O que li de melhor em 2016

Realidade Oculta, do Tito Aureliano

Aquele post de fim de ano com ideias dos livros que você pode comprar ou dar de presente neste Natal. Graças ao trabalho doméstico e ao hábito novo de ouvir acelerado alguns livros, daqueles que fazem longas explicações de um mesmo argumento, este ano foram 80 leituras das quais separo só o melhor aqui. Para variar, a maioria foi ouvida, não lida, o que não faz muita diferença no final – se quiser saber como e porque ouço os livros, clique aqui. A lista completa com comentários mais resumidos está no Goodreads, onde catalogo o que leio.
Livros em ordem do que mais gostei, dando prioridade para títulos que foram traduzidos. Para mais ideias, tem o que citei no Nerdologia.
Disclaimer: os livros abaixo estão com meu link de afiliados da Amazon, ou seja, ganho uma comissão por cada livro comprado a partir dos cliques. O que não influencia o que recomendo.
 

Homo Deus, por Yuval Noah Harari


Ano passado, elegi como a melhor leitura o Sapiens, livro anterior do Yuval Harari. Este ano, tive o prazer de participar da revisão técnica da tradução. Para variar, Homo Deus foi o melhor que li em 2016. O Harari que me marca muito como alguém capaz de mudar a forma com entendo o mundo.
Uma ótima análise rápida sobre como chegamos aqui, que se conecta muito bem com o Sapiens, e uma análise mais extensa sobre para onde podemos ir. A análise em terceira pessoa sobre humanismo, capitalismo, dataísmo e tendências futuras é excelente. E a reflexão que ele traz sobre os valores que damos para o valor individual, consciência e autonomia só deve ganhar importância nos próximos anos. E tudo isso em uma linguagem acessível e ao alcance de qualquer audiência.
Não vou falar muito sobre o livro para não estragar a reflexão. Só digo que, se você dá algum valor para o que recomendo – presumo que sim se está lendo isso – leia. Para comprar sem pensar. Link do livro.

A Espiral da Morte: Como a Humanidade Alterou a Máquina do Clima, por Claudio Angelo

[Disclaimer: este não é um review imparcial, sou amigo do autor, mas a admiração pelo conteúdo é franca]

Excelente leitura para quem quer entender as mudanças climáticas. Claudio Angelo tem quase duas décadas de experiência estudando e cobrindo o tema para a Folha e outros órgãos. O que trouxe para livro uma visão de área sobre os efeitos do aquecimento global como Laurie Garrett traz para doenças em A Próxima Peste, que só costumo ver em grandes obras em inglês.
Espiral da Morte é denso, cheio de informação de ponta, que explica em grandes detalhes várias das mudanças climáticas, passada em primeira mão por quem visitou do Ártico à Antártida, além de entrevistar muitos pesquisadores de diversas áreas. Ainda completa com uma perspectiva sobre onde o Brasil se encaixa nisso tudo que é impossível de encontrar em obras internacionais. Dá para ver que é o trabalho de uma vida – ou pelo menos de uma porção significativa dela. Para complementar, os mapas e infográficos não chegam a ser essenciais porque o texto é detalhado, mas são muito bons para complementar o que seriam conceitos abstratos e locais com os quais não tinha a menor familiaridade.
O livro cobre o aquecimento e seus efeitos em si, de como começamos a entender que havia uma mudança climática a caminho ao que se observa hoje em dia. Deixa bem claro quais são os pontos sobre os quais a informação que temos é conclusiva ou não e o que ainda não está claro. O que não fala muito e senti falta é a parte sobre as empresas e os interesses políticos por trás da discussão toda, que não tenho a menor dúvida que o Claudio conheça. Mas deixa o conteúdo mais “imparcial” e acessível para quem quer se informar sobre a questão científica do assunto. A parte final sobre o clima do Brasil, a Antártida e até a estação brasileira no continente (e o incêndio de 2012) dão uma noção importante do que nos afeta aqui. Recomendo para qualquer um afetado pelo que está mudando. Ou seja, todo mundo. Link do livro.

