Células tumorais expostas a reportagem tiveram vergonha alheia


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Cientistas sem revião por pares.
Ainda em 29 de março, o Carlos compratilhou uma notícia bem estranha no G1: Células tumorais expostas à “Quinta Sinfonia”, de Beethoven, perderam tamanho ou morreram. Se fosse publicada dias depois, no primeiro de Abril, eu jurava que era mentira. A reportagem tem tanto potencial que vou quebrar em partes para explicá-la. [comentários meus neste formato]
Uma pesquisa do Programa de Oncobiologia da UFRJ expôs uma cultura de células MCF-7, ligadas ao câncer de mama, à meia hora da obra [“Quinta Sinfonia” de Ludwig van Beethoven]. Um em cada cinco delas morreu, numa experiência que abre um nova frente contra a doença, por meio de timbres e frequências.
[…]
Como as MCF-7 duplicam-se a cada 30 horas, Márcia esperou dois dias entre a sessão musical e o teste dos seus efeitos. Neste prazo, 20% da amostragem morreu. Entre as células sobreviventes, muitas perderam tamanho e granulosidade.
O que temos até aqui é um remake de um estudo de 1993 que ainda é levado à sério. O trabalho de Frances Eauscher e Gordom Shaw publicado na Nature testou o desempenho de voluntários em testes cognitivos depois de expostos a três situações: depois de ouvir 10 minutos de Mozart — Sonata para dois pianos em ré maior, que curiosamente fica de fora de todos os CDs “fique esperto com Mozart”; depois de ouvir o mesmo tempo de técnicas de relaxamento; e depois de 10 minutos de silêncio. Corrigindo os resultados para uma escala equivalente aos pontos de QI, viram que só quando ouviam Mozart os voluntários aumentavam até 9 pontos de QI no teste, o chamado efeito Mozart.
O problema é que quase nenhum trabalho posterior conseguiu reproduzir os mesmo resultados. Ou melhor, nenhum trabalho fora os feitos pelos mesmos autores do primeiro. A situação chegou a tal ponto que em 1999 foi publicado um artigo chamado The Mystery of the Mozart Effect: Failure to Replicate, uma comparação entre vários artigos que tentaram reproduzir o efeito Mozart, chegando a um valor de 1,4 ponto a mais para estudos que reproduziram o mesmo tipo de teste.
A BBC, em uma demonstração para desbancar o estudo de 1993, elencou 8 mil crianças de 10 e 11 anos de escolas londrinas — a BBC faz experimentos incríveis, diga-se de passagem. Neste experimento, Blur funcionou muito melhor do que música clássica, o que deu o nome do artigo, Music Listening and Cognitive Abilities in 10- and 11-Year-Olds: The Blur Effect. A conclusão? Qualquer música que a pessoa goste pode deixar ela mais disposta antes de um teste, mas nenhum efeito de grande aumento de QI.
Mesmo assim, o efeito Mozart ainda faz um tremendo sucesso. Um dos maiores motivos, segundo o excelente livro The invisible gorilla, de onde tirei esta explicação toda, é que o público se identifica com o achado. Todos gostam de pensar que possuem uma capacidade mental muito maior, facilmente acessível quando se escuta uma música. Basta ver quantos divulgaram a reportagem d’o Globo no Twitter. Você tem alguma dúvida de que o efeito Mozart ainda tem apelo?
O resultado da pesquisa é enigmático até mesmo para Márcia. A composição “Atmosphères”, do húngaro György Ligeti, provocou efeitos semelhantes àqueles registrados com Beethoven. Mas a “Sonata para 2 pianos em ré maior” [a mesma do estudo sobre QI], de Wolfgang Amadeus Mozart, uma das mais populares em musicoterapia, não teve efeito.
– Foi estranho, porque esta sonata provoca algo conhecido como o “efeito Mozart”, um aumento temporário do raciocínio espaço-temporal – pondera a pesquisadora. – Mas ficamos felizes com o resultado. Acreditávamos que as sinfonias provocariam apenas alterações metabólicas, não a morte de células cancerígenas.
Pronto, o estudo aparece novamente. Me espanta o fato da pesquisadora da UFRJ ter lido o artigo de 1993, mas nenhum dos vários outros que refutaram o achado desde então. Outro ponto, por que notas músicais e não outras formas de vibração? Se bem que o estudo vai além:
Quando conseguir identificar o que matou as células, o passo seguinte será a construção de uma sequência sonora especial para o tratamento de tumores. O caminho até esta melodia passará por outros gêneros musicais. A partir do mês que vem, os pesquisadores testarão o efeito do samba e do funk sobre as células tumorais.
Sabe o que aconteceria se ouvesse a menor relação entre música e regressão de tumores? As indústrias farmacêuticas que gastam bilhões testando o efeito de novos fármacos montariam uma estrutura de laboratório onde testariam de uma vez milhares de músicas todos os dias. Assim que tivessem encontrado as três ou quatro que causam mais efeito, quebrariam a música em partes para ver qual delas é a importante, mudariam o trecho um pouco para ver se o efeito melhora ou piora e patenteariam com o nome terminado em ex ou on. Anos e anos de pesquisa e ninguém testou som?
Agora a melhor conclusão da reportagem:
A pesquisa também possibilitou uma conclusão alheia às culturas de células. Como ficou provado que o efeito das músicas extrapola o componente emocional, é possível que haja uma diferença entre ouví-la com som ambiente ou fone de ouvido.
– Os resultados parciais sugerem que, com o fone de ouvido, estamos nos beneficiando dos efeitos emocionais e desprezando as consequências diretas, como estas observadas com o experimento – revela Márcia. 
Quer dizer, como as células tumorais regridem ao ouvir música, devemos ouvir música sem fones de ouvido, para podermos beneficiar o corpo todo de uma vez. De primeira, já imagino que DJ’s (e hoje em dia todo mundo ataca de DJ), ou pelo menos maestros, já que se trata de música clássica, não sofrem tumores. Sim, pois estão com o corpo diretamente exposto às ondas sonoras grande parte do dia. Ou algumas músicas possuem o efeito contrário, causam câncer, e no final os efeitos se balanceiam?
Na verdade, o que aconteceu aqui foi um exemplo de inexperiência do jornalista. Jornalistas como os que escrevem na Folha ou o Carlos Orsi sabem muito bem, não se escreve sobre pesquisa não publicada, a não ser que o artigo já tenha sido aceito. Sim, pois não vi nenhuma menção a um artigo em periódico revisado por pares na reportagem. E revisores têm justamente a função de filtrar resultados enviesados, como imagino que sejam estes. Ali

