Um parasita quer matar seu hospedeiro?


Qual a tendência em uma nova doença, o patógeno evolui para causar menos danos em seu hospedeiro?



Vibrio cholerae


Personificação


ResearchBlogging.orgMuitas vezes, para explicar evolução ou pensar sobre um problema, costumamos atribuir vontade aos organismos. E uma frase comum é: o parasita não quer matar o hospedeiro. A idéia é simples, um parasita depende de seu hospedeiro para ser transmitido e matá-lo não é a melhor estratégia, logo, o parasita não quer matar o seu hospedeiro, e quando o faz é porque está mal adaptado.

Um exemplo bem lembrado é o dos coelhos australianos. Foram introduzidos por lá no século XVIII e, seguindo o destino de muitos placentários levados ao continente, acabaram se tornando uma praga seríssima. Em uma tentativa de controle biológico, Frank Fenner introduziu o vírus da Myxomatose na de coelhos americanos na população da Austrália.

Este vírus era letal para os alienígenas australianos. No primeiro ano, o vírus matava 99% dos infectados, mas em pouco tempo deixou de matar os coelhos, e atualmente a resistência em está estabelecida. Logo, o vírus evoluiu para ser menos agressivo, afinal, ele não quer matar o seu hospedeiro. Ou não?

O problema aí está em assumir uma intenção no que o vírus faz. Por mais que seja uma metáfora, é muito difícil se desapegar da idéia. Mas o que define a “intenção” de
 um vírus, ou melhor, o caminho evolutivo dele, é a seleção natural. E um vírus ou qualquer outro agente infeccioso como uma bactéria vai ser mais ou menos patogênico de acordo com o que for selecionado.

O caso da Cólera

Veja o caso da cólera na América do Sul. O Vibrio cholerae  pode ser transmitido tanto por contato quanto pela água. Em um surto recente, na década de 1990 que atingiu Brasil, Bolívia, Chile, Peru e vários outros locais, a bactéria se deparou com duas situações. Ela ocorreu em locais que possuiam bons sistemas de esgoto e tratamento de água e locais com sistemas ruins.

Nos locais onde o sistema de tratamento de água era eficiente, a bactéria excretada nas fezes pela diarréia não voltava a circular, e a única transmissão eficiente se dava por contato. Nesta situação, as bactérias selecionadas foram as que causaram sintomas menos severos e permitiram que os infectados circulassem e contaminassem outros hospedeiros. E de fato, nos locais onde havia bom tratamento de água as linhagens circulantes de cólera causavam sintomas menos graves.

Já nos locais onde o sistema de esgoto era ruim ou inexistente, as bactérias excretadas na diarréia eram trasmitidas pela água, e estavam presentes nos bebedouros e nas casas. Assim, bactérias que causassem diarréia mais grave aumentavam as chances de serem transmitidas. E nestes locais ocorreram linhagens muito mais virulentas. [1]

Estratégias diferentes
O que determina se um patógeno vai ser mais virulento ou não é o seu modo de transmissão e a consequente seleção que atua sobre ele. Quando ele depende da mobilidade do hospedeiro, como é o caso do Influenza, que precisa de pessoas circulando e espirrando, a tendência é que linhagens menos severas se propaguem.

No caso de patógenos transmitidos por vetores como pernilongos e a dengue, ou patógenos capazes de permanecerem por um longo tempo no ambiente, como os esporos de antraz, produzir uma grande progênie (se reproduzir muito) às custas da saúde do hospedeiro pode ser uma boa estratégia. [2]

Vale lembrar também que a pressão do sistema imune e de competidores pode influenciar. No caso de uma nova pandemia por exemplo, caso todos hospedeiros sejam suscetíveis, linhagens mais ou menos patogênicas vão se propagar sem problemas. A pressão para mais ou menos virulência só vai acontecer quando houver algum gargalo.

Assumir que um parasita quer ou não alguma coisa é seguir um caminho bem fácil que os criacionistas tomam com gosto, entender algo que a evolução é capaz de fazer como intencional.

Fontes:
[1]Ewald, P. (1995). The Evolution of Virulence: A Unifying Link between Parasitology and Ecology The Journal of Parasitology, 81 (5) DOI: 10.2307/3283951

[2]Brown, N., Wickham, M., Coombes, B., & Finlay, B. (2006). Crossing the Line: Selection and Evolution of Virulence Traits PLoS Pathogens, 2 (5) DOI: 10.1371/journal.ppat.0020042

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4 responses to “Um parasita quer matar seu hospedeiro?”

  1. em populações mais isoladas (não o caso dos humanos, eee globalização)acredito que haja uma Coevolução (Acyrthosiphon pisum, que é atacado por vespas parasitóies (Aphidius ervi)No entanto, se o pulgão Acyrthosiphon possuir a bactéria Hamiltonella ela atua na defensa em seu organismo, as larvas da vespa não se desenvolvem bem e acabam morrendo. Por isso, em locais onde os pulgões convivem com as vespas, o índice de infecção pela Hamiltonella é bastante alto (40 a 70%). Sem a pressão evolutiva as vespas, o índice de infecção cai rapidamente. Mas tem um porem, somente as bactérias que forem infectadas por um vírus conseguem proteger o pulgão. Dentro do material genético do vírus está o segredo: a sequência de uma proteína que provavelmente é tóxica para as larvas da vespa. então o vírus que infecta uma bactéria protege o pulgão que se infecta propositalmente quando se sente ameaçado pela vespa..
    (KERRY, M.O. et al. 2009) ||http://www.sciencemag.org/cgi/content/abstract/325/5943/992||
    e ainda há quem diga que tudo que existe era igual ao que havia no começo. “tão tá né “
    Belíssimo Post Parabéns

  2. @Luis Carlos,
    Tenho um rascunho salvo aqui justamente sobre esta interação, e o Carlos postou sobre ela no Brontossauros em meu Jardim. Dica fantástica, se tiver outras agradeço 😀

  3. Só uma pergunta: Houve seleção para “menor agressividade do vírus” ou para “maior resistência do hospedeiro”? Isso no caso dos coelhos. No caso da cólera ficou bastante claro que o vírus realmente foi pressionado a se comportar de forma mais tolerável.

  4. @Rafael,
    As duas coisas, o vírus foi “atenuado” e os coelhos que sobreviveram e repovoaram a Austrália nas partes afetadas também são mais resistentes.

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