Aprendendo a piar


Twitter, twitter, twitter… Mas afinal, por que se fala tanto dele e o que raios ele tem a ver com Biologia?

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Twitter é a bola da vez, não dá para negar. Muitos já passaram do
estágio “não uso essa besteira” para o “vou dar uma olhada, falam
demais disso” e “até que há coisas interessantes para fazer, consigo
ver uma utilidade no twitter”. E não, você não
vai escapar de ler sobre o Twitter nem aqui, um blog de biologia. Mas
prometo tratar do assunto de outra forma, o surgimento de linguagens:

A língua crioula

Muitos fazendeiros adotavam uma estratégia sacana para conter seus escravos. Formavam os grupos de trabalho o mais heterogêneos possível, juntando pessoas vindas de diferentes países, de forma que poucos ou ninguém falasse a mesma língua, o que dificultava rebeliões e fugas.

Com isso, os escravos tinham uma grande dificuldade de se comunicar. No começo, usavam as poucas palavras que todos conheciam, geralmente vindas da língua dos senhores. São as chamadas línguas francas, extremamente pobres e carentes de regras gramaticais, que exprimem apenas o básico.

Com o passar do tempo, novas palavras são acrescentadas, um misto das línguas dos escravos e línguas do local. As crianças, que ainda estão no período sensível de aprendizado, vão acrescentando às palavras regras gramaticais, tempos verbais, inflexões, declinações, e a língua vai se tornando mais completa. No passo de uma geração, a língua franca se torna uma língua real e completa, a língua crioula. A língua crioula surgiu em diversos países, principalmente na América Central, por conta desta mistura de escravos do plantio de cana-de-açúcar.

Na ilha de Curaçau, por exemplo, se fala uma língua crioula chamada
papiamento. Alías, papiamento quer dizer fala em papiamento (entendeu?). O verbo ir, Bai, não possui flexão de tempo. No
futuro, recebe um lo derivado de logo, lo mi bai. No passado, mi a bai,
eu já fui. Yiu é uma criança da família, logo, yiu hombre é filho e yiu
muhé
é filha. Sintético, mas funciona muito bem. 

Uma linguagem de sinais

Na década de 1980, o governo nicaraguense resolveu ensinar às crianças surdas e mudas do país a linguagem de sinais. Para isso, criaram um colégio específico para onde eram mandadas as crianças com necessidades especiais.

Porém, os professores tentavam ensinar
as crianças a se comunicar usando a soletração de palavras, e não
símbolos. Uma atitude de quem nunca precisou se comunicar por sinais. Explico a diferença: a maioria das linguagens, como o português, é silábica. Nossas palavras são formadas por sílabas. Já as linguagens de sinais são simbólicas. Cada palavra não é composta por pedaços, mas sim um símbolo completo. Carro não é simbolizado por Car + ro  e sim por um símbolo de carro, que não pode ser decomposto.

Tente falar a frase “Fui ao supermercado” soletrando cada letra, ou as sílabas, e entenda a dificuldade que é. Se você tem um símbolo de mercado e gesticula que eu + ir + mercado, é muito mais eficaz.

As crianças tiveram óbvia dificuldade em usar a linguagem
soletrada que os professores estavam aplicando, mas nos corredores
utilizavam sinais para falar entre si. Os sinais eram trazidos de casa,
da comunicação com familiares. A cada nova geração de crianças que
entravam na escola, novos sinais eram trazidos e enriqueciam a língua.

Num primeiro momento, a linguagem era bem simples e rudimentar, algo como a língua franca. Mas a cada ano, com a entrada de novos estudantes, as crianças mais novas enriqueciam a língua, desenvolviam regras gramaticais e davam novos usos às palavras.

Aos poucos, surgiu uma nova língua de sinais nesse colégio da Nicarágua. Ao invés das crianças aprenderem o que os professores tentavam ensinar, criaram uma linguagem completa elas mesmas. Sim, completíssima, com todos os tempos verbais, declinações e tudo o mais. Uma demonstração fantástica de que as bases da linguagem estão gravadas em nosso cérebro, e que o período mais sensível a aprender e dar uso a ela é a infância.

E o twitter nessa?

O Twitter foi concebido pelos autores como uma forma de comunicar o que se está fazendo em tempo real, para várias pessoas. A princípio pelo celular, daí a restrição de 140 caracteres. Ninguém, nem quem concebeu o sistema, imaginava que ele pudesse ter tantas formas de uso.

Hoje em dia o Twitter serve para lojas anunciarem produtos, debates, narração de eventos, divulgação, conversa, contato com novas pessoas e muito mais. Tanto que a mensagem original “O que você está fazendo agora?” foi trocada por algo como “Compartilhe e descubra o que está acontecendo agora, em qualquer lugar”.

E ainda há muitas funções para ele que não conhecemos, simplesmente porque ainda não foram concebidas. A cada novo usuário, a cada nova geração, outras formas de uso são inventadas, e o que podemos fazer é acompanhar e usar a ferramenta.

Estamos aprendendo a falar no Twitter, assim como estamos aprendendo a falar via Internet. E você pode não saber, mas ainda vai fazer muito uso destes piados. Nestas horas, medo deve ser substituído por curiosidade.

Fontes:
Pare de se preocupar e aprenda a amar a Internet – Texto do Douglas Adams que deu toda a base para o que escrevi
Dinossauro no Palheiro – Stephen Jay Gould

O Livro de Ouro da Evolução – Carl Zimmer
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