Fazendo o gosto dela – Seleção sexual


Este texto é complementar ao meu outro post no Papo de Homem*. Lá trato da evolução do cafajeste, como a seleção sexual pode deixar o mais forte de lado e favorecer homens que tenham filhos fora do relacionamento, e um exemplo de alguém muito bem sucedido nessa empreitada. Aqui trato de como a preferência de fêmeas na seleção sexual pode surgir.

*Assim que o texto sair lá, atualizo aqui com o link

ResearchBlogging.org
A seleção sexual não é uma grande novidade, o próprio avô de Darwin, Erasmus, já havia comentado sobre ela. [1] Mas uma dúvida bem pertinente é porque ela ocorre, ou pelo menos, o que é selecionado. Afinal, por que a fêmea acha um macho mais sexy?

Duas teorias diferentes podem explicar isso. Fisher propôs a teoria do gene sexy. Ele propõe que, qualquer que seja a característica selecionada pelas fêmeas, se ela for produto de um gene, esse gene deve se tornar comum na população simplesmente por ser escolhido. Uma fêmea que escolha um macho com o gene sexy terá filhos portadores do gene sexy que serão escolhidos por mais fêmeas, propagando-o.
A outra teoria é a dos bons genes. Segundo ela, quando as fêmeas escolhem uma característica, estão escolhendo um reflexo de boa saúde do macho. Por exemplo um macho com penas bem vermelhas, que usam caroteno para ter tal cor. Só um macho bem saudável tem caroteno disponível para “desperdiçar” nas penas. Assim, quem escolher o macho mais vermelho terá filhos mais saudáveis e será favorecido pela seleção natural.

Seja qual for o motivo, bons genes ou genes sexys, as características que foram selecionadas nas aves do paraíso as tornam impressionantes. Cenas do Planeta Terra da BBC.

Ambas as teorias parecem estar certas. Tudo depende do custo envolvido na escolha. Quando não é custoso para as fêmeas escolherem, como em aves que se reunem em em rodas de exibição com vários machos, o gene sexy pode prevalecer, como a cauda do pavão. Já nos casos em que escolher custa recursos, seja visitando vários machos ou se expondo a predadores para se exibir, a característica selecionada precisa ter um valor agregado, ser um gene bom.

Mas nenhuma das duas teorias explica como uma característica começa a ser selecionada. Por que as fêmeas escolhem a cor da asa, o canto ou qualquer outra coisa? De onde vêm a preferência?



Veja o caso do sapo Physalaemus pustulosus: o macho possui um chamado mais longo (algo como o som uimmm) seguido de uma estridulação ao final. Fica meio complicado explicar, veja o vídeo e aproveite a cantoria:

Como na maioria dos sapos, o canto serve para atrair as fêmeas. Já nas espécies mais próximas, os machos não fazem o segundo padrão. O canto deles tem apenas o uimmm do começo. Agora o fato bizarro.

Ao tocar o canto do P. pustulosus em caixas de som para as fêmeas de outras espécies próximas, elas preferiram o canto dele! Elas preferem o canto que têm a estridulação no final, mesmo nunca tendo ouvido aquele chamado na vida, pois sua própria espécie não o produz. Ou seja, elas já possuem algum circuito nervoso que dá preferência para o canto, mas apenas P. pustulosus machos a exploram.

Já há um viés de preferência nas fêmeas, que conseguem escutar aquela frequência e preferem, mas os machos das outras mais de 40 espécies do mesmo gênero não conseguiram usar isso. [2]


Xiphophorus.jpg

Plati (esquerda) e espada (direita), só o espada possui o prolongamento da cauda, que dá esse nome a ele.

Outras espécies apontam para o mesmo. Em peixes do gênero Xiphophorus, apenas o espada possui um prolongamento na barbatana anal. Quanto maior o prolongamento, mais sucesso o dono faz. Nas espécies próximas, como o plati, em que não há a mesma cauda, o viés se repete. Se são colocadas caudas artificiais nos machos, eles fazem mais sucesso. Novamente, em espécies onde a cauda não ocorre, as fêmeas preferem algo que nunca viram antes. Provavelmente porque preferem machos de tamanho maior.

Em mais e mais espécies, de aves com cantos mais elaborados a ácaros com apêndices especiais nos pedipalpos, encontramos características em uma espécie que não estão presentes em outras do mesmo gênero, mas fazem sucesso entre elas. Trata-se daqueles que conseguiram explorar uma tendência já presente.

A implicação disso é que, a preferência por um padrão já se encontra nas fêmeas, de acordo com os sentidos mais utilizados. Pode ser o caso dos olhos da cauda do pavão, aves que se baseiam na visão e precisam estar atentas aos olhos dos predadores, e aquela cauda com certeza chama a atenção. Sentidos e circuitos nervosos que já são usados, para a busca de comida por exemplo – como o tato das aranhas – são desviados ou aproveitados para a função sexual. O que é esperado, já que nossos recursos sensoriais são limitados. [3]

Nada mais fiel à evolução. A preferência das fêmeas já está lá, e os machos nascem com pequenas variações. Aquele que tiver uma barbatana de uma cor nova, ou um canto mais refinado, vai ser preferido por fêmeas e ter mais decendentes do que os competidores da mesma espécie que não possuem aquilo. Com o tempo, o gene se torna tão comum que o sucesso de todos os machos fica bem parecido, e aquele que nascer com uma outra característica recomeça o ciclo.

Afinal, elas gostam de ser surpreendidas.

Fontes:

[1] Smith, C. U. M. “Erasmus Darwin saw sexual selection before his grandson.” Nature 459, no. 7245 (Maio 21, 2009): 321. DOI:10.1038/459321d

[2] Ryan, M., Fox, J., Wilczynski, W., & Rand, A. (1990). Sexual selection for sensory exploitation in the frog Physalaemus
pustulosus Nature, 343 (6253), 66-67 DOI: 10.1038/343066a0

[3] Ryan, M. (1998). Sexual Selection, Receiver Biases, and the Evolution of Sex Differences Science, 281 (5385), 1999-2003 DOI: 10.1126/science.281.5385.1999

,

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *