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Imagem do ótimo XKCD retirada descaradamente do Carlos Orsi.
Tão certo quanto o fato de que qualquer teoria imbecil terá seguidores, é o fato de que um deles vai ser mais esperto do que todos e acusar quem se opor opuser de estar no bolso de [organização do mal relevante no contexto]. Sério, contrarie alimentos orgânicos pelo que quer que seja, e você será pago pela Monsanto. Contrarie qualquer terapia alternativa e você estará automaticamente na lista de pagamento da indústria farmacêutica. Enquanto você que defende cromoterapia, florais, autohemoterapia, homeopatia e sei lá mais o quê está fazendo um bem para o mundo e lutando contra os gananciosos. Óbvio, não?
Eu mesmo já fui incluído na lista de pagamento de várias empresas segundo alguns comentários feitos aqui no blog, só não lembraram de pegar o número da minha conta. Uma das vezes foi quando defendi o uso das vacinas contra a gripe, fui acusado de ignorar o fato de que o mercúrio contido nela pode causar autismo, principalmente quando a gripe teria sido inventada justamente para vender vacinas. Quanta ironia.
Quem começou esta onda de medo e sugeriu a ligação entre vacina e autismo foi o inglês Andrew Wakefield, ao publicar um artigo na revista Lancet com 12 crianças que teriam desenvolvido sintomas de autismo e irritação do intestino cerca de 6 dias após a vacinação com a vacina tríplice (sarampo, rubéola e caxumba), em fevereiro de 1998. Não vou explicar aqui como demonstraram que ele falsificou os dados desde o começo, forjando datas para que os sintomas tivessem aparecido logo após a vacinação, utilizando crianças (5 das 12) que já haviam sido diagnosticadas com problemas de desenvolvimento antes de serem vacinadas, declarando que todas seriam autistas quando 3 delas não receberam este diagnóstico, ou outros indicativos de quão fraudulento foi seu trabalho. Tudo isso pode ser lido em detalhes aqui.
Na verdade, quero falar das motivações de Wakefield.
Além da fraude envolvida na elaboração do artigo, o jornalista Brian Deer do Sunday Times encontrou uma justificativa mais do que nobre para o ataque à vacina tríplice. Ainda em 
junho de 1997, meses antes do artigo ser publicado na Lancet, Wakefield já havia depositado uma patente na Inglaterra de uma “versão mais segura da vacina contra o sarampo”, que segundo ele “evitaria problemas associados ao crescimento do vírus do sarampo no intestino e desenvolvimento de problemas associados à vacina tríplice”. Ou seja, a premissa de sua patente era que a vacina tríplice seria problemática, ele precisava que ela fosse desacreditada.
De acordo com a lei de patentes britânica, que dá até um ano para que os detalhes da patente sejam publicados após seu depósito, em julho de 1998 vieram os detalhes da proposta. A vacina patenteada no ano anterior seria capaz de promover o “tratamento de doença inflamatória do intestino e da desordem comportamental regressiva”. Andrew se referia ao autismo como desordem comportamental regressiva. Sua vacina seria capaz de curar ou pelo menos amenizar o autismo.
Mas a picaretagem não acaba na patente de algo que só faria sentido se a vacina tríplice fosse desacreditada. Além do lucro em cima da desgraça alheia, em cima de pessoas que já passam por uma situação complicadíssima e ainda tinham que conviver com a idéia de que a vacina que deram para seus filhos causou isso tudo, Wakefield ainda estava sim no bolso de interessados. Ele, entre outros envolvidos, recebeu mais de 400 mil libras do grupo que após sua publicação promoveu processos milionários contra fabricantes de vacina. O mesmo grupo que lhe forneceu os pacientes de seu trabalho, filhos de pais que já eram contra a vacinação.
Agora vamos ver. O médico inglês que forja dados em um artigo com a grande amostra de 12 crianças fez uma patente antes, que se beneficia e depende dele desacreditar a tríplice então adotada, e ainda recebe dinheiro e pacientes da associação que usa seu artigo para processar empresas está certo, e eu que digo que vacina é importante baseado em todos os outros milhares de trabalhos, com milhões de pessoas estudadas, estou errado? Estou sendo pago para isso?
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Tudo isso que falei foi para trazer a discussão para um evento que acontece Sábado! nesta sexta-feira dia 5 de fevereiro às 10:23 da manhã. É quando acontece o movimento  10²³ – Homeopatia é Feita de Nada, onde várias pessoas ao redor do mundo vão tomar uma overdose de remédios homeopáticos para demonstrar que, após as trocentas diluições que eles sofrem, não sobra uma molécula do que quer que seja o princípio ativo. Mais detalhes sobre por que a homeopatia é besteira aqui e no site do movimento no Brasil.
A homeopatia segue a mesma linha da campanha anti-vacinação. Seus defensores são os primeiros a apontar o dedo para quem se opõe e acusar o mesmo de ser pago pela Big Pharma. Agora, eu me pergunto, por que homeopatas cobram por um remédio que é basicamente água, de acordo com o que eles mesmos dizem, e pode continuar sendo produzido simplesmente adicionando mais água, quando teoricamente fica ainda mais potente? Eles também gastam bilhões anualmente para testar seus remédios em milhares de animais e pessoas antes de colocá-los no mercado? O açúcar que usam precisa ser extraído de unicórnios?
O que me traz ao argumento que me vem na cabeça toda vez que lembro daqueles malucos que dizem se alimentar de luz do Sol  deixa eu trancar um aqui no meu quintal por dois meses e começamos a discutir  por que ser tão egoísta? Se você tem uma técnica que basicamente permite produzir remédio a um custo desprezível simplesmente adicionando água, por que não pegar o primeiro vôo para Uganda, montar uma barraca ao lado de um lago ou uma fonte de água mineral, e distribuir gratuitamente anti-malárico, antivirais contra o HIV, remédios contra parasitas intestinais, antibióticos e qualquer outra coisa que pode curar e salvar milhões de vidas? Sério, milhões de pessoas morrem todos os anos por falta de acesso a drogas que custam muito pouco, por que não ajudá-los?
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Vejo duas respostas para esta pergunta. Ou homeopatas estão lucrando em cima da desgraça alheia, em cima de doentes, vendendo algo que sabem não funcionar, ou são os maiores hipócritas e egoístas que a humanidade pode conceber, cobrando pelo que poderia ser a cura de milhões. Mas quem sou eu para falar alguma coisa, com a conta recheada de dinheiro extorquido pela indústria farmacêutica.
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