Leituras para o Dia Internacional da Mulher

Marie Curie

Marie Curie
Quem melhor para ilustrar o post do que a primeira pessoa a ganhar dois prêmios Nobel e matriarca da família mais premiada.

Entre falta de incentivo e mais propostas de trabalho e propostas de salário mais altas para homens do que mulheres, acabamos perdendo uma parte importantíssima dos cérebros na academia. Aproveitando o evento e tentando nadar contra essa maré e promover algo que acredito durar mais do que um dia, segue a minha lista de livros escritos por autoras ou que tratam de mulheres na ciência. Com o que espero que sejam bons exemplos de cientistas, em termos de carreira e escrita. A lista nem de longe é compreensiva, mas fiquei só com o que li e gostei.

A Vida Imortal de Henrietta Lacks, por Rebecca Skloot

Henrietta Lacks desenvolveu um tumor cervical que mudaria o entendimento de muita coisa na biologia. As células extraídas de sua biópsia ainda estão vivas, escrevi sobre elas aqui. Mas a história de Henrietta e sua família é muito mais rica do que suas células e muito seria perdido sem o livro A Vida Imortal de Henrietta Lacks.  A Vida Imortal é o primeiro livro dela e consumiu 10 anos (e um casamento, palavras dela) para ser escrito, principalmente porque ela precisou contatar seus familiares e fazer grande parte do levantamento de material com a filha mais nova de Henrietta, Deborah.
A narrativa do livro segue duas frentes, uma descrevendo o rumo que as células de Henrietta tiveram, a outra, descrevendo a aventura da autora e de Deborah para descobrir mais sobre sua mãe e sua família, inclusive o destino de uma irmã com problemas mentais que havia desaparecido após a morte de Henrietta. Uma mistura fantástica de ciência e história pessoal, que com certeza contribuiu para o livro ser um dos mais vendidos nos EUA por semanas após seu lançamento e transformou a obra em filme.

Os Inovadores: Uma Biografia da Revolução Digital, por Walter Isaacson

Não é um livro escrito por mulheres, mas é o livro sobre inovação e tecnologia que mais tratou do papel das mulheres que já ouvi. Sei que existem obras dedicadas exclusivamente ao tema, mas ainda estão na lista para ler. Inovadores é um livro com um tom mais biográfico e voltado para as pessoas por trás dos computadores e da internet. Uma história do começo da computação, de Charles Babbage e Ada Lovelace até tempos recentes. Com direito ao papel de Grace Hopper, a primeira pessoa a programar um compilador. E Kay McNulty, Betty Jennings, Betty Snyder, Marlyn Meltzer, Fran Bilas e Ruth Lichterman, as matemáticas que programaram o ENIAC, o primeiro computador programável e digital. Isso até o software ganhar mais importância do que hardware na computação, quando homens ocuparam o campo em massa.
Walter Isaacson tem uma abordagem conciliadora, que passa por duas formas de descrever criações. Uma é a do “gênio”, de uma pessoa responsável por uma grande invenção que muda o mundo, e ele descreve a vida e o papel de muitos indivíduos. Outra abordagem é a do grupo, de como criações dependem de uma mentalidade e da participação de muita gente e só se confirmam com a adoção por outras pessoas. As duas se complementam e deixam o livro pessoal e compreensivo ao mesmo tempo.

Curiosidade Mórbida, por Mary Roach

Mary Roach é uma das autoras que mais gosto. Seu estilo bem-humorado, um tanto auto-biográfico e cheio de curiosidade é muito bom de ler. Curiosidade Mórbida é seu livro sobre a história dos cadáveres, de como estudamos o corpo humano, cadáveres roubados, como são usados para determinar a segurança de equipamentos, como se decompõe e mais. Também posso recomendar qualquer um de seus outros livros com títulos de uma palavra só, Grunt (sobre guerra), Bonk (sexo) e Gulp (digestão), mas estes não saíram em português. Em qualquer um deles, espere um livro bem humorado, descontraído, cheio de boas tiradas e insights curiosos sobre situações que nem de longe pareciam interessantes, mas são.

