Antibióticos e a falta de controle


Há algum tempo atrás, falei sobre as premissas que estão implícitas em uma
hipótese científica. Agora, vamos ver a importância de se ter um
controle nos experimentos.

Disco de inibição por antibióticos

Teste de inibição por antibióticos. Cada pastilha branca contém uma concentração de determinado antibiótico que pode impedir a bactéria de crescer, formando os anéis mais transparentes.

ResearchBlogging.orgImaginem que eu resolvi partir para a
ciência Globo Repórter (alterna entre saúde/alimentação, ambiente e emprego) e quero desenvolver drogas que combatem o câncer
– como se câncer fosse uma coisa só. Eis que, após um processo árduo de
triagem de compostos, eu encontro uma molécula promissora. Vamos
chamá-la de fator X.
Melhor não, fator X tem conotação de droga que
causa mutações em todo filme. Vamos chamá-la de poção Gummy.

Em
testes com células tumorais em cultura, eu percebo que minha poção
Gummy consegue matar 99% das mesmas. Prêmio Nobel a caminho! Consegui
matar 99% das células tumorais com uma pequena dose de poção Gummy! Vou
publicar um artigo relatando minha descoberta no grande periódico
Tibiriçá News and Chemical Agents.

Mas, um dos revisores me pergunta
qual a letalidade da minha poção Gummy em células normais, não
tumorais. Humm, interessante, esqueci este detalhe…

Ao jogar a poção em um frasco com células normais, descubro que ela
mata 100%. Ok, adiem o Nobel. Patentear água sanitária como
quimioterápico não deu certo.

O que me faltou em meu
experimento? – Além de noção e vergonha na cara? – Me faltou o
controle. Experimentos científicos precisam de algo que os MythBusters
nunca fazem, os controles positivos e/ou negativos. Eles são experimentos muito parecidos com o
que se quer testar e servem para garantir que o efeito observado é causado
pelo proposto, e não por qualquer outra coisa.

Controle
negativo é aquele onde você vai repetir quase tudo o que fez, mas sem o
“princípio ativo” do seu experimento. No meu caso, seria
testar as células tumorais com a água que dissolvi minha poção
meu hipoclorito para ver se apenas a água já não interfere nos
resultados que obtive. Também precisaria testar meu princípio ativo em
outro tipo de célula, normal, para garantir que os efeitos que estou
observando acontecem apenas em células tumorais, e não no corpo todo.
Não que isso seja 100% garantido, quimioterápicos comuns costumam ter
efeito sobre células normais, mas muito mais severos em células
tumorais, de forma que cumprem o seu papel.

E acontece esse tipo de coisa em artigos? Opa, claro:

Resistência
a antibióticos por bactérias é uma das maiores preocupações da medicina
moderna. Bactérias capazes de sobreviver ao tratamento são um problema
crescente, principalmente em hospitais, pois em alguns casos droga
nenhuma é capaz de ajudar o paciente e pouco se pode fazer além disso.
Em um estudo sobre a prevalência de resistência a antibióticos na
China, pesquisadores resolveram buscar o gene da ß-lactamase, uma enzima que degrada antibióticos como a penicilina..

Normalmente, o que se faz é coletar uma amostra – com aquele cotonete
que o povo do CSI usa – e cultivar as bactérias em um ambiente que
contém antibiótico. Assim, quem crescer é resistente. Mas há algumas
desvantagens neste método: só se pode fazer isso com bactérias
cultiváveis, as que não crescem em meio de cultura escapam do teste e,
organismos que tenham crescimento lento podem demorar semanas para
crescer e dar o resultado. Daí a idéia de se detectar o gene de
resistência.

Detectar um gene conhecido é uma tarefa relativamente simples. Basta
sintetizar um pedacinho da sequência do gene conhecido como primer. O
primer vai servir de “semente” para a sequência de DNA que se quer
detectar. Se ela estiver presente na amostra, o primer vai se ligar a
ela e uma polimerase de DNA – enzima que faz a cópia de moléculas de
DNA – vai extender aquela região, que vai ser detectada depois.

A bactéria escolhida foi a Streptococcus pneumoniae,
bem comum em nosso sistema respiratório, mas com potencial para graves
problemas de saúde como pneumonia, meningite e infecções em vários
outros órgãos. Os pesquisadores detectaram uma frequência assustadora
do gene em 91% dos isolados.
Assustadora não só pelo grande número,
este gene de resistência nunca havia sido encontrado neste tipo de
bactéria. Os genes foram sequenciados e depositados no GenBank (aliás, ainda estão lá).

