidade e cicatrizes típicas. Nesse sentido, a técnica usada pelos Asiáticos (de secar e inalar) era mais segura e eficiente.


Frasco com material para variolação.

Foi para a Europa durante os séculos 6 a 8, levada por invasores árabes, e voltou nos séculos 11 a 13 por conta das cruzadas. Durante o século 18, cerca de 400 mil pessoas morriam por ano de varíola. No império romano, em 180 d.C., matou o imperador Marco Aurélio. Aliás, a lista de pessoas importantes mortas pela doença inclui vários reis e rainhas, da Inglaterra, Japão, China, Sião, Etiópia, Áustria, Espanha, Rússia, Suécia, França e outros (veja a lista completa na referência ao final do texto). Ainda no século 20, matava mais de 2 milhões de pessoas por ano.


Armas e germes

Mas ela acabou ajudando os europeus e tendo um papel decisivo na conquista das Américas. Embora em números absolutos a Peste Negra tenha sido a pior doença da antiguidade, proporcionalmente não foi. Claro que por ocorrer nos europeus, foi mais registrada e mais detalhada. Mas o estrago da varíola nas Américas foi muito pior:

Os europeus estavam em contato com a varíola por milênios, e grande parte da população era resistente à doença. Mesmo entre os que desenvolviam a doença, a maioria tinha os sintomas, desenvolvia as feridas, mas não morria. Já os nativos das Américas, nunca tiveram contato com com o vírus, e morreram aos milhões. Muito mais importante do que a pólvora ou as armaduras foram as doenças que os conquistadores trouxeram. Gripe, peste bubônica, tuberculose e, entre outras, principalmente a varíola.

Quando Hernando Cortes desembarcou no México, em 1518, havia cerca de 25 milhões de habitantes, principalmente astecas. Em 1620 eles eram 1,6 milhões.

O imperador Inca Huayna Capar e seu filho sucessor morreram de varíola. A disputa entre os dois irmãos dividiu o império, e contribui em muito para a conquista dos Incas por Francisco Pizarro, que com um exército de menos de 200 soldados derrotou um exército de 80 mil incas, matando mais de 7 mil deles sem perder um homem, e capturando o rei Atahuallpa – a estratégia foi muito boa, além de contar com armas de fogo (arcabuz) e armaduras e espadas de ferro, contra roupas de pano e bordões de madeira, a ordem era para que os soldados matassem preferencialmente os incas mais enfeitados, com mais penas, que eram os mais altos em comando.

Os americanos atualmente têm a imagem de que o interior do país era vazio, mas estão errados. Antes dos colonizadores chegarem, populações inteiras foram dizimadas por doenças, principalmente a varíola. Sumiram tribos indígenas inclusive do Brasil.  Sir Jeffrey Amherst, comandante das forças britânicas na América do Norte, escreveu em uma carta para o coronel Henry Bouquet em 1763 que explica muito sobre a importância das doenças até na conquista do oeste, recomendando que os cobertores distribuídos para os índios fossem esfregados nas feridas de doentes, guerra biológica. A mesma mortalidade se repetiu depois, na conquista da Austrália e Nova Guiné.


Vaccinia, a vacina

Por volta de 1780, um médico chamado Edward Jenner tomou conhecimento de que ordenhadeiras não tinham o rosto marcado pela varíola. Ele viu que as vacas tinham uma forma de varíola, a varíola bovina, que as ordenhadeiras contraiam mas desenvolviam sintomas mais leves, com pequenas feridas nas mãos, e nunca tinham a varíola normal. Em 1796, aproveitando que uma ordenhadeira tinha pego varíola bovina, ele raspou as feridas das mãos dela e inoculou em um menino de 8 anos – comitê de ética não era uma coisa tão popular na época. Depois de algumas semanas ele tentou variolar o garoto, expor ele à varíola normal, e o menino não desenvolveu nenhum sintoma. De vaca veio a palavra vaccinia, que virou vacina. Jenner tinha descoberto o uso do vírus atenuado, que não causa sintomas e protege da doença mais grave. Essa forma de vacinação, com um vírus atenuado, é usada até hoje para doenças como a pólio.

Fazendo uso do vírus atenuado, a varíola foi a primeira doença humana erradicada com a vacina. Em 1978, após uma campanha mundial de vacinação, ocorreu o último caso de varíola. Um fotógrafo contaminado em um laboratório americano, cujo professor responsável se suicidou depois que ele morreu. Os EUA mantiveram uma amostra de varíola no CDC (Cetro de Controle de Doenças), e a antiga URSS na Sibéria, ambos temendo o uso do vírus como arma biológica pelo outro. A OMS determinou que as amostras fossem destruídas em 1993, ninguém destruiu, depois em 1995, 1999 e em 2002 passou a determinar que as amostras fossem mantidas, para se desenvolver novas vacinas caso o vírus reapareça.