Batendo à Porta do Céu: Como a Física e o Pensamento Científico Iluminam o Universo e a Vida Moderna, por Lisa Randall

Lisa Randall é uma física de partículas e cosmologista. A melhor receita para duas grandes obras de divulgação que li. Batendo à porta do céu é uma ótima descrição de como funciona o LHC (dirigido por uma física de partículas), como foi construído e o que é pesquisado lá. É impressionante pensar no volume dessa empreitada, o número de pesquisadores envolvidos e a própria escala da pesquisa. O livro em si vai bem mais além disso, é voltado para quem não tem familiaridade com a ciência. Ela explica desde o processo científico à várias teorias científicas e questões atuais que devem ser investigadas. Cobre bem do “bem-vindo à ciência” ao conhecimento atual sobre quarks, glúons e componentes da matéria. Um pouco redundante com o Dark Matter and the Dinosaurs (que gostei mai) e logo antes de descobrirem o Bóson de Higgs, então ficou um pouco desatualizado, mas nada que prejudique.
Dark Matter and the Dinosaurs: The Astounding Interconnectedness of the Universe é delicioso. O conteúdo é um pouco especulativo no final, quando ela defende o argumento central do livro (sim, o argumento central é especulativo), que a matéria escura poderia matar dinossauros. Mas a explicação toda para chegar nesse ponto é boa, bem descrita e compreensível. É o tipo de atualização de área que a astronomia precisa, com o que vem acontecendo de novo na área, de energia escura à matéria escura. Recomendadíssimo.

The Only Woman in the Room: Why Science Is Still a Boys’ Club, por Eileen Pollack

Entrando na seara dos livros que não foram publicados no Brasil, mas por um bom motivo. The Only Woman in the Room é um exercício de empatia que recomendo para qualquer aluno de cursos científicos, cientista ou professor, de ambos os sexos. Uma auto-biografia da Eileen Pollack contando como ela cursou física em Yale na década de 70, o que passou para chegar lá e o que a fez se decidir por seguir a carreira de escritora e professora de inglês, ao invés da carreira científica. Com uma série de situações onde ela claramente é tratada de forma diferente dos homens que seguiam as mesmas vocações e como isso terminou por afastá-la da área de ciência. Termina com uma reflexão sobre o que mudou e o que não mudou desde então.
A maior diferença os homens e as mulheres em exatas, segundo os estudos que ela cita e sua própria trajetória, está na auto-crítica, não na vocação por física ou matemática. Segundo ela, mulheres são muito mais auto-críticas e tendem a encarar as falhas como dificuldades pessoais, não como algo natural a todos que estudam exatas. O que torna a falta de incentivos e reconhecimento uma barreira ainda maior para persistirem. Sem falar na maneira como mulheres que estudam bastante ou gostam de exatas podem ser coibidas na escola e na graduação. Daí recomendar a todos envolvidos no processo, o livro pode ser um jeito de repararmos onde dificultamos – ou pelo menos não facilitamos – o caminho de mulheres que teriam toda afinidade e vocação para seguir uma carreira em exatas, o que mantém o campo predominantemente masculino.

Paleofantasy: What Evolution Really Tells Us about Sex, Diet, and How We Live, por Marlene Zuk

Zuk é uma evolucionista que trabalha com comportamento animal. E que usa todo seu conhecimento sobre evolução humana para escrever uma obra excelente sobre sobre como pode ou não ter sido nosso passado e a situação onde nosso corpo e hábitos evoluíram. Ela inclui achados recentes como a evolução da digestão de leite e amido, bem como as evidências de que já comemos de tudo em nosso passado – sobreviver sempre foi mais prioritário do que uma dieta específica. é um bom livro para colocar a ciência em dia e avaliar criticamente o mundo de “somos homens das cavernas presos em uma sociedade/dieta/saúde moderna” que se vê. Por isso mesmo, destrói muito do que a paleodieta defende.

The Big Ratchet: How Humanity Thrives in the Face of Natural Crisis, por Ruth DeFries

Ruth DeFries é uma geógrafa da Columbia University que escreve uma enorme revisão da história e evolução da humanidade, passando pelas transições de caçador-coletor para agricultura e depois de agricultura para industrialização. Com comentários sobre as dificuldades que levaram às transições e os problemas que as soluções criaram. A parte que mais gostei fica por conta das mudanças recentes, a transição que ela dá para uma sociedade pós-industrial onde os maiores problemas ficam por conta da fartura, não da falta. Fartura de comida e calorias causando obesidade e fartura do impacto que temos no planeta. Tudo isso seguindo um ótimo caminho do meio, sem nos colocar como os melhores inovadores que resolvem tudo (à la O Otimista Racional) ou a grande praga do mundo que vai se extinguir por conta (à la Colapso).

The Dynamics of Disaster, por Susan W. Kieffer

Susan Kieffer é uma geóloga de mão cheia, que passa ao longo do livro por vários tipos de catástrofe e não só explica como acontecem, mas dá exemplos bem ilustrativos. Aprendi muita coisa nova, como raios ou o efeito de liquefação em terremotos, quando o solo expulsa a água durante um tremor.
Ela também fala de deslizamentos, enchentes, tsunamis, vulcões, tempestades e até fenômenos menos discutidos como alguns tipos de ventos, jetstreams e ondas altas bizarras (não achei termo em português para rogue waves). Enfim, todo catálogo de curiosidades em torno de desastres, explicadas por alguém que realmente entende. Recomendo a qualquer público.
 
 


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