Acontece que os pesquisadores esqueceram de um pequeno detalhe. Eles
não realizaram o controle negativo de utilizar uma amostra sem
bactérias para testar se encontravam o gene lá também. Para amplificar
o DNA colhido, eles utilizaram uma enzima chamada Taq polimerase, uma polimerase de DNA de bactéria termófila (Thermus aquaticus, que sobrevive em temperaturas de até 70°C) capaz de aguentar as variações de temperatura utilizadas no procedimento PCR. E ela traz alguns poréns.

Os fabricantes de Taq não utilizam a T. aquaticus para fazer mais enzima, eles inserem o gene da enzima em outra bactéria, a E. coli, muito mais fácil de cultivar. E como eles sabem que a E. coli
possui este gene que inseriram? Junto da Taq, colocam um gene de
resistência a penicilina e adicionam penicilina ao meio de cultura para
impedir outros microrganismos de crescerem. O mesmo gene que foi
detectado em Streptococcus pneumoniae. Exatamente o mesmo. O gene de resistência que encontraram na verdade era um contaminante.

Se eles tivessem utilizado um controle sem bactérias no experimento,
veriam que ainda ocorre a detecção do gene de resistência. Justamente
porque a Taq estava contaminada com ele. E todos os resultados
que tiveram foram decorrentes disso.

Agora eu pergunto, quantos outros
não encontraram genes de resistência por pura e simples contaminação, simplesmente por que não fazem o controle negativo?

Fonte:

Koncan, R., Valverde, A., Morosini, M., Garcia-Castillo, M., Canton, R., Cornaglia, G., Baquero, F., & del Campo, R. (2007). Learning from mistakes: Taq polymerase contaminated with -lactamase sequences results in false emergence of Streptococcus pneumoniae containing TEM Journal of Antimicrobial Chemotherapy, 60 (3), 702-703 DOI: 10.1093/jac/dkm239

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8 responses to “Antibióticos e a falta de controle”

  1. Cara, que mico, tinha lido essa historia e deu muita VA… Essa semana mesmo estava falando sobre isso com um dos IC do lab sobre controles.

  2. Acho que você está sendo injusto com os Mythbusters. Em muitos episódios eles fazem o controle. Em outros não há a necessidade de controle porque estão apenas querendo saber se uma dada condição específica tem ou não um resultado.
    Claro, não é aquele teste científico rigoroso – em geral não fazem réplicas.
    []s,
    Roberto Takata

  3. vamos voltar ao que importa… aquele papo ali de agua sanitaria… bora fazer uma endovenosa?? to topando tudo!!!
    =\
    mas quem será q PAItrocina esses estudos sem controle? algum laboratório que fabrique um remedinho que combata as beta lactamases?? se eu colocar pânico em todo mundo, dizendo que todo strepto produz beta lactamase, eu vou vender pra caramba !!
    antes da chegada do aquecimento global, nóis vamo ficar ricoooo!!! e daí , pressão seletiva… ah que bobagem, urso polar sabe nadar… depois a gente vê o que faz, negócio que eu vou ficar rico!
    ah… minha filha tá doente, pegou pneumonia na escola de alto padrão trilingue que ela freqüenta.. medico, hospital uti!
    ‘desculpe senhor a bactéria da sua filha é resistente a quase todos antibióticos existentes e o antibiótico que estamos usando nela, se ela sobreviver, vai deixa-la surda e com sérios problemas renais por resto da vida…”
    ponto final.

  4. É praxe laboratórios fazerem teste de resistência, é importantíssimo, principalmente em lugares que já possuem histórico de bactérias como MRSA. E dá-lhe pressão seletiva…

  5. Oi Atila,
    Que META blog este seu hein?
    Pergunto:
    Ocorre alguma relação entre o surto de hn1 e o uso de farmacos antimicrobianos no trato da pneumonia em porcos, aves,etc(quanto a efeitos secundários).
    Existe algum estudo sobre a mutação dos genes decorrente do trato com esses farmacos, que possa ser relacionado com a h1n1?
    E ainda…
    De acordo com uma edição especial da revista médica The Lancet, dedicado à mortalidade infantil, a pneumonia é a doença que mais mata crianças no mundo, fazendo cerca de 2 milhões de vítimas anualmente.
    Segundo a publicação, a doença mata mais do que a AIDS, malária e sarampo juntos, embora tenha menor atenção da mídia e dos gestores de saúde pública.

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