O inimigo do meu inimigo é meu amigo: O papel da guerra na evolução humana

ResearchBlogging.orgHummm… quero ver os comentários dos pacifistas sobre os artigos que geraram este post.

Encontrei um artigo muito interessante sobre evolução humana que saiu dia 5 de Junho de 2009 na Science e fui atrás de mais leitura. E não é que meio sem querer acabei me deparando com um hype? O outro artigo que encontrei logo de cara é da Nature! Logo em seguida mais páginas tratando do mesmo assunto, como na Discover e na New Scientist. E o melhor, todos esses artigos publicados num intervalo de 2 dias, ou seja, grandes veículos comentando as mesmas publicações praticamente ao mesmo tempo… amo a velocidade de hoje em dia.

africa6.jpg

Mas vamos ao que interessa: um dos comportamentos mais nobres observados em nós, o Altruísmo, acaba de ganhar uma teoria de desenvolvimento MUITO interessante. E por que eu digo isso? A teoria se desenvolve com base na evolução do comportamento altruísta devido ao acontecimento de um grande número de… conflitos e guerras!

Sim, você leu certo, e sim, nós podemos ser paradoxais nesse nível, vai entender… Bom, na verdade não é muito difícil entender, apesar de ser uma teoria bastante controversa e estar gerando grandes críticas e discussão de outros pesquisadores na área.

african-warrior.jpgO autor dessa teoria, um biólogo evolucionista chamado Samuel Bowles, do Santa Fe Institute, defende que nossa cultura pré-histórica possa ter sido definitiva na seleção de indivíduos que se importavam mais com os membros pertencentes a seus grupos, ou tribos. Mudanças climáticas ocorridas entre 10000 e 150000 anos atrás acabaram “empurrando” grupos de humanos para localidades cada vez mais próximas, de modo que esses grupos caçadores-coletores (ou seja, que estavam em movimento constante atrás de alimento) “rivais” começaram a se encontrar com cada vez mais frequência, “… uma receita para grandes conflitos”, nas palavras do próprio autor.

A grande diferença desses conflitos em relação ao conceito de “guerra” que carregamos conosco hoje é que esses grupos eram realmente pequenos, sendo comum haver entre 2 e 5 homens apenas, sem qualquer noção de hierarquia ou “cadeia de comando”. O que isso quer dizer? Simplesmente que, caso dois desses grupos se encontrassem e acabassem por disputar o território (leia-se “cair na porrada”), o grupo em que houvesse indíviduos que se importasse m mais com seus colegas levaria grande vantagem em relação ao comportamento “cada um por si” observado quando não há liderança ou estrutura social definida.

Em sua pesquisa, Bowles utilizou modelos para tentar determinar o resultado de conflitos entre um grupo de indivíduos mais altruístas e grupos mais egoístas. Combinando análises de sítios arqueológicos e estudos etnográficos de tribos remanescentes desse período, as mortes decorrentes deste tipo de conflito corresponderam a 14% do total (em média) em sociedades caçadoras-coletoras. Após estimar qual seria a taxa de redução nas chances de um indivíduo altruísta reproduzir-se (todo mundo sabe que “ser legal” não ajuda com as moças, certo?), o autor adicionou os dados a um modelo de competição entre grupos diferentes no qual o altruísmo individual também seria responsável por uma maior chance de vitória do grupo num combate.

Como resultado, grupos com mais indivíduos altruístas prevaleceram em relação aos grupos com indivíduos mais egoístas, nos níveis individual e grupal, e é aqui que a polêmica começou no meio acadêmico. Afinal, quem disse que os guerreiros “altruístas” não estão agindo em benefício próprio, ou seja, sendo “egoístas”, ao invés de estarem buscando o bem-estar de seu grupo?

What-Makes-Us-Altruistic-2.jpgNas tribos Ianomamis os guerreiros mais fortes e destemidos (ou seja, os que não fogem de uma boa briga) têm direito a mais recursos como comida, moradia, e, claro, mulheres, de modo que deixam mais descendentes. Nesse caso, apesar de a tribo ser um grupo conciso, existe o comportamento egoísta para com os demais membros da tribo, na ausência de um inimigo ou outro “fator externo” que leve à cooperação para maior chance de sobrevivência, o que vai de encontro aos resultados encontrados por Bowles em seu modelo.

