[inútil como bactericida, não como sabonete]
Se fala sobre a onda do politicamente correto, e uma série de outras mudanças da sociedade. Uma das mudanças mais óbvias é nossa necesssidade crescente de limpeza e distância da natureza. É legal visitar a natureza nas férias, mas no dia-a-dia todo preferem o bife embalado em uma bandeija de plástico que não lembra de longe a vaca.
E algo cada vez mais comum em prateleiras de supermercado e propagandas são os sabonetes e produtos afins com bactericida. Algumas propaganda inclusive fazem alusão direta à proteção que o sabonete traz ao eliminar bactérias. Agora, qual o embasamento real que eles têm para afirmar isso? Nenhum.
Lavar as mãos é um hábito de higiene essencial, claro. E realmente protege o corpo de uma série de doenças, como diarréia e gripe. De fato, um dos procedimentos médicos que mais salva vidas, principalmente de grávidas no pós-parto, é a lavagem de mãos do cirurgião. A questão é se lavar a mão usando um sabonete com bactericida é melhor do que com um sabonete regular em casa.
Os resultados que vou listar são todos derivados de uma revisão de diversos artigos tratando do uso de sabonetes antibacterianos publicado em 2007 (citado ao final).
Em primeiro lugar, foi levantada a eficácia do triclosano, bactericida mais comum em sabonetes. Encontraram 4 estudos onde se avaliou o risco de doenças como tosse, febre, diarréia e infecções de pele em casas que usavam sabonete comum em comparação com aquelas que usavam bactericidas, durante o período de um ano. Todos mostraram que não havia diferença nestas doenças, independente do tipo de sabonete usado. – Algo que provavelmente contribui para isso é o fato de que muitas destas doenças podem ser causada por vírus, que não são afetados pelo triclosano.
Dos trabalhos que mediram a quantidade de bactérias nas mãos das pessoas após a lavagem com produtos com triclosano, quase que apenas os que utilizaram uma concentração maior do composto (mais de 1%) do que a de produtos domésticos (entre 0,1 e 0,45%) viram uma diminuição. O único trabalho que observou uma diminuição usando um sabonete com uma concentração dentro da comum (0,3%) viu essa redução após cinco dias consecutivos de uso, com 18 lavagens de 30 segundos por dia. Ou seja, para a concentração doméstica de triclosano, é preciso lavar muito a mão para se ver alguma diferença.
Quanto à resistência ao triclosano, encontraram alguns estudos demonstrando que bactérias podem ser tornar resistentes ao composto. Mas a associação com resistência para por aí, não observaram evidências suficientes de que o uso de triclosano facilita a resistência a antibióticos, por exemplo – o baixo número de estudos que demonstraram esta associação, e a grande variedade de antibióticos testados não permitiram nenhuma conclusão direta.
O que me deixa com algumas perguntas sobre sabonetes antibacterianos:
Qual a necessidade de produtos que não possuem evidência nenhuma de benefício com a concentração de triclosano que incluem? Ou melhor, qual a legitimidade de anunciar que o sabonete protege contra bactérias? Pior ainda, qual a legitimidade de dizer que isso protege de doenças?
Por fim, não sei qual a vantagem de expor as bactérias da minha pele à uma concentração sub-ótima do mesmo microbicida que o cirurgião que pode me operar usa.
Para mais em sabonetes e bactérias, recomendo o excelente post do Karl, e a réplica do Takata.
[update] Realmente, o que o Takata fala no NAQ é bem sério, propaganda enganosa do pior tipo:
http://neveraskedquestions.blogspot.com/2011/07/lifebuoy-pra-prevenir-resfriados.html
http://neveraskedquestions.blogspot.com/2010/12/lifebuoy-na-linha-charlatanismo.html
Fonte:
Aiello, A., Larson, E., & Levy, S. (2007). Consumer Antibacterial Soaps: Effective or Just Risky? Clinical Infectious Diseases, 45 (Supplement 2) DOI: 10.1086/519255 [pdf]
17 responses to “Por que sabonete bactericida é inútil”
Diria que este nem é o maior problema de usar sabonetes superpotentes. Nossa flora bacteriana é importantíssima para nós proteger de patógenos, se você destrói essa barreira certamente ficará mais susceptível a uma gama de doenças
Muitas mulheres tem aumento de infecções urinárias pois destroem sua flora endógena da vagina. O adequado seria usar um sabonete especialmente formulado para essa região…
Abraços
Tem toda razão, Rafael. Não quis entrar na discussão de como isso interfere na flora normal da pele e consequências, pq só isso já era outro post. Li outro dia que depois do tratamento com antibióticos, as pessoas podem levar mais de 4 anos para recuperar a flora original. E o remédio alterava inclusive quem dividia a casa. Ainda mal começamos a entender nossa interação com os microorganismos comuns da pele, quem dirá ver algum benefício em exterminá-los à toa.
