Meu genoma, minha privacidade


Estamos cada vez mais perto de um dos sonhos da medicina: a medicina personalizada. A idéia é simples, conhecer cada pessoa, sua fisiologia, psicologia e genoma, e prevenir ou tratar cada um de acordo com as suas características especificas. Afinal somos diferentes uns dos outros, temos resistências diferentes a doenças e respondemos de maneiras diferentes aos tratamentos. Os seqüenciamentos pessoais de genoma terão um papel essencial nessa nova medicina.

Hoje em dia ainda é demorado e caro fazer seqüenciamento de um genoma inteiro, mas a perspectiva de isso vir a ficar mais fácil é clara. Recentemente um grupo anunciou o seqüenciamento de dois cromossomos de um indivíduo. O líder do grupo, que teve seus cromossomos 23 seqüenciados descobriu algumas coisas interessantes com isso: a seqüência de seu gene ABCC11 indica que ele tem tendência a ter cera de ouvido úmida ao invés de seca; uma repetição de quatro seqüências antes de seu gene MAOA indica um comportamento social normal, já que a presença de apenas três dessas seqüências ocorre em muitas pessoas com comportamento anti-social. Também algumas informações preocupantes foram descobertas. O seu gene APOE está associado a maior risco de doenças cardiovasculares e Alzheimer, e a sua variação do gene SORL1 também está ligado a Alzheimer.

Ótimo saber tudo isto certo? Agora podemos estar mais atentos e prevenir este cara contra estas doenças indicadas pelos seus genes! Mas vamos nos por no lugar do cidadão que foi seqüenciado. Essa tendência a Alzheimer não deve ser fácil de esquecer. Como lidar com esta situação? Muita gente pode se derrotar ou ficar com aquele fantasma da doença que pode aparecer a qualquer momento. Afinal não há ainda cura para isto. Devemos ter claro que estas ligações entre genes e doenças são produto de pesquisas que comparam seqüências de genes de pessoas que tem e não tem Alzheimer, por exemplo. Algumas variações podem estar muito ligadas à doença, e vão aparecer bastante no grupo dos doentes e não muito nos saudáveis. Mas não há um fatalismo, nada é certo. Alguns doentes podem não ter a variação e não-doentes podem possuí-la.

Além do peso psicológico que estes seqüenciamentos pessoais carregam há ainda outras questões em jogo. Como uma empresa de seguros agiria tendo em mãos o perfil genético de seus clientes? Fica claro que a chance de quererem cobrar de forma diferenciada, simplesmente com base nas tendências, é grande. Cobrar por doenças que ainda não surgiram se é que vão surgir. O mesmo vale para a contratação em empresas. Além de provas, entrevistas e dinâmicas, uma gota de sangue poderia ser parte da seleção, e a contratação dependeria de seu perfil genético. Claro que isto seria a base para a descriminação genética, já imaginada no filme “Gattaca“. Mas a sociedade parece estar se prevenindo. Leis que proíbem o uso de informações genéticas por empresas e que garantem a liberdade do indivíduo querer saber ou não essas informações estão sendo aprovadas nos Estados Unidos e discutidas por todo o mundo.

Referências:

Your Genes and Privacy – Louise M. Slaughter, Science 11 May 2007: Vol. 316. no. 5826, p. 797

All about Craig: the first ‘full’ genome sequence – Heidi Ledford,Nature Vol 449|6 September 2007

2 comentários em “Meu genoma, minha privacidade”

  1. Interessante você colocar a referência do filme Gattaca. Pensei nele assim que li seu artigo. De fato, além de cor de pele, escolaridade e "perfil" (uma expressão genérica que se encaixa em qualquer discurso discriminatório) teríamos que lidar com a discriminação e/ou seleção genética nas empresas. Já pensou a Ford dispensando um funcionário porque ele tem propensão a ter câncer?Mas confesso que gostaria de saber se eu posso vir a ter doenças degenerativas no futuro. A prevenção seria mais eficiente. Por isso eu acho que a escolha do título do artigo foi muito feliz. Parabéns Rafael!

  2. Bem colocado este artigo, e super autêntico pela realidade que veremos no decorrer deste século. Assisti a um filme http://www.zeitgeistmovie.com/ e nele me chamou a atenção justamente para a privacidade que acreditamos ter hoje e na qual "teremos" amanhã (digo hoje também!). No filme diz que seram implantados CHIPs personificados, com o "perfil" completo do indivíduo, perdendo assim, toda a sua privacidade, seja ela qual o for!Enquanto isso, vamos viver nessa ilusão que o consumismo através da tecnologia e a boa educação nos deu e, a tal religião também...partindo assim para a vida não vivida, deixando o governo nos controlar, servindo de peças para o mercado capitalista de um sistema corrompido e elitisado.LUTE por um mundo mais justo, mas começe dentro de você!João Roberto

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