Ao mesmo tempo, os mesmos pesquisadores que contrariam essa hipótese altruísta concordam que esse novo modelo se encontra “no caminho certo” para melhor explicar as origens do comportamento social humano como conhecemos. Uma outra pesquisa, realizada pelo Prof. Mark van Vugt, da Universidade de Kent (Inglaterra), demonstrou que mesmo quando grupos de pessoas são definidos aleatoriamente (como num “cara ou coroa”, por exemplo), pessoas dentro de um mesmo grupo são altruístas em relação a seus “companheiros”, mesmo sem haver outro motivo além de alguém dizer “vocês são grupo A, vocês aí desse lado são grupo B” (não, não estou me referindo a Big Brother, saiu sem querer… chamem de grupos 1 e 2, se preferirem), ou seja, nós realmente temos a tendência a “defender os nossos”, sejam lá quais os fatores que organizem um determinado grupo.

altruismIm2.jpgEu, particularmente, gosto muito da denominação que dois amigos meus de faculdade, o Cadu e o Rafael (aqui do RNAm), deram ao tipo de comportamento que realmente é observado em humanos que não sejam canalhas completos (ou totalmente egoístas): o Altruísmo Egoísta, ou seja, eu faço o melhor para o grupo desde que isso também me traga alguma vantagem. E isso acontece sempre, mesmo que inconscientemente.

Pode negar, dizer “eu me importo muito com os outros”, e outras tantas frases que falamos para sermos politicamente corretos… pare para pensar e você identificará várias situações em que você agiu, e não há mal algum nisso, afinal, é só um tipo diferente de cooperação, um que nos define mais do que gostaríamos de assumir e que muitas pessoas não conseguem admitir, num primeiro momento.

Mas que todo mundo é meio egoistinha, é… senão, não chegaríamos a lugar algum…

Bowles, S. (2009). Did Warfare Among Ancestral Hunter-Gatherers Affect the Evolution of Human Social Behaviors? Science, 324 (5932), 1293-1298 DOI: 10.1126/science.1168112

Jones, D. (2009). War and migration may have shaped human behaviour Nature DOI: 10.1038/news.2009.546

6 comentários em “O inimigo do meu inimigo é meu amigo: O papel da guerra na evolução humana”

  1. Um antigo teórico anarquista, o Stiner, acreditava que o ideal do homem seria o "egoísta", e que esses homens, livres entre si, conseguiriam formar uma "União dos Homens Egoístas" onde cada um seria livre do outro mas alguns laços de respeito os uniriam.
    Hum... algumas coisas desses artigos me lembraram esse teórico.

  2. Rsrsrsrs... lembrei de um episódio de "Friends" onde o personegem Joey diz para Phoebe (uma hippie paz e amor) que não existe nenhuma ação verdaeiramente autruísta nos seres humanos, e ela passa o episódio todo tentando provar pra ele o contrário.
    Uma faixa:
    Phoebe: "Joey fiz uma ação verdadeiramente autruísta"
    Joey:"Qual?"
    Phoebe: "Deixei uma abelha me picar!"
    Joey: "E como isso é autruísta?"
    Phoebe: "Agora ela vai ser bem vista pelas amigueinhas abelhas, como uma brava guerreira!"
    Joey: "Você sabe que a abelha morreu depois que te picou né?
    Phoebe: [silencio]..."Merda!"
    (fã de Friends eu? Imagina..rsrsrs)
    Sobre conflitos terem originado tal comportamento nos seres humanos, acho controverso dizer que tal comportamento complexo tenha sua origem em um unico fator social, ainda mais porque a competição por recursos com outras populações é só mais uma das difuculdades enfrentadas durante esses periodos de mudança climática, acredito que alguns fatores relativos à essas pequenas comunidades internamente, e sua manutenção possam ser levados em consideração, como por exemplo enfrentar as baixas temperaturas,e caçar animais de grande porte (que necessitavam de cooperação de todo o grupo). Mas é só o que acho, evolução humana não é meu forte..
    Abraços e parabéns pelo blog.

  3. Essa conversa de altruísmo-egoísta faz bastante sentido, na verdade as coisas são assim mesmo, exceto amor de mãe que é incondicional rsrsrs.
    E os anarquistas, existem tipos de anarquismos e todos os que não são niilistas acabam caindo em uma situação assim, pode-se resumir o anarquismo desta forma: "a sociedade não é uma coletividade é uma associação de indivíduos..."

