Novos genes? Ok. Uma organela? Pra já. Como um vírus pode trazer novas funções


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ResearchBlogging.orgA lesma-do-mar Elysia chlorotica é famosa por sua associação com cloroplastos roubados da algas que come. Muitas lesmas deste gênero são capazes de preservar os cloroplastos das algas das quais se alimentam e mantê-los em células especializadas que contiuam recebendo luz solar e fazendo fotossíntese, agora para a nova hospedeira. Um processo chamado de cleptoplastia, ou roubo de organela.

A Elysia chlorotica é especial em relação ao roubo de cloroplastos por ser capaz de mantê-los ativos por meses, sem precisar se alimentar até a época de colocarem ovos e morrerem, uma duração completamente inexperada. Cloroplastos, assim como nossas mitocôndrias, são organelas (estruturas celulares) que se originaram de bactérias incorporadas que passaram a interagir com as células hospedeiras. Neste processo de interação, perderam muitos genes que tiveram as funções suplementadas pelos hospedeiros.

Os cloroplastos dependem de uma série de proteínas que devem ser produzidas pelo núcleo e ribossomos da célula em que se encontram. Isso explica por que a maioria dos cloroplastos dentro de lesmas-do-mar perecem após alguns dias dentro delas. O que levantou a questão de como a E. chlorotica é capaz de mantê-los por meses. E a busca por genes dentro do genoma da lesma levou à descoberta de genes da alga da qual ela se alimenta incorporados que ajudam a manter o cloroplasto ativo.

Ou seja, além de roubar os cloroplastos de sua comida, ela foi capaz de incorporar os genes necessários para mantê-los funcionando posteriormente. Mas se ácidos nucleícos são digeridos, como estes genes foram parar dentro de seu núcleo? Tudo bem que cloroplastos preservados e funcionais já são uma dica de que a digestão dela não é das mais comuns.

A resposta vei com a investigação de um outro fenômeno bastante interessante. O ciclo de vida desta lesma-do-mar é anual. Com o aquecimento da água que indica o fim do inverno, ela faz a postura dos ovos e morre. E em todas as lesmas que morrem, observam-se partículas virais em suas células. Mesmo em animais mantidos exclusivamente em aquário, sem contato com a geração anterior, que já morreu, nem com o ambiente em que estavam, o que impede o contato com um vírus ambiental. Mesmo quando a E. chlorotica é mantida artificialmente em temperatura baixa por mais tempo, e não põe ovos, ela morre um pouco mais tarde cheia de partículas virais, sugerindo uma regulação do seu ciclo de vida. E a origem deste vírus é interna.

Trata-se de um retrovírus, um vírus capaz de transformar seu material genético, o RNA, em DNA, processo inverso do que normalmente fazemos. Este retrovírus está integrado ao genoma da lesma, o que explica sua presença constante. Agora a parte mais interessante, as particulas virais que ele produz são encontradas tanto no núcleo celular quanto no compartimento do cloroplasto. 

Exato, um vírus capaz de transformar RNA em DNA e integrar-se ao genoma do hospedeiro está em contato com o cloroplasto recém adquirido e com o núcleo das células da lesma. O que torna tentador especular que, além de comandar o ciclo de vida da hospedeira, ainda deu a ela a capacidade de produzir a própria energia e manter uma nova estrutura em suas células. Não só vírus são capazes de interagir com o hospedeiro além de doenças, como são capazes de promover grandes inovações.

Fonte:

Rohwer F, & Thurber RV (2009). Viruses manipulate the marine environment. Nature, 459 (7244), 207-12 PMID: 19444207


2 responses to “Novos genes? Ok. Uma organela? Pra já. Como um vírus pode trazer novas funções”

  1. Impressionante, exemplos como esse mostram como é importante o papel dos microorganismos na evolução.
    Parabens pelo rainha, Atila
    abço

  2. Uau, já tinha lido um artigo sobre esse fenômeno, alias, vários, mas até agora não tinha ouvido falar destes detalhes sobre vírus. Muito interessante mesmo, como um simples agente viral pode abrir possibilidades para tantas adaptações. Átila, você conhece mais exemplos concretos assim, digamos, de “transferência horizontal de genes” em eucariotos?

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