O Robô e o Fantasma na Máquina

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A notícia do robô da Honda que pode ser controlado pelo pensamento fez bastante barulho na mídia e nas mesas de boteco. Mas por quê?

Porque a maioria das pessoas ainda acredita, mesmo que inconscientemente, na separação entre mente e corpo, o chamado dualismo. Afinal, como a carne pode pensar? Um evento tão complexo e abstrato como o pensamento não pode ser simplesmente cerebral, celular, enfim, material.

O fantasma na máquina

Existe para os dualistas o que se chama fantasma na máquina (ghost in the shell, em inglês), sendo o corpo a máquina, e a mente um fantasma, algo imaterial que habita e controla o corpo.

Mas quanto mais nos aprofundamos no funcionamento cerebral, mais percebemos a ligação e a causação entre comportamento e corpo. Afastando assim o fantasma da máquina e tornando cada vez mais distante o dualismo. Afinal, se simples remédios ou danos ao cérebro podem alterar a personalidade das pessoas, este fantasma parece não mandar muita coisa.

Do que é feito o pensamento

Não sabemos exatamente como o pensamento é formado. Mas sabemos do que é feito: Padrão de ativação de neurônios. Sim existe um padrão. E ao monitorar este padrão podemos saber ou “ler” o que se passa na cabeça do indivíduo.

Exemplo: Mostrando para as pessoas desenhos básicos, como uma flor ou uma estrela, pode-se monitorar a atividade dos neurônios, e percebe-se que sempre que é mostrada a estrela, o mesmo grupo de neurônios se ativa. E mostrando a flor o padrão é outro. Depois de treinar um computador desta maneira, flor igual padrão X e estrela igual padrão Y, o computador pode descobrir para qual das duas um indivíduo está olhando simplesmente analisando a atividade dos neurônios. Esta pesquisa já foi feita, mas me perdoe por eu não ter achado agora para por o link aqui.

O princípio desta pesquisa é o mesmo para o robô da Honda e também para as pesquisas do professor Nicolelis, que fez um macaquinho mover um braço mecânico e até um robô andar com o pensamento.

Interessante notar que para a máquina-robô nosso pensamento é realmente o fantasma controlador, assim descobrimos que para os robôs o dualismo existe!

O fantasma de Matrix

Expulsando o fantasma da máquina nos deparamos com outras assombrações. Se conseguirmos ler totalmente a mente das pessoas, como fica nossa privacidade? E o fantasma de Matrix (que faz 10 anos em 2009, e que aliás foi muito inspirado num mangá chamado justamente Ghost in the Shell) está muito presente. Afinal, se pudermos mapear o pensamento, será que poderemos induzi-lo, criando realidades virtuais perfeitas e mesmo controle mental? Se isso acontecer, como distinguir realidade de realidade virtual?

Antes de mais nada, é importante dizer que este tipo de tecnologia não tem nem previsão para se realizar. Nicolelis acha que implantes robóticos controlados pela mente podem estar sendo testados em 10 anos. Mas esta é a parte fácil. Saber o que uma pessoa está pensando é um salto maior, e controlar isto maior ainda, claro.

Por isso não temos pressa para decidir sobre a questão ética deste tipo de pesquisa, mas um dia nós certamente nos depararemos com ela.

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7 comentários em “O Robô e o Fantasma na Máquina”

  1. Apenas uma "nota de pé de página": e o pior é que eu sou uma dessas pessoas que acredita nesse dualismo... só que procuro manter o senso de proporções.

  2. Se não havia desde o início uma consciencia alienígena controlando a mente humana, com certeza agora já há. Imagine o que deve ter de consciencia parasita nos mundos!

  3. Texto interessante!

    Trabalho na área de inteligência artificial e vejo que a essa questão está longe de ser resolvida. Por maior que seja o nosso esforço no estudo da neurociência ou da IA, não creio que a questão da mente será resolvida através de uma abordagem naturalista, pois isso não só acarretaria em alguns problemas de categoria quanto a natureza da relação casualistica inicial (eu sou meu cérebro ou eu sou eu? e o fenomeno do pesadelo deterministico popperiano?) ou na influência da mente sobre o corpo (dissolvendo essa influência, teriamos o epifenomenalismo que é bastante problemático). Muitos especialistas como Roger Penrose, John Eccles e Karl Popper também chegaram inclusive a abordar visões idealistas ou dualistas.

    Creio que você esteja adotando uma escola de filosofia da mente chamado de Teoria da Identidade Mente-Corpo (me corrija se estiver errado).

    O problema com essa teoria é que as causações físico-química entre os seres vivos que deveria ser conectadas a um determinado estado mental são bem distintas.

    Um exemplo disso é a identificação de dor com a activação das fibras C. Pela lógica da Teoria da Identidade, qualquer criatura que não possua fibras C não poderá sequer ter uma experiência conhecida como dor, pois é incompatível com as premissas básicas que nos diz o seguinte:

    Para qualquer estado mental M, existe um único estado físico F tal que uma criatura pode ter M se, e só se, tem F.