  4. O Altruísmo verdadeiro, que tem o objetivo de maximizar a pobabilidade de sobrevivência de um indivíduo da mesma espécie, em detrimento da probabilidade de sobrevivência do próprio altruísta, normalmente não faz sentido do ponto de vista adaptativo. Isso porque o altruísmo verdadeiro não é uma estratégia evolutivamente estável. Populações de indivíduos altruístas podem ser invadidas por variantes egoístas, o que proliferaria o comportamento egoísta, já que estes se aproveitam dos altruístas. A lógica do comportamento evoluiu de forma egoísta, mas ele não representa uma sentença para o comportamento humano. Burlamos a seleção natural de várias formas. Quando desenvolvemos remédios para uma série de doenças, quando desenvolvemos tecnologias para o plantio (mais alimentos), e vários outros exemplos. A racionalidade nos dá a opção de seguir nossas predisposições egoístas ou a promover uma sociedade inclusiva, que pregue o respeito, a lealdade, companheirismo, dentre tantos comportamentos possíveis e socialmente positivos. Mas para isso, como escreveu Richard Dawkins, não devemos esperar grande ajuda por parte da natureza biológica.

  5. Bom...a discussão é muito interessante. De fato, como comentaram, várias correntes anarquistas abordam esse princípio que foi definido aqui como "altruísmo egoísta". O Kropotkin, um anarquista russo que também era cientista, escreveu até um livro tratando mais ou menos desse tema: A Ajuda Mútua.
    Agora, acho que o termo egoísta não está muito bem aplicado, em se tratando do homem primitivo, ou até mesmo de outros primatas ou outras espécies de animais, porque neles não há exatamente um EGO, como entende a psicologia. Acho que o "egoísmo" em questão seria mais um aspecto do instinto de sobrevivência e que o "altruísmo", afinal, não necessariamente implica maximizar a probabilidade de sobrevivência em detrimento da sobrevivência do próprio altruísta. Em alguns casos isso é verdade, mas o altruísmo sempre envolve algum tipo de identificação entre o altruísta e o "outro"(aliás, altruísmo tem sua raíz na palavra alter=outro, em latim)
    Parabéns pelo blog...

