Remédio para tudo: um antiviral que ataca diversos vírus


Quando vocë vai ao médico com a garganta infeccionada, ele pode
tranquilamente receitar antibióticos sem precisar tipar a bactéria em
sua garganta, pois alguns antibióticos agem em vários micróbios diferentes.
Porque não temos a mesma coisa para os vírus?

ribossomo.jpg

Ribossomo bacteriano em azul, com o antibiótico neomicina em vermelho, impedindo que o fator de reciclagem ribossômica (amarelo) libere o ribossomo para continuar a fazer proteínas. Fonte: Structural Genomics Knowledgebase.


Por que tão poucos remédios?

ResearchBlogging.orgAntivirais, os fármacos que são capazes de combater vírus, são
raros e muito específicos. Temos alguns ativos contra o Influenza, como o famoso Tamiflu, o AZT
que pode ser usado contra herpes e hepatite B, e vários antivirais
contra o HIV, o câncer dos vírus (também conhecido como primo rico) e mais alguns poucos.

Mas fora
isso, quase não há alternativas, na presença de uma virose,
geralmente o médico tem duas alternativas: remédios paliativos, que
vão tratar os sintomas e não as causas, como aspirina, e cama. Nada como deixar o
sistema imune trabalhar.

A grande barreira no desenvolvimento de novas drogas que combatam
vírus é a falta de alvos. Bactérias possuem um metabolismo próprio com
proteínas que são bem diferentes das nossas, diferentes o suficiente
para que sejam atacadas sem efeitos colaterais. Como o ribossomo da figura. Boa parte dos
antibióticos atacam a parede bacteriana, uma estrutura celular que nós
animais não temos.

Já os vírus são piratas metabólicos, eles quase não carregam
estruturas próprias, utilizando quase tudo da célula. Assim, é muito
difícil atacar algo sem efeitos colaterais, e os alvos que restam são
estas moléculas únicas dos vírus. O influenza é atacado em duas
proteínas, a hemaglutinina que ele utiliza para sair da célula e a M2,
que forma um canal de íons que o ajuda a entrar; o HIV é atacado na sua
transcriptase reversa, uma enzima que converte seu RNA em DNA, função
que nós não temos, na protease, uma enzima que ele utiliza para quebrar
e maturar as próprias proteínas e na GP41, proteína que ele utiliza para
se fundir à célula invadida.

Todos alvos espeíficos que evitam, embora não eliminem, os efeitos
colaterais. Mas isso traz consequências bem severas. A maioria destas
drogas é específica a ponto de ter pouco efeito em nosso organismo, mas também a ponto de
não atacar outros vírus. Salvo algumas excessões, como o AZT, que por
atacar a polimerase também é utilizado contra Herpes e Hepatite B – e
também nos ataca, mas nossa polimerase de DNA é muito menos ativa do
que as virais, já que são poucas as nossas células
que estão se dividindo e utilizando a polimerase – a maioria dos antivirais é eficaz apenas
contra aquela proteína daquele vírus para o qual foi desenvolvida.
Aliás, tão específica que com algumas mutações, e vírus são propensos a
mutar, elas podem deixar de funcionar. Este é o motivo de se tratar o
HIV com uma série de drogas de uma vez, o coquetel, dificultando as
chances de selecionar linhagens mutantes a ambas as drogas.

Por conta dos poucos e específicos alvos que um vírus tem, drogas
de amplo espectro, capazes de atacar um grupo grande de organismos, são
um sonho distante na virologia. Ou talvez não tão distante.


Atacando algo em comum

Em
um trabalho recente publicado na revista PNAS (que tem lá seus altos e
baixos) foi apresentada uma droga chamada LJ001 que promete atingir
vários tipos de vírus. O grande salto do trabalho foi atacar um alvo
que muitos vírus têm em comum, o envelope. O envelope é uma camada de
lipídeos (gordura) levada da célula invada que envolve a partícula
viral e traz uma série de benefícios e está presente em muitos vírus de importância médica. Estes lipídeos podem se fundir
com a membrana da célula que será atacada (já que é derivado de uma
vítima anterior) e também criam uma camada externa que disfarça o
vírus, protegendo-o do reconhecimento pelo sistema imune.

