Bactérias resistentes a antibióticos são um problema recente e crescente, principalmente em ambientes hospitalares. Originalmente, os genes que ajudam a degradar antibióticos e geram a tolerância estavam presentes nos microorganismos que produzem as moléculas que isolamos e utilizamos como remédios. Para contribuir com a resistência em bactérias de importância médica, estes genes precisam de alguma forma circular até elas.
Um dos mecanismos mais conhecidos para transmissão genética em bactérias é a conjugação, a troca de fragmentos de DNA como plasmídeos entre bactérias, geralmente restrito a bactérias de mesma espécie. Já entre espécies distintas, quem poderia ajudar?
Fagos. Recentemente, com o uso de técnicas de sequenciamento em larga escala, vírus que infectam bactérias e outros microorganimos se mostram cada vez mais capazes de carregar genes pelo mundo [pdf]. Talvez eles também contribuam para a dispersão de genes de resistência em meio ao tanto de DNA que carregam. Afinal, se são importantes para espalhar a fotossíntese pelo mar, por que não podem ser importantes também na medicina.
Foi justamente o que três pesquisadores da Universidade de Barcelona testaram. Coletando água de rios e do esgoto, eles testaram a presença de genes de resistência em águas contaminadas com fezes humanas. As amostras foram filtradas, deixando de lado organismos celulares como bactérias e protozoários, e tratadas com DNase, uma enzima capaz de degradar qualquer DNA livre no ambiente. Assim, apenas o material genético presente dentro de vírus poderia ser amplificado.
Os alvos escolhidos foram dois genes de β-lactamases, típicos de bactérias gram –, e o gene de proteína ligante de penicilina mecA, de gram +. Ambos ativos contra antibióticos da família da penicilina.
Um dos genes de β-lactamase, o blaTEM ilustra bem a influência que os remédios que tomamos têm na transmissão de resistência através dos fagos presentes no intestino. Ele foi encontrado tanto em esgoto quanto em rios, mas sua concentração foi dez vezes maior no esgoto urbano. Algumas destas amostras inclusive tinham mais genes de resistência em fagos do que em bactérias (também testadas). O segundo gene de β-lactamase testado, blaCTX-M, também foi mais comum em esgoto do que em rios.
Já o gene de gram +, o mecA, mostrou a importância de uma segunda fonte de genes de resistência. Embora fosse mais facilmente encontrado em bactérias do que dentro de fagos, sua concentração foi maior em algumas amostras de rio do que de esgoto. A conclusão dos autores dá o alerta: provavelmente se tratava de contaminação vinda de animais de criação, contaminados com bactérias e fagos portadores de genes de resistência por serem criados a base de antibióticos.
O fato de genes de resistência serem encontrados em fagos não garante que eles seriam efetivamente transmitidos para bactérias. Isto depende dos vírus serem viáveis e encontrarem o hospedeiro apropriado, mas testes feitos com alguns dos fagos isolados mostraram que eles foram capazes de transformar bactérias sensíveis em resistentes à ampicilina em laboratório. O que reforça a importância que os fagos podem ter na transmissão da tolerância aos remédios, especialmente se considerarmos que podem ser mais estáveis do que as bactérias em manter o DNA no ambiente.
Estes fagos bacterianos podem servir como uma biblioteca ambiental de genes, armazenando e transmitindo resistência, lançados nos esgotos pelos milhões de pessoas que consomem antibióticos diariamente, muitos dos quais talvez não precisassem deste tipo de remédio. Em um ritmo muito mais rápido do que somos capazes de desenvolver novos medicamentos. Como muitas consequências da tecnologia, somos vítimas do nosso próprio sucesso, ao desenvolver medicamentos fundamentais para a saúde moderna, ao mesmo tempo em que criam condições para que deixem de funcionar.
Em tempo, apenas para ressaltar como isto pode se voltar contra a humanidade, vale lembrar da O104:H4. A toxina que ela produz, a verotoxina, foi trazida por um fago integrado ao seu genoma. Fago esse que começa a replicar quando a bactéria é exposta a antibióticos, explodindo a hospedeira e liberando a verotoxina no intestino. Motivo pelo qual antibióticos não são usados para combater a infecção por bactérias enterohemorrágicas. Os mesmos antibióticos que favoreceram o surgimento destas linhagens em animais de criação em primeiro lugar.
Fonte:
Colomer-Lluch, M., Jofre, J., & Muniesa, M. (2011). Antibiotic Resistance Genes in the Bacteriophage DNA Fraction of Environmental Samples PLoS ONE, 6 (3) DOI: 10.1371/journal.pone.0017549
One response to “Vírus espalhando resistência a antibióticos no ambiente”
Gosto de todos o posts desse blog, mas os sobre vírus são imbatíveis!