Finalmente, os primeiros passos do meio acadêmico em direção à Era da Informação*

science_image.jpgUma das coisas que eu sempre tive muito claramente na minha cabeça é que a produção acadêmica deveria estar disponível para qualquer pessoa que se interessasse por ciência. Por “produção acadêmica”, entenda “pesquisas publicadas em revistas especializadas” que, em sua grande maioria, têm seu conteúdo restrito a assinantes.
No Brasil, quem trabalha com pesquisa (e precisa MUITO dessas revistas) via de regra encontra-se em Universidades (salvo raras exceções), geralmente públicas, e essas instituições se encarregam de assinar “pacotes” de periódicos científicos. Para encontrar conteúdo dessas revistas liberado para “civis”, deve-se acessar o Portal Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), e a opção é basicamente essa.
Além disso, restam as páginas de ciência de portais de notícias, que muitas vezes transmitem informações com qualidade bastante duvidosa. É normal eu arrepiar meus cabelos lendo algumas coisas que saem em Terra, UOL, G1, e derivados (olha o tamanho do tiro no pé que eu dei… é a sinceridade me tirando uma chance de trabalho)…
Divulgação científica brasileira REAL, ou seja, levada adiante por pessoas com conhecimento e experiência científicos, só muito recentemente vem crescendo de modo interessante, justamente por meio de blogs que começaram de maneira independente, e aos poucos vão sendo agregados em portais específicos, criando finalmente um canal de comunicação mais direto entre os cientistas e o grande público.
Claro que eu entendo (e apoio) o direito das editoras de revistas científicas existirem como empresas (sem as mesmas, como divulgaríamos os resultados de pesquisas de modo sério?), mas a “abertura” do conteúdo científico sempre me pareceu uma evolução óbvia, principalmente quando informação passou a ser altamente valorizada, como é o caso da nossa sociedade atual (em nível mundial).
Tão óbvia, que é um dos motivos pelos quais eu e tantos outros escrevemos sobre Ciência: é fundamental que TODOS tenham um mínimo de contato e atualização em relação aos rumos que o desenvolvimento da humanidade vem tomando.
InfoSociety.jpgCom a importância cada vez maior da Internet, universidades ao redor do mundo começam a se organizar de modo a disponibilizar o conteúdo produzido por seus pesquisadores. Claro, desde que essa ação não fira nenhuma das leis de direito autoral das editoras, afinal, ninguém quer destruir as revistas, ao contrário.
A idéia principal, CLARO, não está relacionada à importância de se ter conhecimento disponível para todos. Segundo Alma Swan, consultora da empresa Key Perspectives (análise de comunicações acadêmica/escolares), as diretorias dessas universidades se deram conta da importância em se aumentar a visibilidade das mesmas na web, e de se criar registros completos sobre sua produção, para fins comparativos e competitivos (no caso de distribuição e arrecadação de fundos, por exemplo).
Trata-se de uma atitude perfeitamente compreensível, afinal, quer marketing melhor que “veja como somos bons” através de um banco de dados gigante mostrando toda sua produção, prá quem quiser ver? Reino Unido e Austrália, nos quais a distribuição de fundos para pesquisa é baseada na qualidade das pesquisas desenvolvidas por cada instituição, são os líderes em quantidade de “diretórios de conteúdo aberto”.
internet1.jpgNa Europa essa “abertura de conteúdo” já vem sendo exigida quando determinada pesquisa recebe financiamento governamental. Trinta e seis desses órgãos financiadores – incluindo o famoso NIH (National Institute of Health) americano e o ECR (European Research Council) – determinaram que trabalhos que receberam seu apoio devem ser tornados públicos seis meses após a publicação, sendo geralmente disponibilizados no portal de acesso aberto PubMed Central, mantido pelo próprio NIH.
Swan ainda anota que “várias universidades do Reino Unido estão reconsiderando suas políticas” em direção à abertura de conteúdo, e comenta que em breve ocorrerá uma espécie de “efeito dominó”, visto que as instituições que ainda não aderiram a esta proposta encontrar-se-ão completamente deslocadas.
Resta saber quanto tempo isso demorará para acontecer em grande escala, e torcer para que isso seja realmente levado adiante de modo sério. Nada melhor para a divulgação científica do que a possibilidade de qualquer leitor checar os conteúdos discutidos em notícias veiculadas pelas grandes mídias.
*O termo “Era da Informação” entra aqui como uma licensa poética. Quem se interessar, acesse um wiki com uma explicação detalhada AQUI
**Esse post tem como fonte principal um artigo da Nature News.