  6. Oi Gabriel, ótimo post!
    Bom, acho que todo mundo reconhece que o assunto é complexo.
    Acho, porém, que o termo altruismo egoista não é muito bom, pois parece que o altruismo (substantivo) é mais fundamental, e o "egoista" (adjetivo) é complementar.
    Um termo melhor talvez fosse "egoismo altruista": ou seja, teriamos o egoismo egoista (jogo de soma zero), onde o egoista só ganha se outro perder, e o egoismo altruista (o jogador ganha e o outro pode ganhar também), além do egoismo super-altruista (o jogador só ganha se o outro ganhar também (non-zero games).
    Neste post falaram do altruismo egoista (a ação altruista traz beneficios ao altruista, fazer uma doação mas ter seu nome reconhecido como filantropo.
    Aparentemente, o que nao existe, é o altruismo altruista (fazer uma doaçao e nao ter seu nome reconhecido - tipo dar esmolas sem que ninguem saiba, como disse Jesus), embora os
    doadores de sangue sejam um caso classico que é explicado pela teoria do altruismo reciproco de Robert Trivers.
    Lembremos tambem que é um mito dizer que nao existe seleçao de grupo (isso era uma ideia de meados do seculo XX que morreu no inicio do seculo XXI). O pessoal de biomatematica e de biologia computacional já demonstrou que é possivel seleção natural em todos os niveis tanto no nivel biologico (genes egoistas, individuos egoistas, simbiontes egoistas, supeorganismos egoistas, grupos egoistas e sociedades egoistas) como no nível cultural (memes egoistas, complexos memeticos egoistas, sociedades de memes = ideologias egoistas). Sem esquecer a "seleção dos mais sortudos" (nao os mais adaptados) como desejaria Gould. Por exemplo, dos grupos caçadores-coletores que nao foram pegos por uma nevasca ou seca ou epidemia etc.
    Acho que também é preciso lembrar que a idéia do "gene egoista" de Robert Trivers (popularizada por Dawkins) não é entendida por muita gente: o conceito é metafórico, não literal, e egoismo agora é redefinido nao como uma propriedade de Egos humanos mas sim de qualquer agente natural ou artificial capaz de se reproduzir (como os virus de computador).
    São os genes que são egoistas
    (ou seja, podem se reproduzir mesmo às custas do fitness do organismo, como no caso do cancer), mas as pessoas, os EGOS
    emergentes nas redes neurais cerebrais. Tais egos podem, sim, no nivel macroscopico, serem descritos como altruistas: ou seja, os genes egoistas definem instintos (ou sistemas de recompensa dopaminergicos etc) que constroem um macrosistema altruista: a mãe (e mesmo o pai) que se sacrifica pelos filhos nao é egoista - porque maes e pais, antes do seculo XX, nao sabiam que existem genes e mesmo quando agem concientemente, nao calculam sua função utilidade levando em conta quantos genes eles vao passar para a proxima geração.
    Nenhuma mae com gravidez de risco fala: "se forem trigemeos eu me sacrifico, se forem gemeos dá empate e se for apenas um filho, acho melhor fazer um aborto!" calculando quantos genes egoistas dela serão passados para a proxima geração.
    É uma diferença de niveis, não devemos cair no reducionismo que diz que "um jogo de xadrez é apenas um conjunto de átomos". Nao podemos confundir os niveis. Os genes que predispoe o bebe a sorrir sao egoistas, mas o proprio bebe nao é enquanto nao tiver EGO. A partir de alguns meses ou anos, com a formação do ego, ele poderá ser egoista (por exemplo, disputar a atenção da mae com o irmaozinho). Neste caso teremos tanto genes egoistas que induzem um meme egoista cerebral de agressao entre a prole (tipo a historia de Caim e Abel) como, ao mesmo tempo só que em outro nível, pessoas egoistas (no caso, o Caim, não necessariamente o Abel).
    Mais alguns fatores para se pensar:
    1. Qualquer atividade coletiva, que não possa ser feita sozinha, como coleta de raizes, manutenção do fogo (vigia durante a noite), culinaria em larga escala (churrasco na caverna com cerveja de mandioca!), caça de grandes mamiferos etc parece favorecer os grupos de individuos com egoismo altruista.
    2. Os humanos são os mamiferos mais sociaveis do planeta, formando grandes colonias de milhoes de individuos. Nao sei se os morcegos ou os tuco-tucos seriam mais sociaveis (talvez a Maria Guimarães saiba).
    3. Eu sei que as mulheres (medianas ou mediocres) adoram um cara de uniforme, especialmente se for de oficial para cima = simbolo de poder e status social masculino. As mulheres feministas, auto-suficientes e inteligentes que não gostam de homem com uniforme e com pegada talvez sejam uma minoria, que pena! Mas não é obvio que a guerra moderna em larga escala (em vez de uma guerrinha meio ritual entre tribos indigenas) selecione os homens de melhor saude. Pelo que entendo, nas grandes guerras, os homens sadios vao para o combate e em geral morrem, e os machos gama ou mesmo os com defeitos fisicos ficam em casa para consolar as mulheres.
    4. As vezes o traço herdável é selecionado indiretamente: se existe um gene gay (na verdade, um complexo genetico de tamanho enorme mas mal definido) que facilita a adoção do comportamento gay, isso não pode se dever ao maior numero de filhos que os gays tem. As hipotese alternativas na literatura sao que a) todo gay é, no fundo, um bissexual, e fecunda as femeas na moita, enquanto não ameaça a supremacia do macho alfa (bissexuais, saiam do armário!); b) os genes passam via os irmaos do gay, que seriam mais gentis, femininos, protetores, cuidadores de filhotes, que os machos alfa.
    5. Gabriel, ser legal com os colegas da gang, do tráfico, da mafia ou da "tribo" traz sim vantagem (sex appeal) frente as femeas. Se nao fosse isso, nao tinha tanta paixonite por presidiarios, mafiosos etc...
    6. A formação de mafias, sociedades secretas de mutua ajuda como a maçonaria, igrejas, ONGs etc, tudo isso é comportamento altruista de grupo e traz sim muita vantagem social para o individuo...
    7. Exemplo: uma ONG que defendem os animais e faz festas para ganhar dinheiro, doações, adoções de cachorro etc. En passant, as pessoas encontram namorado/a nessas festas... Fitness altissimo!
    8. Já que hoje é o DIA DO AMIGO, fica o pensamento: existe o gene (complexo genetico) que aumenta a capacidade da pessoa ter amigos? A amizade é egoismo altruista ou altruismo egoista?

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