    A Teoria da Identidade Mente-Corpo afirma que se uma propriedade física Fi é suficiente para os humanos terem uma certa propriedade mental M, então é necessário que todas a criaturas ou sistemas que tenham M tenham Fi. Contudo, se se comprovasse que a dor é multiplamente realizável, poderia presumir que há pelo menos uma outra base física, Fj, distinta de Fi, que seria suficiente para essa criatura exemplificar M, contrariando a asserção da teoria da identidade que nos diz que Fi é necessária.

    Afinal, se um polvo e um ET, quando sentem dor, têm exatamente a mesma sensação M que nós temos quando sentimos dor, mas no entanto nenhum deles possui fibras C, então estamos perante um problema para a teoria da identidade. De acordo com esta intuição, a dor não poderia ser idêntica às fibras C, contrariando a tese principal da teoria da identidade mente-corpo. Repare que, se esta intuição torna implausível a ideia de que os estados mentais são idênticos aos estados cerebrais.

    Bem, por enquanto é isso. Adoro Ghost in the Shell!

  4. Daniel, só me explique o impasse de conseguir provar que um polvo ou um ET sente M assim como nós? ainda mais quando o sistema deles é tao diferente do nosso sendo que nem fibras C eles possuem? Se não houver como testar isto, o quanto esta hipótese nos ajuda? Claro que ajuda filosoficamente, mas e na prática cientifica?

  5. Rafael, vamos voltar a premissa básica da Teoria da Identidade Mente-Corpo (abordagem de filosofia da mente) e a minha afirmação.

    A premissa da TI diz que: Para qualquer estado mental M, existe um único estado físico F tal que uma criatura pode ter M se, e só se, tem F.

    Baseado nisso, se você afirma que estados mentais são iguais a processos físicos determinísticos (fibras C -> capacidade de dor) então, por simples associação, o conceito de "dor" é inerente apenas aos seres que possuem as fibras C. Se outros seres sentem dor e não a possuem, isso é por definição ontológica, outra coisa (dor-2, dor3, etc...). Arrisco em dizer que você causaria um certo pluralismo ontológico o que só iria prejudicar a ciência.

    Mas você poderia dizer então que a dor pode ser causada por mais de um correlato físico. Ok, mas então deixaria de ser TI, porém, outros problemas como o que faz com que um padrão fisiológico aponte para uma conexão lógica mental entre si emerge, e mais uma vez, caimos no mistério (ou no problema, como diria John Searle) do problema mente-cérebro. Isso não resolve o problema da natureza da consciência, mas no máximo, a ignora ou a trata como se fosse algo ilusório, uma espécie de epifenomenalismo um pouco inconsistente.

    Continua...

  6. De forma geral, o problema Rafael é que se formos colocar estados mentais como equivalente ou iguais a estados físicos, estamos correndo o risco de cometer um erro de categoria grave. Seria como definir a racionalidade e o discurso racional per-se como um conjunto de compostos bioelétricos e conexões sinápticas. Caso isso seja adotado, o conceito de racional implode (entre eles, a própria noção do método científico). Outros problemas da visão materialista da mente (incluindo epifenomenalismo, teoria da identidade, fisicismo reducionista, etc.) geralmente incluem:

    - Estados mentais não podem ser reduzidos a propriedades físicas (nesse caso, eu destaco o trabalho polêmico mas muito interessante de Roger Penrose);
    - Incompatível com a visão de "eu" ou "self" aplicado ao subjetivismo (pesadelo deterministico popperiano, visão);
    - Incompatível com o arbítrio e a noção de subjetivismo;
    - Problemas com o "Qualia" (aspectos qualitativos da experiência), em especial a relação casualísitca mente/cérebro.

    Roger Penrose (um dos físicos e matemáticos que eu mais admiro e desde já recomendo sua leitura) em seu livro "The Emperor's New Mind: Concerning Computers, Minds and The Laws of Physics" (que embora não concorde com certos pontos, recomendo sem hesitação) afirma que a consciência é uma entidade que não pode ser descrita pelas leis da física (propõe uma nova visão dela), mas que faria uma ponte com o cérebro através de fenômenos quânticos.Embora o trabalho de Penrose seja constantemente bombardeado por especialistas como o Dr. Marvin Minsky, ele assim com outros como John Searle creem a mesma coisa: A consciência é uma lacuna.

    Baseado em alguns trabalhos científicos e filosóficos como o de John Eccles (neurofisiologista) e do filósofo Karl Popper, creio que ainda é muito cedo descartar o dualismo (independente de ser de substância interracional ou de propriedade como afirmam os dualistas naturalistas) ou qualquer forma de monismo idealista.

    A área da filosofia da mente é uma das quais eu particularmente acho bastante empolgante. Uma área de estudo bastante interessante e que muitos frutos devem aparecer com o tempo, mas a natureza da consciência e da qualia ainda não é conhecida.

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