Realidade Oculta, por Tito Aureliano

[Disclaimer: outro review parcial,  já que sou amigo do autor 😉 ]

A única obra de ficção da lista, mas merece por misturar ficção com ciência. Uma boa homenagem à Jurassic Park. O Tito Aureliano e a esposa Aline Ghilardi são os paleontólogos por trás do Colecionadores de Ossos. O que garante que o Realidade Oculta seja uma obra muito bem ancorada na ciência (tirando a trama principal).
Uma história intensa por trás do mistério de um fóssil humano formado no Cretáceo, cheia de ação que entrega muitos dinos, pterossauros e toda fauna do Cretáceo brasileiro. Recomendo um celular ou um computador ao lado para checar os bichos citados, que são bem descritos, mas não fazem parte do imaginário mais comum. Com direito a ecologia e comportamento animal baseados em ciência, que fizeram este biólogo bem feliz. Só senti um pouco falta da descrição dos sentimentos e do medo que se passaria naquela situação. Me peguei pensando por dias em como seria viver naquele ambiente quente, cheio de perigos. Link do livro.

O Gene, por Siddhartha Mukherjee


O Gene é um livro recomendadíssimo para qualquer um que quer entender mais sobre genética e DNA. Uma mistura de histórias pessoais e histórias de figuras importantes na descoberta do que são os genes e quais os papéis deles que torna o livro interessante para leigos e entendedores. A mesma receita que ele já deu muito certo em O Imperador de Todos Os Males, do mesmo autor, que ganhou o Pulitzer. Para leigos, boa parte das explicações são novas e (acredito) compreensíveis. Ele descreve grande parte dos exemplos que vi durante meu curso de biologia molecular. E inclusive poderia ser material de curso de biomol sem muitas perdas e sem ser nada cansativo como o material tradicional costuma ser. Para quem já entende, a perspectiva histórica, relatos de quem foram ou como eram as pessoas por trás das descobertas que conhecemos e as discussões sobre ética são excelentes.
Descobri muita coisa nova apesar de gostar e entender da área. Ponto mais forte: o Siddhartha Mukherjee tem formação médica e sua preocupação com os caminhos da eugenia e com as implicações e complicações da modificação genética de humanos, de testes de propensão para doença e outros são ótimos pontos para discussões de ética. Ponto mais fraco: talvez pela formação mais médica, alguns pontos históricos ou biológicos ficaram um pouco errados. Ele afirma que Darwin teve acesso aos textos de Mendel, mas até onde sei eram textos sobre cruzamento de plantas, não sobre os princípios da genética. E o único ponto conceitual que realmente me pegou, quando ele fala sobre epigenética, foca muito mais em uma noção já bem deixada de lado, a da regulação através das histonas, e não discute modificações que realmente ocorrem mais como a metilação do DNA. Nesse sentido, o Sobrevivência dos Mais Doentes trata melhor, apesar de ser mais antigo. Link do livro.

Por que as Nações Fracassam. As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza, por Daron Acemoglu e James Robinson


Este ano foi um ano de leituras sobre política, motivadas principalmente pelo Por que as Nações Fracassam. Bom, um tanto longo demais e um tanto deprimente. Uma análise da situação político/econômica das nações, que defende que o que faz um país próspero é uma economia inclusiva, em contraste com uma economia extrativista. Bom porque achei que o argumento tem um ótimo poder descritivo, mesmo ignorando as condições naturais que o Jared Diamond tanto cita em Armas, Germes e Aço e Colapso – na verdade, é um bom contraponto ao determinismo biológico do Diamond. Longo demais porque dão explicações muito detalhadas do que é basicamente uma outra versão do argumento principal, mas vale por introduzir outras culturas. Deprimente porque me fez perceber que o Brasil se encaixa na condição extrativista desde que foi criado. Sem falar no final…
Link do livro.

As Origens Da Ordem Política e Political Order and Political Decay, por Francis Fukuyama


Como disse, foi um ano de leituras políticas. Motivado pelo Por que as Nações Fracassam, parti para as obras do Fukuyama – infelizmente, Political Order and Political Decay, o mais recente, ainda não foi traduzido, mas saiu em Portugal pela Leya.
As origens da ordem política passa pela história de várias civilizações explicando como o passado delas deu condições ou criou complicações que implicam no presente. Ótimas ideias, muito bem explicado, um tanto repetitivo, especialmente porque ele conta e reconta as mesmas condições em mais de um capítulo. A situação no Brasil, também de acordo com este livro, é bem deprimente. A maneira como ele coloca o estado francês pré-revolução, fraco e dependente de terceiros para gerenciar e coletar imposto, por isso muito mais sujeito à corrupção e nepotismo, se estende para o governo espanhol e por similaridade ao português que nos originou (mesmo ele não falando deste último diretamente). A lição que levei para o Brasil é: não tem educação ou desenvolvimento que nos salve sem uma mudança fundamental da política e do sistema de favorecimento de indivíduos. E o Estado atual faz e fará o possível para manter isso como está. Foi mais uma pedrada no argumento de que o que desenvolveu a Coréia do Sul foi a educação, versus o que fez a educação crescer na Coréia do Sul foi o desenvolvimento econômico.
Political Order and Political Decay é recheado de história e excelentes insights. Fukuyama integra muito bem como as democracias (e não democracias) atuais se desenvolveram e o conflito de interesses e poderes, tanto políticos quanto até biológicos, que levam ao que funciona e ao que está em crise atualmente. Em especial como uma vez construída uma instituição, interesses internos competem para mantê-la funcionando mesmo quando sua função acaba, e para mantê-la funcionando de forma que favorece quem está dentro. Se eu já estava na dúvida sobre o papel da educação no desenvolvimento de um país, se seria causa ou efeito, este livro foi o prego no caixão da causa. Muita reforma política vem antes e parecemos muito, muito distantes desse cenário.
Se você achar a leitura pesada demais, fique com a mensagem do Por que as Nações Fracassam que estará bem informado. Link dos livros: As origens da ordem política e Political Order and Political Decay.

