Hillary and tenzing  Edmund Hillary Tenzing Norgay (sherpa), as primeiras pessoas a atingirem o topo do monte Everest. Fonte: Wikimedia 
Um mesmo problema encontrado pelas pessoas que vivem em locais de grande altitude: a falta de oxigênio. Já a solução, as adaptações evolutivas que contornam a falta de oxigênio são bastante diferentes entre as populações andinas e tibetanas. Um bom exemplo de como a seleção natural pode favorecer diferentes respostas para um mesmo problema. 
Quando vamos para lugares de grande altitude, 3, 4, 5 mil metros acima do nível do mar, desenvolvemos uma série de problemas. Conforme o ar vai ficando mais rarefeito, ele diminui a pressão e a quantidade de oxigênio que contém. Ou seja, respiramos menos ar e o ar que respiramos ainda tem menos pressão para dissolver o oxigênio no sangue. A 4 mil metros, por exemplo, o ar tem 60% do oxigênio em relação ao nível do mar. E para piorar, compensamos a falta de ar aumentando a frequência respiratória (ficamos ofegantes) e cardíaca (o coração dispara), gastando mais energia. Precisamos de mais oxigênio do que normalmente e temos bem menos disponível.

Por causa disso, ir para lugares de grande altitude dá tonturas, dor-de-cabeça, falta de ar, náusea, e pode causar até Síndrome Pulmonar de altitude embolia pulmonar ou hipertensão. Por isso quem joga em La Paz ou outros lugares altos enfrenta falta de ar precisa se aclimatar. Durante a aclimatação, o corpo a princípio reage aumentando a respiração e o batimento, e com o tempo produz mais glóbulos vermelhos, para transportar mais oxigênio. Este aumento dos glóbulos vermelhos pode deixar o sangue mais espesso e sobrecarregar o coração e vasos sanguíneos. Com a aclimatação, podemos nos adaptar mas nunca chegamos condições similares às do corpo ao nível do mar. Mesmo depois de um ano morando em um lugar desse (o que deve ser um inferno), nunca chegamos a consumir a mesma energia em repouso que consumimos no nível do mar (sempre mais) nem conseguimos transportar o máximo de oxigênio que precisamos durante um exercício.

No entanto, existem grupos humanos que vivem nesses locais permanentemente. Chamados em inglês de highlanders (e têm bem mais do que um), os povos andinos aqui na América do Sul, tibetanos no Himalaia e etíopes na África conseguem viver em lugares entre 3,5 e 4,5 mil metros de altitude, chegando a quase 5 mil em alguns povoados. Diferentes de quem vive em lugares mais baixos, lowlanders, eles conseguem manter um metabolismo normal mesmo na falta de oxigênio. Gastam tão pouco quanto lowlanders gastam no nível do mar quando em repouso e conseguem o máximo de oxigênio quando precisam. Por isso que os sherpas se intitulam os carregadores de peso de elite do Everest, dando conta de até 100kg de equipamento enquanto os turistas mal dão conta de subir sem carga. [não perca esta foto]

Lowlanders, mesmo nascidos e criados em lugares mais altos, não são capazes de manter esse metabolismo dos highlanders. E enquanto podemos compensar o frio com roupas e fogo, e usar outras tecnologias para contornar problemas de caça e afins, não existia tecnologia até bem recentemente capaz de resolver a falta de oxigênio, o que sugeriu que a adaptação desses povos é biológica. Eles evoluíram para ocupar os lugares mais altos. Mas evoluíram de maneiras diferentes em cada lugar.

Os tibetanos por exemplo, estão o tempo todo ofegantes. Lowlanders depois de alguns dias de aclimatação voltam a respiração ao normal, enquanto tibetanos respiram mais vezes o tempo todo. Além disso, enquanto um lowlander aclimatado faz mais glóbulos vermelhos e mais hemoglobina para carregar oxigênio, tibetanos têm menos glóbulos vermelhos do que nós, e uma concentração de oxigênio no sangue menor. Por mais contraditório que possa parecer eles estão em permanente hipóxia. Em compensação, mantém os vasos sanguíneos dilatados e uma circulação do sangue maior, sem aumentar a pressão no pulmão (o que causaria embolia) e tem mais vasos sanguíneos nos músculos. As tibetanas têm inclusive um fluxo maior de sangue para o útero, levando mais oxigênio e nutrientes pro bebê, que nasce maior do que lowlanders.