5 comentários em “Finalmente, os primeiros passos do meio acadêmico em direção à Era da Informação*”

  1. Realmente, estes artigos preview são soda. Perde-se muito tempo com eles pesquisando qualquer coisa. Quando comecei a pesquisar minha monografia, me restringi aos de acesso livre como os listados no DOAJ, Pubmed e SciElo.
    Como vc disse, as editoras têm o direito de existir e lucrar, esse modelo está indo pro buraco com iniciativas como o Plos. Temos que pensar em uma solução para isso logo. Sem as editoras, perderemos muito do nosso espaço para publicações. Talvez um novo modelo baseado em parcerias com empresas de pesquisa, universidades, e publicidade resolva.

  2. Gabriel,
    Um post extremamente relevante! Parabéns!
    Porém, contesto algumas afirmações suas: como assim, “a idéia principal, CLARO, não está relacionada à importância de se ter conhecimento disponível para todos” ??? Ao meu ver, é essa, sim, a principal questão.
    Para começar, há algo errado nesta lógica comercial de grandes empresas editoras de revistas científicas, quando seus lucros são baseados em publicações de pesquisas científicas financiadas com dinheiro público; com essas empresas assumindo os direitos autorais dos pesquisadores e das instituições (na maioria, públicas) que produziram as pesquisas que, uma vez publicadas, são coligidas em grandes bases de dados com acesso somente através de cariíssimas assinaturas bancadas por dinheiro público, como o Portal da Capes mencionado por vc.
    O próprio meio acadêmico começou a questionar esta lógica, que diferentemente do afirmado pela Sra. Swan, não é apenas uma questão de marketing, de “veja como somos bons”. Envolve aspectos muito mais amplos, econômicos, políticos e de relações de poder (ou porque será que papers de cientistas fora do eixo anglo-saxão não são tão aceitos para publicação?) e este imbroglio não está nos “primeiros passos”. A briga já tem pelo menos 10 anos, e de fato, a internet acirrou a disputa, pois suas tecnologias inauguraram novas perspectivas para a Comunicação Científica. Houve o advento do Movimento do Acesso Aberto (Open Access Movement) e a Iniciativa de Arquivos Abertos (Open Archives Initiative). Para o Prof. Jean-Claude Guédon, um dos mais ativos entusiastas do Acesso Aberto, a internet e sua lógica de redes impõe uma mudança paradigmática, desconstruindo as relações de poder, tanto político como econômico, do contexto das publicações científicas.
    Para entender melhor esta complexa problemática das publicações científicas (que creio válida para todo cientista), recomendo o livro dele:
    Guédon, Jean-Claude. In Oldenburg’s long shadow: librarians, research scientists, publishers, and the control of scientific publishing. In: CREATING DIGITAL FUTURE, May 2001. ARL Proceedings of 138th Membership Meeting. Washington, DC: Association of Research Libraries, 2001. 70pp. Disponível em:

  3. Olá Sibele!
    Quando eu escrevi a frase "... a idéia principal, CLARO, não está relacionada à importância de se ter conhecimento disponivel para todos...", eu estava sendo irônico. Eu concordo com você no sentido de que a informação deveria ser sim livre, mas nem eu nem você somos donos de editoras, senão, muito provavelmente, pensaríamos de modo diferente. E, além disso, o fato que eu abordo no post é uma atitude vinda das Universidades, que competem grandemente entre si por alunos, financiamento, ou pela própria exposição na mídia, que pode aumentar as fatias dos dois intens abordados antes desse. A idéia por trás dessa ação de "abertura de conteúdo" tem por objetivo engrandecer as instituições, e não promover uma melhoria no sentido social.
    Você mencionou a mudança dos paradigmas relacionados à disponibilidade de informação científica no meio digital, e como essa luta já corre faz 10 anos. Eu estou de acordo com você, e, sinceramente, acredito que isso já tenha demorado DEMAIS para acontecer de modo real, mas, em termos econômicos, e mesmo pelo tempo que já há esse status quo em relação às publicações, é de se esperar que isso demore um pouco mais mesmo, infelizmente.
    Em relação ao restante do seu comentário, gostaria de agradecer ao enriquecimento que você pode dar à discussão, inclusive através da recomendação de bibliografia, muito obrigado por nos ajudar a fazer do RNAm um lugar em que o diálogo é uma constante (apesar de não conseguirmos isso em todos os posts).

  4. Ah bom, foi ironia sua :D.
    E o resto do meu comentário não saiu! Aqui vai o link (de livre acesso, aliás) para o livro do Guédon:
    Guédon, Jean-Claude. In Oldenburg’s long shadow: librarians, research scientists, publishers, and the control of scientific publishing. In: CREATING DIGITAL FUTURE, May 2001. ARL Proceedings of 138th Membership Meeting. Washington, DC: Association of Research Libraries, 2001. 70pp. Disponível em:
    http://www.arl.org/resources/pubs/mmproceedings/138guedon.shtml

  5. "afinal, ninguém quer destruir as revistas, ao contrário.". Destruir, concordo q não... mas, não vejo problema algum em substituí-las por algo mais acessível.

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