I Contain Multitudes: The Microbes Within Us and a Grander View of Life, por Ed Yong


I Contain Multitudes é uma revisão bem ponderada sobre as descobertas recentes do microbioma humano (e não só humano). O Ed Yong é um escritor de ciência de mão cheia, tranquilamente um dos melhores da atualidade, que entre outras coisas bloga no Not Exactly Rocket Science, da NatGeo.
Este é o primeiro livro dele e já acerta de mão cheia. Bem humorado, bem explicado, bastante acessível e atualizado. Na minha opinião, o livro definitivo para se ler sobre microbioma humano e os efeitos que as bactérias no nosso intestino podem ter. Isso porque, além de ser o mais atual em um campo que está mudando muito rapidamente, apresenta os pontos e contrapontos. Quais as críticas que se faz ao microbioma e a probióticos, como a maioria dos probióticos não serve para nada, como os experimentos são feitos, o pacote completo. Ou seja, discute uma área promissora sem cair no hype, apresentando de maneira bem imparcial a importância dos achados, sem vender isso como a cura de todos os males.
Sem falar que é tão diverso quanto se pode esperar de alguém que fala de todas áreas em biologia. Não fica só no microbioma médico ou em doenças, passa por hienas, toupeiras, plantas, vespas parasitóides (minhas preferidas), corais morrendo, doenças de anfíbios e mais. Também passa pela área médica e discute a importância das bactérias no humor, peso e bem estar humano, todos achados recentes.
Enfim, recomendo para quem um mínimo de interesse em corpo humano, ecologia, medicina ou microbiologia. Tão acessível quanto um livro em inglês pode ser. Se sair em português, acessível a qualquer público. Link para o livro.

Dark Matter and the Dinosaurs: The Astounding Interconnectedness of the Universe, por Lisa Randall


Randall é autora do Batendo à porta do céu: O bóson de Higgs e como a física moderna ilumina o universo, que foi traduzido aqui no Brasil. Também é legal, mas na minha opinião o Dark Matter and the Dinosaurs é bem melhor.  O conteúdo é um pouco especulativo no final, quando ela defende o argumento central do livro (sim, o argumento central é especulativo): a matéria escura poderia matar dinossauros. Mas a explicação toda para chegar nesse ponto é boa, bem descrita e compreensível. É o tipo de atualização de área que a astronomia precisa, com o que vem acontecendo de novo na área, de energia escura à matéria escura. Recomendadíssimo. Link do livro.

The Vital Question: Energy, Evolution, and the Origins of Complex Life, por Nick Lane


Um bom livro sobre as ideias mais correntes da origem da vida e o surgimento de células complexas. O foco central é o argumento em torno das mitocôndrias e como a vida está ligada à geração de energia em cadeias de elétrons. O Nick Lane é o autor nesse tópico e diversos outros livros que li sobre assuntos próximos o citam como a melhor explicação. E The Vital Question é de longe a explicação mais acessível que ele faz sobre o tema. Link para o livro.

Algorithms to Live By: The Computer Science of Human Decisions, por Brian Christian e Tom Griffiths


Algorithms to Live By me surpreendeu como uma excelente mistura de matemática, estatística, computação e problemas do dia-a-dia. Um daqueles livros raros que ensina coisas novas, novas perspectivas e ainda dá dicas úteis. As explicações sobre por que nossa memória parece falha conforme envelhecemos, como mudamos de uma personalidade mais exploradora para a repetição de gostos fixos e várias outras fazem o livro rico em explicações compreensíveis e exemplos com os quais podemos nos relacionar. A melhor surpresa do ano em termos do que esperava e o que encontrei. Esperava mais sobre mente e bioquímica mas não fez falta nenhuma. Link do livro.

