H1N1 e o que estamos aprendendo


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©hmerinomx

Acho que já correu bastante água por baixo dessa ponte, de forma que podemos tirar algumas lições da pandemia atual. Um pouco do que já sabemos e do que não sabemos:

Não sabemos a real letalidade e faixa etária que a doença atinge.

Muito do que estamos descobrindo sobre a gripe suína (já disse e repito, H1N1 ou gripe A não são nem um pouco específicos) é inédito, e a comparação com outras variantes de gripe é errada ou incompleta. Como bem lembro o Karl, não podemos dizer com certeza o quão diferente esta pandemia é, pois não sabemos como as outras são ou foram.
Temos poucos registros de quantas pessoas realmente são infectadas por outras gripes, nunca tantas pessoas com sintomas foram testadas para influenza. Além do fato de que muitos não apresentam sintomas e não estão sendo diagnosticados atualmente.

[update] Embora, como disseram o Carlos e a Lucia, esta gripe está atingindo mais jovens.


Não sabemos o ciclo sazonal do Influenza.

Esta afirmação é válida para o Brasil e para o mundo todo. Não sabemos como o Influenza circula de fato. É normal uma variante de gripe surgir em um país tropical? Até onde achamos que novas linhagens surgem em países de clima temperado por que de fato isso acontece, ou será um viés de quem testa e faz mais diagnósticos?

Qual a rota do vírus, e com que frequência ele entra no Brasil? Se queremos saber quais são as linhagens de influenza que podem vir a circular no país, e com que velocidade, precisamos de programas de vigilância que coletem pacientes o suficiente para detectarmos as variantes mais raras, que estão sob o radar este ano, mas podem se tornar mais importantes nos anos seguintes.

Não estávamos acompanhando todos que mereciam atenção.

Muito da vigilância de influenza, a coleta e sequenciamento de variantes, era direcionada a pessoas e aves. Culpa do medo do H5N1, mas em parte algo bom, pois foi depois do surgimento da gripe aviária que passamos a ter uma vigilância mais presente.

O acompanhamento de vírus suínos era o menor de todos, e isso gerou uma dificuldade na hora de se comparar a sequência do novo H1N1. Nosso conhecimento sobre linhagens suínas foi insuficiente para termos uma noção clara de onde ele veio e por quanto tempo circula em humanos.

O processo de produção de vacinas é MUITO lento.

Ainda dependemos de um processo desenvolvido há muito tempo. Inocular o vírus em ovos de galinha, esperar que ele se replique, passar para mais ovos. Toma muito tempo. Seis meses para o desenvolvimento e distribuição é muito tempo quando se trata de uma pandemia perigosa. Muito ágil pelos métodos e a escala que usamos, mas muito tempo para o vírus.

Esse tempo longo traz dois grandes problemas. O mais óbvio é a largada que o vírus ganha, entramos na corrida contra ele com meses de atraso, vantagem para que ele já tenha infectado um grande número de pessoas em vários países e tenha entrado na fase exponencial de infecção. Além disso, meses são um período de tempo suficiente para que o vírus mute a ponto de a vacina perder sua eficácia, corremos o risco de que, quando a vacina for distribuída, a proteção que ela proporciona já não seja grande.

O mesmo vale para o diagnóstico, que ainda demora e consome muitos recursos, e se torna impraticável quando aumenta muito o número de casos suspeitos.

Temos poucos remédios contra o Influenza. E não sabemos como usá-los

É muito complicado desenvolver uma droga contra um vírus, já que grande parte das proteínas que ele usa são da célula invadida. E o que temos hoje parece ser insuficiente para conter um surto de gripe.

O H1N1 circulando atualmente já é resistente a uma classe de antivirais, os inibidores do canal M2, como a amantadina, e ainda tem propenção (valeu Lu!) propensão a resistência ao Oseltamivir. Estaríamos muito mais confortáveis com um grupo de drogas, como o coquetel anti-HIV, que permitiria que um paciente fosse tratado com várias ao mesmo tempo, minimizando as chances do surgimento de resistência a uma delas.

