Por que ocorre a dengue hemorrágica


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fonte: Wikimedia
ResearchBlogging.orgApesar de ter apenas um nome, dengue, esta doença é causada por quatro sorotipos diferentes do vírus da dengue. No Brasil, circulam os sorotipos 1, 2 e 3. Cada sorotipo varia geneticamente entre 30 e 35% em relação aos outros, suficiente para que a imunidade gerada contra um deles não proteja contra os demais. Um paciente infectado pelo sorotipo 1 não está protegido da infecção pelo sorotipo 2, por exemplo. E justamente nesta infecção secundária ocorre a maior parte dos casos de dengue hemorrágica.
Na dengue hemorrágica, além das dores no corpo, dores de cabeça, enjôo e vômito da dengue comum, há uma complicação bem mais séria. Manchas e sangramento pelo corpo, pelo nariz, olhos, boca, queda de pressão e um risco de morte muito maior. E até hoje não se sabe ao certo o que desencadeia a forma hemorrágica da doença.
Mas o estudo da resposta imune contra o vírus parece indicar o caminho. O principal alvo de ataque do sistema imune é a parte externa do vírus, o chamado envelope. Uma camada de lipídios que ele carrega da célula que contém dois tipos de proteínas. A proteína E, de envelope, que faz o reconhecimento da célula a ser invadida e M, uma proteína produzida na forma de prM que ajuda na formação da partícula viral, e também protege a proteína E durante o amadurecimento do vírion (outro nome para a partícula viral).
Ao isolar linfócitos B produtores de anticorpos contra o vírus da dengue de pacientes infectados, pesquisadores londrinos e tailandeses perceberam que a maioria deles reagia contra a proteína M (60%). A outra parte contra a proteína E. E estes anticorpos foram capazes de reconhecer e atacar os 4 sorotipos virais, principalmente os anticorpos anti-prM. Porém, por mais que os anti-prM reconheçam uma grande variedade de vírus, eles não são neutralizadores. Ou seja, mesmo quando atacados por anti-prM, as partículas virais ainda são capazes de infectar novas células e se replicar.
Pior ainda, estes anticorpos que não neutralizam o vírus ainda recrutam células do sistema imune que normalmente eliminariam um invasor, como macrófagos e monócitos. Mas é justamente nelas que o vírus da dengue se replica. Tudo indica que o vírus precisa de poucas unidades de prM para ser infeccioso, mesmo depois de atacado por anticorpos. Aliás, os testes realizados no trabalho que mediu estas propriedades, vírions que contém muitas partículas de prM se tornaram mais infectivos sob ação de anti-prM, que deve equilibrar a proporção desta proteína em relação à proteína E, além de atrair mais células que serão invadidas.
Para o vírus da dengue os anticorpos podem servir de promotores da infecção, falhando em neutralizá-lo e favorecendo a invasão de células imunes, onde ele pode se replicar muito mais efetivamente e circular pelo corpo sem ser notado. Desta forma, a resposta incompleta de uma infecção anterior pode promover o espalhamento generalizado do vírus e a forma mais grave doença, favorecendo a dengue hemorrágica.
Este fator deve ser levado em conta inclusive no desenvolvimento de vacinas. Vacinas baseadas em formas atenuadas ou inativadas do vírus que contenham a proteína prM podem promover a resposta imune incompleta que favorece o agravamento da doença.
Quanto ao Brasil, nossa perspectiva não é nada boa. Já no meio do mês de outrubro, tivemos quase um milhão de casos de dengue registrados, praticamente o dobro de 2009. E ainda não entramos no período de chuvas do próximo verão. Ah, e para melhorar, talvez tenhamos em breve um novo sorotipo circulando por aqui, o sorotipo 4, que já foi detectado em Manaus e cada vez mais frequentemente na América Central, e está especialmente relacionado com a ocorrência de dengue hemorrágica.

Fonte:

Dejnirattisai, W., Jumnainsong, A., Onsirisakul, N., Fitton, P., Vasanawathana, S., Limpitikul, W., Puttikhunt, C., Edwards, C., Duangchinda, T., Supasa, S., Chawansuntati, K., Malasit, P., Mongkolsapaya, J., & Screaton, G. (2010). Cross-Reacting Antibodies Enhance Dengue Virus Infection in Humans Science, 328 (5979), 745-748 DOI: 10.1126/science.1185181

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6 responses to “Por que ocorre a dengue hemorrágica”

  1. Não só apenas esta questão da prM influenciar na gravidade da doença, como há estudos que mostram que a proteína não-estrutural 1 (NS1) do vírus da dengue possui epítopos semelhantes à proteínas da cascata de coagulação sanguínea, como o fibrinogênio, e proteínas de adesão celular. Portanto, anticorpos produzidos contra a NS1 (que é a únca proteína não-estrutural secretada) também atacariam estas proteínas celulares resultando nos sintomas encontrados na dengue hemorrágica.
    Muito bom o seu blog, sempre acompanho!
    Referências do que eu disse:
    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1865631/?tool=pubmed
    http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9191856

  2. Evitar a proliferação da dengue depende de cada um de nós. Além de cuidar da sua casa, falar com seus vizinhos, manter contato com sua prefeitura sobre focos da doença, você pode utilizar esse espaço para conscientização.
    Seja parceiro do Ministério da Saúde na mobilização contra o mosquito da Dengue. Divulgue em seu blog nosso material. Entre em contato com comunicacao@saude.gov.br e solicite o selo, participe da campanha.
    Saiba mais: http://bit.ly/bMMVKT

  3. @Jonas,
    obrigado pelo complemento! Vou dar uma lida nos artigos. Você trabalha com dengue?
    Ah, e por favor, sempre que tiver conteúdo pra sugerir, pode mandar!
    Abraço.

  4. Sempre leio o seu blog e adoro! Você consegue dar informações precisas de uma forma que leigos também entendam. Parabéns! Fico até com um pouco de inveja porque acho que faltam bons blogs/revistas de divulgação científica da minha área, psicologia social.

  5. Oi Atila!
    Trabalho com dengue sim, na ufrj! Na realidade existem outras vertentes pra explicar a dengue hemorrágica, esta da NS1 é uma delas! Vou me cadastrar no twitter científico!! Qdo tiver conteúdo pra sugerir pode deixar q mando!
    Abraço!

  6. Olá será que a auto-hemoterapia seria viável no caso de evoluir para uma dengue hemorrágica?! Ou seria prejudicial? A utilização desta antiga conduta médica é a de elevar a taxa de macrófagos…..será que isso seria benéfico?! Já tive a minha primeira dengue e estou com medo de pegar uma segunda vez….Nessa primeira utilizei a autohemo a senti que reverti a queda das plaquetas….Será que na segunda vez seria indicado apostar nessa forma de elevação dos macrófagos?! Obrigada pela atenção!

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