Pior é q tem uma marca sugerindo q protegem contra doenças viróticas…
http://neveraskedquestions.blogspot.com/2011/07/lifebuoy-pra-prevenir-resfriados.html
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E não é de hj q insistem em propaganda enganosa:
http://neveraskedquestions.blogspot.com/2010/12/lifebuoy-na-linha-charlatanismo.html
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[]s,
Roberto Takata
Rafael, Átila,
Mas esses sabonetes com bactericidas nem são tão mais eficientes do que sabonetes comuns. Em condições ótimas, dá uma eficiência geral de 99,9% contra 98-99% de bactérias eliminadas.
E a atuação é na pele, que é rapidamente recolonizada por bactérias do meio externo. E, só nas mãos – dificilmente alguém toma banho mais do que 2 vezes ao dia.
Não deve afetar o eventual contato saudável com bactérias como a que o Hotta descreveu uma vez (e cujo link não encontro agora).
[]s,
Roberto Takata
Excelente post, muito obrigado pelas informações, pois, costumo a usar estes com informações anti-bacterianas!!!
Tal como as pastas dentífricas que eliminam 99,99% das bactérias da boca. A isso eu chamaria um antibiótico, e era grave eliminar de facto as bactérias que abundam pela nossa boca, facilitaria ao abrirmos a boca, a entrada de uma enorme quantidade de bactérias sem obstáculos para dentro do nosso organismo e provocar uma infecção. Claro que se deve lavar os dentes e protegê-los, mas uma pasta dentífrica nunca elimina essa quantidade de bactérias dentro da boca.
Acredito que o único “benefício” que pode vir desses sabonetes é que ao adquirir um desses a pessoa passa a se higienizar com mais atenção e dedicação, visando ter toda essa proteção que a propaganda diz.
E no caso daqueles sabonetes que compramos em farmácias, como soapex 1% que se dizem anti-sépticos, são mesmo? Um médico me receitou um desses uma vez.
dois pontos de contribuição:
1) o que vc faz com a mão depois que lava? seca numa toalha de pano pendurada há 1 semana? amarra o cadarço? ou fica com ela levantada por horas sem enconstar em nada? =)
a recolonização é instantânea.
2) as pessoas esquecem o que acontece depois do trecho torneira-mão-ralo: a água com triclosano vai para o esgoto. estamos inundando o mundo de triclosano (e outros antibióticos) obrigando as bactérias a serem cada vez mais resistentes. as mesmas que estão em nós.
Muito bem levantada a questão da microbiota natural da pele. A cada dia se valoriza mais este parceiro importante da fisiologia da pele, e porque não dizer do organismo como um todo, uma vez que atuam na proteção contra patógenos.
A microbiota da pele controla (e é controlada por) em parte pelo pH, um ponto central sobre o controle da diferenciação das células da pele e, por fim, por quão saudável sua pele pode ser. Assim, se estes sabonetes realmente funcionassem, a alteração da microbiota natural da pele poderia levar a sérias consequências.
Porém o problema existe mesmo sem concentração suficiente de ativo, uma vez que a maioria dos sabonetes “vende” o benefício de conter pH controlado (na sua maioria neutro), o que eleva o pH da pele (que é naturalmente ácido) e pode levar a alterações das populações de de bactérias/fungos além de uma série de outras alterações fisiológicas na pele…
Segue um artigo interessante:
Elizabeth A. Grice1 & Julia A. Segre. 2011. Nature Reviews Microbiology 9, 244-253
O texto é muito pertinente, mas por favor corrija o “antibactericida”.
[…] Saiba porque um sabonete bactericida não é tão útil como parece: texto do Átila no Rainha Vermelha. […]
[…] no Rainha Vermelha, onde o Atila comenta sobre a utilidade dos sabonetes bactericidas (clique AQUI). O segundo, no Ecce Medicus, em que o Karl comenta sobre como as práticas decorrentes da epidemia […]
Esse tipo de produto usa a neurosa das pessoas para ganhar dinheiro.
O mesmo raciocínio serve para laboratórios, que inventam inúmeros xaropes para resfriados ou vitaminas para as crianças.
Sem contar que doutrinaram a sociedade que em toda febre deve-se fazer hemograma,toda cefaleia uma tomografia e toda dor abdominal, um ultrassom.
São os espertos enchendo o bolso graças as neuroses da sociedade. Sociedade essa que cada dia está mais neurótica. Basta ir em qualquer hospital para se verificar isso. 80% dos “pacientes” das emergências estão lá só ocupado espaço e prejudicando quem realmente precisa de um serviço de urgência!!!!
[…] Saiba porque um sabonete bactericida não é tão útil como parece: texto do Átila no Rainha Vermelha. […]
Realmente lavar as mãos é importante para evitar várias doenças e é um ato de higiene pessoal.
[…] as quais eles não fazem o menor efeito (alguém falou em infecções virais aí?), fora aqueles sabonetes que prometem eliminar 99,99999% dos germes (cada vez aumentam mais as casas depois da vírgula) e […]