A discussão sobre a ciência dos vampiros me despertou para uma discussão muto mais pertinente. Nossa defesa contra os zumbis não funciona mais. Entenda:


Se não pode com eles, junte-se a eles.

O Kuru

ResearchBlogging.orgO Kuru é uma doença que atingiu o povo Fore, de Papua-Nova Guiné. Parecido com a Doença de Creutzfeldt-Jakob, seu nome significa tremor, um dos sintomas. Ocorria principalmente entre crianças e mulheres, e sofreu um grave declínio após a proibição do canibalismo na década de 1950 pelos colonizadores ingleses. Mas como uma doença neurodegenerativa estava envolvida com canibalismo?

Com a Encefalopatia espongiforme bovina, ou doença da vaca louca, foi descoberta uma nova classe de doenças causadas por príons. O príon é uma simples proteína que possui um grande detalhe, ela está dobrada de maneira incorreta. -breve explicação: o que determina a função das proteínas é o formato ou estrutura delas, que pode assumir vários dobramentos diferentes – Ela é capaz de induzir outras proteínas iguais a se dobrarem da mesma forma. Com a nova conformação, elas se tornam extremamente estáveis, deixando de realizar a antiga função e ainda se acumulando no cérebro. Assim, quando alguém come um príon ou ele entra na corrente sanguínea, induz as mesmas proteínas da vítima a se dobrarem.

Atualmente, se conhecem várias doenças causadas por príons, como o scrapie dos carneiros e a insônia familiar fatal (só o nome já dá medo, né?). Todas intratáveis e letais. No caso do kuru, mulheres e crianças tinham uma incidência maior pois os homens tinham o privilégio de escolher as partes mais nobres do lanchinho, deixando o cérebro para trás.[1] Aliás, a coisa era tão grave que eles desenvolveram uma mutação nesta proteína que os tornava mais resistentes à forma priônica. E por que raios teríamos uma proteína no nosso cérebro que mata quem come eles?


– Chuck? Isso é errado.
– Ei, não é culpa minha. Quando as lojas começam a vender presépios
em outubro, é de se esperar alguns zumbis na manjedoura.
– Mire na cabeça, bebê Jesus!


Proteção contra zumbis

O que o povo Fore sofreu foi um reflexo de nosso passado evolutivo. O kuru obviamente foi selecionado em outro contexto, o de ataque de zumbis. Afinal, é conhecido que, diferente dos homens de Papua-Nova Guiné que não sabem apreciar uma boa iguaria, os zumbis gostam de cérebros. -por mais que haja uma certa discordância no meio acadêmico, fato é que zumbis comem cérebros, preferindo eles ou não – E mais ainda, o cérebro é a única parte vulnerável de um zumbi, todos concordam.

Logo, o kuru surgiu em um contexto de seleção de parentesco. Quando comiam o cérebro de portadores da proteína priônica (que já possuem o gene da resistência, inclusive), desenvolviam kuru e não conseguiam atacar os demais. Mesmo morrendo, uma pessoa poderia proteger os seus familiares. Um método passivo mas eficiente, pois ataca o único ponto vulnerável de um zumbi e garante que todos aqueles que se alimentarem terão a doença, controlando rapidamente um surto zumbi.
Mas nós não estamos mais tão protegidos.

Uma mudança na dinâmica dos mortos-vivos
O kuru possui um período de latência relativamente longo, ou seja, seus efeitos não são imediatos, podendo levar anos para aparecerem os sintomas. Isso provavelmente ocorre como forma de proteger o portador, uma proteína que forme príons de maneira mais eficiente poderia matar o próprio dono. Notem que o periodo de latência foi determinado em humanos, não encontrei nenhum estudo que determina a latência em zumbis. Talvez porque o único lugar com laboratórios de biossegurança capazes de conter zumbis (e olhe lá, já ocorreram falhas) fica na Umbrella Corp. e eles não são muito famosos por publicar os dados.

O problema que se dá é que, o kuru era uma defesa eficiente apenas enquanto os humanos eram caçadores-coletores. Neste período, os zumbis precisavam vagar por extensas distâncias até encotrar novas vítimas, e o príon tinha tempo para agir. Por isso inclusive os zumbis eram lentos, precisavam poupar energia por períodos mais longos de busca.

Atualmente, vivemos em grandes aglomerações humanas, quase um buffet, de forma que eles não precisam mais vagar para encontrar vítimas. Assim, a pressão seletiva sobre os zumbis mudou. – Quero deixar claro que estou falando dos zumbis transmitidos por infecção, como em Extermínio. Aqueles vagarosos já foram extintos e os que são ressurgidos do cemitério só podem ser explicados por ocultismo, ficando de fora de um blog de ciência de credibilidade como este. – Agora, zumbis que se espalhem mais rapidamente terão mais sucesso, o que explica muito bem o aumento de velocidade dos mortos-vivos que vemos recentemente.

Neste novo contexto, nossa defesa natural não possui mais eficiência. Quando o kuru começar a causar sintomas nos zumbis, eles já terão tomado o mundo. Portanto, atente-se ao que dizem os cientistas: ATIRE! E MIRE NA CABEÇA! (ok, o último fui eu). E não se esqueçam do Protocolo Bluehand.

Obrigado a todos que contribuíram via twitter para o embasamento científico e de credibilidade sobre zumbis.

Fonte do primeiro trecho:
[1] Collinge, J.,
Whitfield, J., McKintosh, E., Beck, J., Mead, S., Thomas, D., & Alpers, M. (2006). Kuru in the 21st century–an acquired human prion disease with very long incubation periods The Lancet, 367 (9528), 2068-2074 DOI: 10.1016/S0140-6736(06)68930-7

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