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5 responses to “Células tumorais expostas a reportagem tiveram vergonha alheia”

  1. É o que eu sempre falo. Acho que não deveria ter jornalista assim. Pra mim se o jornalista é científico, ou ele tem que ser formado na área ou ter uma pós graduação na área. Os jornalistas sem conhecimento mínimo de como funciona a ciência quase nunca vai conseguir passar a informação como deveria. É triste..

  2. Vivemos no mundo a informação oferecida em toneladas, o conhecimento se tornou tão banal que automaticamente aceitamos qualquer informação como correta, sem nem ao menos passarmos um tempo julgando a verdade contida nela. A banalização do formador de opinião me assusta.

  3. Acho que você pegou meio pesado. O Efeito Mozart não tem nada a ver com o efeito direto sobre as células, já que aqu há um efeito direto, e não através do sistema nervoso. Pelo que li em outra reportagem, foram testadas céulas renais normais, onde não houve efeito da música. Por ser um trabalho em andamento, eles ainda vão testar outras células e outras músicas (como samba e funk. Vai dar o que falar, hehehe).
    Acredito que muito da estranheza vem do filtro aplicado pelo jornalista. Jornalismo científico, com raras exceções, é um poço de absurdos. No mais, o Instituto de Biofísica – UFRJ é bastante sério. Vale a pena pelo menos esperarmos sair o artigo.
    disclaimer: não tenho nem nunca tive nenhum vínculo com o Insituto, a pesquisadora nem com eventuais alunas gatas que ela possa ter (infelizmente, nesse último caso).

  4. @Vinicius.
    Tenho muita estima pelo Instituto de Biofísica da UFRJ, e inclusive colaborações por lá. E também não duvido da capacidade da pesquisadora, que possui vários artigos revisados por pares no Lattes.
    O ponto é justamente que a reportagem foi feita na hora errada, com a pesquisa ainda em andamento, e não se aprofunda em nada que justifique essa abordagem. Entendo reportagens sobre descobertas importantes, como fósseis. Mas não acho que era o caso aqui.
    Quanto ao Efeito Mozart, que menciona ele é a própria pesquisadora. Também não vejo sentido nisso, mas ela afirma “curioso Mozart não ter efeito, ele é tão importante na musicologia”.
    O jornalista, coitado, entreou nessa provavelmente pq não tem experiência na área.

  5. Eu acabei com todas as minhas células tumorais, escutando esta música, repetidamente:
    Here come old flattop, he come grooving up slowly
    He got joo-joo eyeball, he one holy roller
    He got hair down to his knee
    Got to be a joker he just do what he please
    He wear no shoeshine, he got Toe-Jam football
    He got monkey finger, he shoot Coca-Cola
    He say “I know you, you know me”
    One thing I can tell you is you got to be free
    Come together right now over me
    He bag production, he got walrus gumboot
    He got Ono sideboard, he one spinal cracker
    He got feet down below his knee
    Hold you in his armchair you can feel his disease
    Come together right now over me
    Right
    He roller-coaster he got early warning
    He got muddy water, he one mojo filter
    He say “one and one and one is three”
    Got to be good-looking ’cause he’s so hard to see
    Come together right now over me
    Come together, yeah (9x)

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