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Eis que temos até campanha para médico limpinho, com boas alternativas ao jaleco. Porém, antes de entrar na discussão da higiene do jaleco em ambientes públicos de novo, quero deixar algo claro: não tenho nada contra médicos, nem inveja. Não nasci para ser médico, não tenho a menor vocação para cuidar dos outros, muito menos responsabilidade para ter vidas dependendo diretamente de mim desta forma. Prestei biologia como primeira e única opção no vestibular, e dei sorte de passar. 
Provavelmente devo minha vida a vários médicos, do obstetra que pariu esta cabeça enorme que tenho aos que trataram minha bronquite durante toda minha infância. Também entendo perfeitamente que tenham orgulho de sua profissão, em especial dado o esforço para entrar e sair da graduação. Aliás, respeito todo profissional com orgulho do que faz, menos políticos e alguns religiosos, dado o comportamento de seus companheiros.
Os comentários aqui são direcionados aos médicos pois foram eles que vi comendo no café do hospital, mas poderiam ser direcionados a quaisquer outros profissionais em outro local com condições similares. Poderiam muito bem tratar de um biólogo comendo com equipamento de proteção no refeitório do meu departamento, se isso acontecesse.
Agora, voltando aos jalecos. Vou pinçar aqui alguns dos comentários defendendo o uso dos mesmos em locais públicos, e juro que deixei alguns dos mais inflamados de fora (grifos meus, grafia original):
Jaleco não é instrumento de proteção, é apenas acessorio de identificação do profissional. [jaleco = crachá] fonte
Terceiro, os jalecos são brancos por um motivo. E isso exige lavagem diária dos mesmos, o que os torna muito mais limpos do que vcs estão defendendo.
[…] O jaleco não é fonte de contaminação. Se fosse, os maiores prejudicados por comer de jaleco seriam os próprios médicos, expondo sua comida a esse tipo de risco. E acreditem, isso não acontece.
Antes da faculdade tinha uma opinião similar a de vcs. Mas só o conhecimento de um hospital e imersão nesse mundo faz com que algumas práticas sejam melhor entendidas. fonte 
Preocupo-me mais com um profissional ou um visitante que NAO LAVA AS MÃOS CORRETAMENTE E FREQUENTEMENTE, do que o médico que vai a um refeitório vestindo jaleco. [concordo perfeitamente aqui, inclusive, se eu fosse médico, lavava as mãos antes e depois de ir ao banheiro]
Francamente! Sejamos sensatos!! Já tenho muitos anos de medicina. Não é porque como com o jaleco que tive infecções alimentares graves! Na verdade, os médicos adoecem das mesmas doenças e sob os mesmos germes que a população comum!! fonte 
O problema de infecções hospitalares é causado por visitantes que não tem que estar no hospital. Hospital é lugar de médicos e pacientes, não da família com 10 integrantes que vão passar o fim de semana com o familiar internado. Se tem nojo de profissionais que usam o uniforme de trabalho no almoço, deveria trocar de roupa sempre que vai a um restaurante. Em qualquer hospital americano ou europeu (já estive em alguns), o normal é usar jaleco ou roupa de bloco cirúrgico em qualquer área. E a taxa de infecções hospitalares é menor. O mais certo é que um dos fatores seja a menor circulação de pessoal sem envolvimento com o tratamento do paciente. fonte
O último comentário é uma tirada da reta extremamente boçal, que pode ser desmentida com a descrição do ocorrido em uma unidade de terapia intensiva, onde garanto que não há 10 familiares pentelhos atrapalhando a vida do pobre profissional. Nas palavras do Karl, que podem ser lidas no link: “É surpreendente que uma equipe treinada, frente a um novo e ameaçador inimigo, no caso a gripe H1N1, tenha respondido com tal eficácia a ponto de influenciar a densidade de outras infecções endêmicas na UTI e zerá-la. Resta-me então concluir que os staffs das unidades de terapia intensiva não estão convencidos de que a infecção hospitalar é uma ameaça séria e por isso, não dão o seu máximo.
Mas estou divergindo. O que quero apontar com o negrito nos comentários é um erro de lógica muito comum, que certamente atrapalha. São todas justificativas baseadas em casos anedóticos, experiências pessoas sem o menor embasamento de fatos. “Já tenho muitos anos de medicina.”, “Em qualquer hospital americano ou europeu”, e por aí vai. De qualquer forma, somos facilmente tocados por relatos pessoais, o que torna mais fácil se convencer por argumentos deste tipo.
Felizmente, o Leo Martins provém o embasamento científico para a discussão. Ele compilou uma série de artigos que tratam do tema, nos quais vou aplicar um tremendo viés e escolher dois que demonstram o que quero afirmar. Aqui vai uma meia tradução de alguns trechos:

De 149 jalecos de atendentes de grandes turnos, 34 estavam contaminados com a bactéria Staphylococcus aureus, dos quais 6 eram multiresistentes (MRSA). […] Jalecos podem ser importantes vetores para a transmissão de S. aureus entre pacientes. fonte

Pesquisadores mostraram que grandes inóculos de Staphylococcus aureus resistentes e outras bactérias podiam ser transferidos do jaleco para tecido celular cultivado de porcos após, 1, 5 e 30 minutos da inoculação. fonte

Os outros artigos discutem também quais tipos de contaminantes podem ser encontrados em vestimentas e equipamentos, quanto tempo microorganismos podem permanecer viáveis nestes ambientes e algumas especulações sobre o papel que isso pode ter na ocorrência de infecções hospitalares. Leiam no blog dele.
Portanto, volto a pedir: caro proctologista, mantenha seu jaleco longe do meu almoço.
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