Também não sabemos a melhor forma de administrar os antivirais. Por um lado, liberar o acesso ao Tamiflu (ou ao Relenza) é garantia de uma escalada de preços, falta de remédios nas farmácias, e pior, uso indiscriminado. Pessoas tomando o medicamento por prevenção, ou ao sentir qualquer coisa que possa ser um sintoma. Garantia certa de gerar um ambiente vantajoso para um vírus resistente, que terá uma vantagem sobre linhagens sensíveis e poderá se espalhar.
Por outro lado, os antivirais são eficientes durante os primeiros dias da infecção, quando o vírus está se replicando ativamente. Contar com o sistema de saúde público, testes e diagnósticos pode ser garantia de um acesso tardio ao medicamento. E não digo que isso está acontecendo agora (sinceramente, não sei) mas pode muito bem ser o caso, na medida em que mais pessoas forem infectadas e mais casos graves surgirem.

Não somos capazes de conter uma pandemia.

Essa é a verdade mais evidente. Muitas pessoas não apresentam sintomas da gripe, apesar de serem portadoras do vírus e transmitirem para outros. Some isso a uma vigilância deficiente – em todos os países, monitorar fronteiras é algo muito complexo, além dos aeroportos temos os portos marítimos e rodoviárias – e heterogênea, com países que monitoram ativamente suas fronteiras e vizinhos que não têm a mesma capacidade ou interesse e você terá a situação atual. Não temos condições de impedir um vírus tão facilmente transmissível quanto o Influenza.

Por fim, algumas conclusões.

Até agora, estamos diante de uma pandemia preocupante, mas não gravíssima. A gripe suína não está tão diferente de uma gripe sazonal, e embora possa infectar mais pessoas, não chega nem perto dos mais de 50% de letalidade do H5N1.

Como numa guerra, nenhum planejamento sobrevive ileso à experiência prática, mas felizmente estamos aprendendo com um vírus que permite deslizes. Vamos aprimorar nossos métodos, desenvolver novas drogas, novas vacinas e, mais importante, vamos ter mais dados que permitirão melhores decisões.

Com certeza haverão outras linhagens de Influenza que vão nos preocupar, e o que estamos fazendo agora vai ser fundamental para estarmos mais preparados.

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16 responses to “H1N1 e o que estamos aprendendo”

  1. Muito esclarecedor!
    Precisamos de mais informações chegando e se espalhando rápido como o próprio vírus, cansa ver as autoridades na televisão dizendo que está tudo sobre controle, ou pior os médico mudos diante das perguntas.
    Engraçado que um viral de um filme se espalhe mais rápido que informações necessárias.
    Pedir pro pessoal dar RT no twitter vamo ver.
    Vlw

  2. Atila, acho que temos uma boa certeza de que pessoas mais jovens têm maiores taxas de internações que as mais velhas, não? Pelo menos comparada com as variedades atuais.

  3. A esta altura do campeonato, seria interessante termos informações sobre fatos, no mínimo curiosos:
    Até agora não foi divulgado nenhum HIV+ com gripe suína;
    Os idosos são menos afetados (relação com a vacinação para maiores que 60 anos??)
    De todos os pacientes que infelizmente vieram a óbito, quanto receberam o antiviral até 48h após os sintomas?
    Pode ser que as estratégias estejam equivocadas não acha? Ou as informações incompletas…..
    Parabéns pelo blog

  4. ahhh meus amigos, o que aprendemos é que se aparecer um vírus de alta letalidade e transmissibilidade estamos todos perdidos. A maior exemplo: se o virus da AIDS sofrer mutação e ser transmitido através do ar.

  5. Acho que precisamos normalizar os números pela população de cada faixa etária e grupo de risco.
    Ou seja, tem que dividir o número de mortos jovens saudaveis pelo numero de jovens saudaveis, o numero de mortos com HIV pelo numero de pessoas com HIV, o número de mortos idosos pelo número de idosos na população etc.

  6. E praticamente impossível um médico identificar em pessoas “fora” dos grupos classificados como de risco, se o caso vai evoluir para grave ou não.
    Uma pessoa jovem e saudável, igual a muitas que já morreram pela gripe , procuraram o nosso precário serviço de saúde e foram mandadas para casa sem o antiviral Tamiflu (o único medicamento que se tomado nas primeiras 48 hs detém o vírus) dias depois voltaram para os hospitais em estado grave e morreram. Se tivessem sido medicadas com o Antiviral Tamiflu estariam vivas. Medicar com o Tamiflu depois que o estado de saúde da pessoa evolui para grave, não adianta mais!