Writing on the Wall: Social Media – The First 2,000 Years, por Tom Standage


Writing on the Wall foi um dos livros que mais me marcou este ano. Adorei a abordagem de comparar meios passados com os atuais. Melhor ainda, ele fala sobre antes da mídia impressa – embora seja mais um restrito à cultura ocidental. A comparação entre as redes sociais de cartas, notas e poemas com as redes sociais atuais é muito boa. Eu nunca tinha pensado em como o novo são as mídias em massa, com o monopólio da informação, e não mídias pulverizadas com pessoas influentes (no sentido de que falam com muitas outras). Outro ponto muito bom é a comparação do começo dos jornais com o começo do rádio e da TV, a eliminação da participação social e o controle por grandes mídias, que deve acontecer com YT e similares daqui para frente. Excelente para entender nossa paixão por mídias sociais. Link do livro.

Are We Smart Enough to Know How Smart Animals Are?, por Frans de Waal


Uma ótima atualização sobre inteligência animal escrita por um dos maiores pesquisadores da área (e ótimo comunicador). Frans de Waal escreveu Are We Smart Enough to Know How Smart Animals Are? (ao meu ver) para defender o conceito que a diferença de inteligência e consciência entre humanos e animais é muito mais de grau do que de tipo. Ele explica de onde vem a escola behaviorista de comportamento animal (animais respondem à recompensas) e de onde vem a etologia, escola “concorrente” de pensamento sobre o comportamento animal. E argumenta bem claramente porque muitas vezes testes de inteligência animal falham: porque não são feitos de forma inteligente. Como testar se um gato e um peixe conseguem empilhar pedras embaixo d’água e concluir que, como o peixe durou mais tempo vivo no teste, deve ser mais inteligente. O tipo de argumento que cabe muito mais em um livro um tanto auto-biográfico do que um artigo.
São vários exemplos muito legais e bem atuais de como animais (quanta rima) como elefantes, corvos, baleias, golfinhos, todo tipo de macacos, lobos, cães e até lontras são capazes de mostrar pensamento inteligente. Em particular me agradou a postura meio “biólogo experiente, feliz com a área de trabalho e disposto a explicar” que ele adota, misturando os argumento e exemplos de artigos com experiências pessoais cuidando de primatas em zoológicos. Aquele tipo de livro que só pode ser escrito por alguém que domina a área há décadas e está bem acostumado a argumentar, como a Jane Goodall ou o E. O. Wilson. Link do livro.

Why Information Grows: The Evolution of Order, from Atoms to Economies, por César Hidalgo


Why Information Grows é curto, mas denso e cheia de novas ideias. Uma explicação breve sobre o que é informação, a diferença para significado, nada que A Informação não tenha feito em mais detalhes. Mas é só uma introdução para a grande explicação que vem em seguida, como a informação se acumula em sistemas através de sólidos (algo que nunca tinha lido antes, se tiverem mais sobre, quero) e como cresce dessa forma. Vai me fazer ler o O que é Vida? pelo poder de dedução de Erwin Schrödinger.
A outra parte do livro usa esses princípios para descrever como cresce o conhecimento humano, passando pelas etapas do conhecimento individual e do conhecimento acumulado em redes. Mais um livro para olhar para a situação econômica do Brasil e ficar desanimado. A maneira como ele integra redes de produtos, serviços e economia é reveladora. Mais um dos livros que gosto, que descrevem fenômenos complexos como sistemas com propriedades que podem ser entendidas. O autor foi orientado do Albert-László Barabási e isso aparece bem nas ideias de entender o mundo através de redes. Deixou vontade de saber mais. Link do livro.

Menção honrosa: The 4th Revolution: How the Infosphere Is Reshaping Human Reality, por Luciano Floridi


Terminei de ler em dezembro do ano passado, por isso não entrou na lista anterior. Floridi é um filósofo com a cabeça no que o mundo está passando e suas ideias são citadas em outros livros sobre tecnologia e as mudanças recentes. The 4th Revolution é uma excelente visão do que é o presente e do futuro, uma revisão do que outros livros como A Segunda Era das Máquinas tratam, mas com comentários muito lúcidos e pertinentes por cima. Problemas como a ética que a nossa entrada no mundo online cria, do que fazer com os excluídos a como se comportar no novo mundo. Indispensável para quem pensa em tecnologia. Link do livro.

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