Rumores dizem que a Rússia teria deixado vazar algumas amostras do vírus, se não me engano isto é tratado no livro (ficção?) Demônio no Freezer, de Richard Preston, autor do ótimo Zona Quente. Nunca dei muito crédito pro assunto, até saber de um amigo próximo que viu de perto o local onde o vírus era guardado na Rússia. Segundo ele, o prédio não era uma unidade de armazenamento, e sim um bio-reator, local feito para produzir microorganismos. Vou ler o livro e conversar mais com esse amigo, quem sabe não tenho mais coisa para contar.

Fonte:

The Coming Plague: Newly Emerging Diseases in a World Out of Balance de Laurie Garret. Novamente esta referência constante. Além de Lassa, Cólera, Marburg, Ebola, HIV, também fala da varíola e da primeira erradicação de uma doença humana em 1978. Bem como da esperança que isso trouxe para o mundo.

Armas, Germes e Aço. Simplesmente um dos melhores livros que já li, se não o melhor. Completíssimo, o autor explica a história humana para justificar porque os europeus conquistaram o resto do mundo e não o inverso. Um livro de história e biologia muito denso, cada parágrafo tem informação relevante. É bem pesado para quem não esta acostumado.

Nicolau Barquet, & Pere Domingo (1997). Smallpox: The Triumph over the Most Terrible of the Ministers of Death Ann Intern Med, 127 (8), 635-642

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25 responses to “Varíola, uma das maiores pandemias da história”

  1. Nossa cara que texto bom!
    Bastante informativo e bem gostoso de ler.
    Eu já tinha ouvido falar dessas amostras do virus da varíola na Russia mas também nunca tina levado muito a serio diante da febre das teorias conspiratórias.
    E com certeza assim que possivel irei ler “Armas, Germes e Aço”, me parece agora uma leitura obrigatória para qualquer microbiologista…rsrsrsrs
    Parabéns

  2. Excelente post, muito legal ler sobre a guerra biológica na “conquista” das Américas!
    Fiquei muito curioso foi prá ler sobre essas instalações soviéticas, que venha mais material!

  3. Muito bom o texto, sempre achei muito interessante ler sobre essas doenças que assombraram (e assombram) a humanidade.

  4. Caro Átila, depois que descobri esse blog fiquei fã. Falando de varíola gostaria de saber se o amigo pode tecer uns comentários sobre o livro “o demonio no freezer” que trata disso.
    Abraço

  5. So para corrigir…
    O ultimo caso foi na Inglaterra onde um funcionario que manipulava o virus deixou escapar uma amostra que foi pelos dutos de ar e vitimou um professor da área, e quem se suicidou foi o funcionário. E o ultimo caso natural aconteceu em 1977 na Somália.

  6. Parabéns Atila, esse post é realmente muito bom!
    Sobre o livro, armas, germes e aço eu procurei no google e encontrei o documentário, você acha que vale a pena eu assistir apenas o documentário?

  7. @Amanda
    Ouvi falar muito bem do documentário. Assiste, se você gostar do tema, vale a pena comprar o livro, que tem os nomes e dados de tudo que ele levanta. São muitos detalhes pra guardar só de ver o vídeo.

  8. Meu nome é Ingredy e com 3 anos de idade infelizmente eu obtive esta doença, sofri muito tive 3 paradas cardiacas infecção generalizada, meus cabelos e unhas cairam, enfim até hoje tenho marcas pelo corpo, porem consegui sobreviver.
    Postei este comentario para que as pessoas que ler saibam que está doença é muito trise porem eu obtive a cura!

    • Eu também tive essa doença quando era pequena. Eu não consigo me lembrar de muita coisa, mas eu consigo me lembra que a dor era muito forte e que grita toda vez que tocavam em mim, não conseguia me mexer direito, passei semanas deitada e levantava com muita dificuldade.Eu não me lembro de mais nada, mas a minha mãe me disse que eu tive catapora e sarampo também e que tinha febre muito alta. E agora aqui estou viva e com saúde (e com as cicatrises tbm ), Tenho 16 agora!! Graças a Deus estou viva!!! ^^

  9. Muito bom o texto!! Mas gostaria q falasse um pouco mais sobre as consequencias, principalmente motorAS!!
    Sou terapeuta ocupacional e necessito saber algo sobre isso!
    desde já sou grata!
    🙂

    • muito legal,ja li esse livro qando estava na faculdade de biologia e essahistoria é bem parecida com as nossas la no laboratório kkkk

  10. eu, hein! as doenças vêem e passam… a aids, que é recente, vai passar, tal como a peste bubônica, varíola etc… o que acontece ou pode acontecer é um remeke de tudo outra vez, e não adianta culpar um país pelo retorno da varíola, mas sim a ambos, pois eua e russia possuem amostras da varíola…

  11. Olá, sou estudante de enfermagem, e estou no momento pesquisando sobre Varíola, para um trabalho, achei o texto excelente, muito agradecida pelo conhecimento passado! Atila parabéns, vou te mandar um e-mail. Abraço

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