  7. Prezados, sou médico e trabalho em uma emergência na Barra da Tijuca no Rio de Janeiro.
    Alguns fatos que posso somar:
    1- a testagem para gripe suína parou de ser realizada, exceto para casos “graves”, quando não tem nenhuma utilidade clínica e nem estatística.
    2- por dados de colegas em toda a cidade, o atendimento de casos de “gripe” aumentou em mais de 1000% nas emergências, como os critérios do SUS para suspeita de gripe suína são tosse e febre, praticamente todos estes seriam casos suspeitos.
    3- todo vírus tem populações específicas. A capacidade de contaminar e gerar sintomas varia muito de um fenótipo para outro. Portanto escolher quem testar baseado em sintomas e/ou gravidade dos sintomas é absolutamente inútil para avaliar a extensão da epidemia. Seguramente temos portadores assintomáticos e oligossintomáticos, que nem sequer pensaram estar com o terrível vírus suíno.
    4- levando tudo isso em conta e a disseminação extremamente fácil do vírus, acredito – opinião pessoal – que o vírus JÁ está completamente disseminado no Brasil e muito provavelmente todo brasileiro terá contato com ele nos próximos dois meses.
    5- segundo o pessoal da Fiocruz, o vírus é altamente imunogênico, ou seja, uma vez infectado, o indivíduo está protegido contra futuras infecções. Se assim for, o vírus desaparecerá tão rápido quanto surgiu.
    6- e mais importante: o episódio deixou claro que, pelo paradigma atual, a raça humana está absolutamente exposta a novos vírus. Não houve controle, diagnóstico ou tratamento adequados em nenhuma parte do mundo – até onde acompanhei. Se fosse o vírus da gripe aviária em uma nova mutação, mais contagioso, teríamos hoje CENTENAS DE MILHÕES de mortes ao redor do mundo.
    Sds.
    Bruno Vettore

  8. Muito do que estamos descobrindo sobre a gripe suína … é inédito, e a comparação com outras variantes de gripe é errada ou incompleta.
    Não estávamos acompanhando todos que mereciam atenção.
    Não foi o que o ministro da saúde disse em entrevista ao Jô Soares. A gripe A só entrou no país através de pessoas portadoras de doenças e não por falta de vigilância nos portos, aeroportos etc.
    Tanto é que o país demorou a ter casos de pessoas doentes em relação ao México por exemplo.
    O processo de produção de vacinas é MUITO lento.
    Temos poucos remédios contra o Influenza. E não sabemos como usá-los
    O ministro da saúde disse que há um grande estoque de vacina contra a gripe A.
    Não somos capazes de conter uma pandemia.
    Segundo o ministro da saúde, uma vez que a doença entrou em território nacional não há mais o que fazer. Até agora o vírus não vitimou mais que a gripe “comum”.

  9. Atila, desde que descobri o teu blog virou rotina passar por aqui e ver o que está sendo postado…
    Já divulguei pra vários amigos que estavam com dúvidas sobre a gripe suína e eles, assim como eu, ficaram muito satisfeitos com as explicações fornecidas por ti através do blog. Parabéns!
    Já tinha lido o post, mas agora surgiu uma dúvida:
    Esses remédios que estão sendo utilizados para tratar a gripe A já foram usados em outra ‘oportunidade’? Ou essa é a primeira vez?
    Já se conhece os efeitos causados em fetos cujas mães são tratadas com estas medicações, por exemplo?
    hehehe, só curiosidade.. [;
    valeu, até mais.

  10. @Fernanda,
    O Tamiflu é ativo na neuraminidase de quase todos os tipos de Influenza, apenas algumas linhagens, como um H1N1 que circulou nos EUA no começo do ano, possuem resistência. E já foram usados para várias outras gripes.
    Quanto aos efeitos colaterais, são conhecidos sim, uma vez que as grávidas são as primeiras da lista de indicação, mas não sei te dizer quais efeitos podem haver.

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