Por ser uma estrutura do hospedeiro, e não do vírus, qualquer
portador de envelope pode ser atacado. E é justamente o que o artigo
mostra, testando o composto em uma cacetada de vírus (o que explica a
multidão de autores): flavivírus, que têm entre eles dengue (que não
foi testado), febre amarela, febre do oeste do Nilo e Hepatite C;
Filovírus, com dois integrantes barra pesada, Marburg e Ebola;
Poxvírus, parentes da varíola; Influenza A, causador da gripe; HIV; e
vários outros vírus importantes. Todos inibidos pela droga.

Claro que por atacar uma estrutura que foi levada da célula
hospedeira, a LJ001 age contra o envelope e contra a membrana de nossas
células. Mas é neste ponto que a pirataria do vírus tem um custo. Como
ele não tem metabolismo, não consegue reparar os estragos feitos pela
droga e seu envelope não se funde mais com a célula hospedeira,
enquanto nossas células reparam o dano e seguem inalteradas. Pelo menos
foi o que o teste em ratinhos mostrou, ainda há uma série de etapas
antes que uma droga se torne um remédio e possa ser testada em humanos.

Pode não ser a droga definitiva, e nem se tornar uma terapia que
possamos utilizar. Pode estar restrita aos vírus que possuem envelope. Mas a estratégia utilizada abre caminho para que
testemos novos tipos de drogas e passemos a jogar o jogo biológico: se
vírus escapam por não ter metabolismo e levam pedaços do hospedeiro,
vamos utilizar estes pedaços e aproveitar que eles não podem se regenerar.

Fontes:

De Clercq, E. (2002). STRATEGIES IN THE DESIGN OF ANTIVIRAL DRUGS Nature Reviews Drug Discovery, 1 (1), 13-25 DOI: 10.1038/nrd703(pdf)
Wolf, M., Freiberg, A., Zhang, T., Akyol-Ataman, Z., Grock, A., Hong, P., Li, J., Watson, N., Fang, A., Aguilar, H., Porotto, M., Honko, A., Damoiseaux, R., Miller, J., Woodson, S., Chantasirivisal, S., Fontanes, V., Negrete, O., Krogstad, P., Dasgupta, A., Moscona, A., Hensley, L., Whelan, S., Faull, K., Holbrook, M., Jung, M., & Lee, B. (2010). A broad-spectrum antiviral targeting entry of enveloped viruses Proceedings of the National Academy of Sciences, 107 (7), 3157-3162 DOI: 10.1073/pnas.0909587107

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12 responses to “Remédio para tudo: um antiviral que ataca diversos vírus”

  1. @Érico,
    O capsídeo viral, estrutura que envolve o material genético deles, é feito de proteína sempre, pois precisa se dobrar de maneiras bem precisas para adquirir o formato. Já o envelope é a membrana celular que o vírus leva ao brotar, por isso é lipídica, embora possa ter proteínas também.

  2. Desculpa o comentário que não acrescenta nada, mas tenho que falar que o Eric De Clercq é FODA.
    Interessantes também são trabalhos tentando provar que inibindo certas funções celulares importantes para os vírus (mas não tão importantes para nós) podemos cessar a replicação viral. Tem gente no nosso lab trabalhando com isso.
    PS: Estive em um curso e SP onde seu nome foi citado na palestra do seu chefe. Apesar de não te conhecer achei engraçado, parecia que estava falando de um conhecido.

  3. Era pra ser de Hepatites Virais, o que me interessava era hepatite C, mas o que mais se falou foi hepatite B. Melhor eu parar por aqui… ¬¬
    A palestra do Zanoto foi uma das únicas que falou de HCV.

  4. No meu ponto de vista todas as doenças tem cura.Entretanto,está,potencialmente,no futuro.Só que o futuro é relativo.Quero dizer:Quanto maior o número de pesquizadores mais o futuro se torna uma realidade.Agora vou falar uma charada:Eu acho que os cientistas estão indo para o lugar errado,na direção errada.Os cientistas só querem destruir o vírus,aí o vírus fica cada vez mais forte.Uma comparação:Uma porta de avião era considerado indestrutível;até que girou para o lado errado,e a porta foi destruída.Quero que os gênios descubram a resposta…

  5. Estou com virose faz mais de 5 meses até hoje não descobri qual é na minha cidade não tem virologista alguém pode me judar

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