Já os andinos, respiram menos vezes por minuto do que tibetanos, o mesmo que lowlanders. Em compensação, produzem bem mais hemoglobina e glóbulos vermelhos, e têm uma pressão sanguínea no pulmão muito maior. Compensam a falta de oxigênio transportando maiores concetrações deste gás no sangue, ao invés de aumentar o fluxo como os tibetanos. As mães andinas mandam maiores quantidades de oxigênio para os bebês, que também crescem mais do que lowlanders, mas não tanto quanto tibetanos.

É fácil entender como isso pode ter acontecido. Povos que foram viver em maiores altitudes estavam sujeitos aos mesmos problemas que estamos. Mas qualquer variabilidade de resposta que tivessem e melhorasse as condições poderia ser selecionada. Homens que conseguissem trabalhar mais, ou mulheres que conduziram mais oxigênio para o bebê teriam filhos mais saudáveis (e menos abortos, no caso das mulheres). Entre tibetanas foi mostrado que aquelas que tinham mais oxigênio no sangue tinham filhos maiores e estes sobreviviam mais do que os outros. O que acontece é que as soluções que foram selecionadas nos Andes não são as mesmas que foram selecionadas no Himalaia.

Recentemente, com o barateamento das técnicas de sequenciamento genético, estão sendo feitos estudos para entender quais genes estão envolvidos nesta evolução em locais de grande altitude. No caso dos tibetanos, uma variante de gene envolvido na produção de glóbulos vermelhos que diminui a quantidade produzida têm uma diferença de 78% de frequência em relação à população han, os chineses mais próximos geneticamente. Ela foi tão selecionada que é tida como a variante com a maior mudança em uma população humana em um curto espaço de tempo. Algo tão drástico quanto a adaptação à digestão do leite em adultos no norte da Europa. É como se quem a tivesse aumentasse em muito as chances de sobreviver. 
Estas mesmas análises mostram que tibetanos e andinos seguiram caminhos bastante diferentes mas chegaram em um mesmo resultado. Os dois foram selecionados para manter o metabolismo em locais com menos oxigênio, mas a variabilidade que foi selecionada ocorreu de forma diferente. Os etíopes são menos estudados, mas pelo pouco que se sabe, seguiram um terceiro caminho diferente. Um mesmo problema, várias respostas. Sem nenhuma finalidade em mente, a seleção natural só pode favorecer uma ou outra alternativa dentro da diversidade existente.
Fontes (a última é de acesso livre):

Yi, X., Liang, Y., Huerta-Sanchez, E., Jin, X., Cuo, Z., Pool, J., Xu, X., Jiang, H., Vinckenbosch, N., Korneliussen, T., Zheng, H., Liu, T., He, W., Li, K., Luo, R., Nie, X., Wu, H., Zhao, M., Cao, H., Zou, J., Shan, Y., Li, S., Yang, Q., Asan, ., Ni, P., Tian, G., Xu, J., Liu, X., Jiang, T., Wu, R., Zhou, G., Tang, M., Qin, J., Wang, T., Feng, S., Li, G., Huasang, ., Luosang, J., Wang, W., Chen, F., Wang, Y., Zheng, X., Li, Z., Bianba, Z., Yang, G., Wang, X., Tang, S., Gao, G., Chen, Y., Luo, Z., Gusang, L., Cao, Z., Zhang, Q., Ouyang, W., Ren, X., Liang, H., Zheng, H., Huang, Y., Li, J., Bolund, L., Kristiansen, K., Li, Y., Zhang, Y., Zhang, X., Li, R., Li, S., Yang, H., Nielsen, R., Wang, J., & Wang, J. (2010). Sequencing of 50 Human Exomes Reveals Adaptation to High Altitude Science, 329 (5987), 75-78 DOI: 10.1126/science.1190371
Beall, C. (2007). Colloquium Papers: Two routes to functional adaptation: Tibetan and Andean high-altitude natives Proceedings of the National Academy of Sciences, 104 (suppl_1), 8655-8660 DOI: 10.1073/pnas.0701985104

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