Veja o vídeo acima por sua conta.

Quando vi a notícia de uma senhora resgatada durante a série de enchentes no estado do RJ de um telhado, por um vizinho em um prédio ao lado, a notícia do Jornal da Globo tinha tudo para ser mais uma notícia comovente desta série de desastres. Esta com um final feliz. Mas, durante a notícia, vi que ela tinha um cachorro preto no colo, e quando passou pela água, o cachorro sumiu.

Em meio a uma situação caótica, e infelizmente previsível e evitável de acordo com a diretora do Centro para a Pesquisa da Epidemiologia de Desastres da ONU, onde centenas de pessoas morreram, aquele cachorro desaparecendo na água me comoveu. Fiquei perturbado com a cena, e mais ainda com o fato de aquilo ter mexido muito mais comigo do que o desastre em si. Centenas de pessoas afogadas, milhares sem casa, comida, parentes e eu fiquei realmente preocupado com um cachorro. Me deu um misto de dó, pesar pela cena e uma estranheza pelo que estava sentindo.

No dia seguinte, vejo o vídeo no Sedentário. Não tive coragem de assistir de novo, e comentei no Twitter e no Reader que tinha ficado muito mais marcado pela cena do cachorro do que com o desastre em si. Eis que várias pessoas me responderam pelos dois canais que sentiram a mesma coisa, alguns inclusive com um pouco de culpa. Aparentemente, não fui o único.

A vítima identificável

Coincidentemente, estou lendo (na verdade, ouvindo o audiolivro) o Positivamente Irracional do economista Dan Ariely. Trata-se da continuação de outro livro dele que já comentei no Papo de Homem. Eis que no capítulo 9, o autor trata do fenômeno da vítima identificável, bastante investigado pelo professor de psicologia Paul Slovic.

O princípio é bastante simples, e pode se ilustrado pelo seguinte exemplo (adaptado do livro):

Imagine que você esteja indo para uma entrevista de emprego, vestindo um terno bastante caro e com um smartphone no bolso, quando passa perto de um lago muito barrento. Então você vê uma criança se afogando. Você sabe nadar bem e não tem tempo de tirar o terno ou as coisas de seu bolso. Você se atiraria na água para salvar a criança?

Muito provavelmente sim. Você, eu, e a maioria das pessoas tentaria resgatar a criamça se afogando. E gastaria facilmente com isso um ou dois mil reais no terno e no smartphone. Mas aquela vida vale isso. No entanto, se alguém pedisse dois mil reais para salvar pessoas com malária no Sudão, poucos dariam dariam o mesmo valor. Mesmo que este dinheiro potencialmente salve mais gente. A questão é que podemos ver a criança sofrendo.

Parece irracional, mas é muito mais fácil apoiarmos uma pequena causa com a qual nos identificamos, como gastar milhões no resgate de mineiros no Chile, do que apoiar um problema muito maior em um local remoto. E por mais que pareça intuitivo falar sobre o tamanho do acidente, quantas milhares ou milhões de pessoas morreram ou podem morrer em decorrência de algum desastre, falar em números só diminui a conexão que sentimos com o problema [link com pdf] e a votade de ajudar.

Quanto mais pessoal é o relato de um destre, com detalhes sobre alguém que está sofrendo, membros da família que a pessoa perdeu, os ferimentos que sofreu ou a condição em que se encontra, mais provável é que a ajuda seja dada. Independente da escala em que o problema se dá. Somos muito mais propensos a ajudar um vizinho em problemas do que milhares de anônimos. Na verdade, quando as pessoas ouvem números e estatísticas, são mais propensas a doarem menos para ajudar (confira no artigo do link).

E o efeito da identificação aumenta quando podemos ver os efeitos da nossa ajuda, o efeito chamado gota d’água em um balde. Se a roupa que doei vai ser usada por alguém, e posso visualizar isso, me sinto mais conectado do que doando um dos milhões de reais que vai para algum lugar remoto.

Nas palavras de Albert Szent-Györgi (retiradas também do livro):

“Sou profundamente comovido se vejo um homem sofrendo e vou arriscar minha vida por ele. No entanto, posso falar de maneira impessoal sobre a possível pulverização de nossas grandes cidades, com centenas de milhões de mortos. Eu sou incapaz de multiplicar o sofrimento de uma pessoa por um milhão.”

O que fazer então

O que li me ajudou bastante a entender como me senti em relação ao vídeo. Foi muito fácil me imaginar na mesma situação que Dona Ilair, ser resgatado e tentar salvar meus cachorros – não tenho filhos, imagino que quem tem se sinta especialmente tocado por notícias de crianças vitimadas. 

E este é o caminho para você pensar ao decidir se vai ajudar ou não em uma situação de desastre. Ao invés de focar nos milhares de mortos, ou nos efeitos do desastre, imagine que está ajudando uma família, ou uma pessoa entre todas aquelas. Eu, por exemplo, não vou doar roupas e alimentos para as enchentes. Vou doar o que puder para Dona Ilair, que além de sofrer com tudo que perdeu, ainda não teve a chance de resgatar seu cachorro.

Como ajudar:

Projeto Enchentes

RJ:

Saiba como ajudar as vítimas das enchentes da região serrana do Rio de Janeiro

SP:

SP inicia campanha para arrecadar donativos às vítimas das chuvas

Defesa Civil

Vídeos via Sedentário&Hiperativo

Skip to content