Nós evoluímos na cozinha

macaco cozinha.jpgQual foi o truque inventado por nossos ancestrais a 1,8 milhões de anos que permitiu um dos maiores saltos na nossa evolução? Teria sido a faca ou a roda?

O primatólogo e antropólogo Richard Wranghan (talvez fosse melhor dizer um primatólogo especializado em antropologia, afinal humanos estão incluídos entre os primatas), acha que foi o ato de cozinhar alimentos que impulsionou tanto a nossa evolução neste momento.
“A forma de nossos corpos e o tamanho de nosso cérebro são produtos de uma dieta muito rica, que só pôde ser adquirida através do cozimento dos alimentos”, diz o primatólogo que lançou recentemente o livro “Catching Fire: How Cooking Made Us Human,” que trata justamente da importância do ato de cozinhar na nossa evolução.

O pesquisador baseia esta importância do cozimento ao observar chimpanzés selvagens na natureza, que segundo ele têm uma disponibilidade de alimentos parecida com a que nossos ancestrais tinham a 1,8 milhões, pouco antes do surgimento do Homo habilis, nosso primeiro ancestral Homo, ou seja, hominídeo (nenhuma relação com a opção sexual do espécime, por favor).

Menu bom pra macaco

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Os pobres dos chimpanzés ficariam em êxtase se vissem um varejão cheio de frutas e verduras como os nossos hoje em dia. Na maioria das vezes o que ele encontram são frutos secos e de péssimo gosto, que eles precisam mastigar por horas. Alias é assim que nossos primos gastam a maior parte do tempo, procurando e mascando comida extremamente fibrosa.

E esse primatólogo sabe o que um chimpanzé come, afinal ele passou 40 anos estudando os bichos e até mesmo tentou por um tempo comer o mesmo que eles, para avaliar se seria possível manter um humano moderno com uma dieta de chimpanzé. Resultado: fome, muita fome. Até chegou a comer restos crus de macacos caçados por chimpanzés.

O interessante é que de duas espécies de macacos comidos pelo pesquisador e pelos chimpanzés, o pesquisador preferiu a carne de um determinado macaco por ser mais doce. E esse também é o predileto dos chimpanzés. Percebemos assim que nossos paladares têm algo em comum.

Mas e as fogueiras?

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Essa estória é muito interessante, mas tem um probleminha. Se o cozimento foi tão importante, onde estão as fogueiras? A mais velha data de apenas 800mil anos.
Quanto a isto Wranghan não desanima. Segundo ele, realmente não há registro de fogueiras com 1,8 milhões de anos, mas as evidências biológicas são claras. Nossos dentes e nosso trato digestivo ficaram menores nessa época, e a única coisa que pode explicar este fato é a melhora na dieta. E que outro jeito de melhorá-la senão pelo cozimento?

E tem mais, segundo Wranghan, o próprio ato de se reunir perto do fogo nos diferenciou dos outros primatas. Afinal isto estreitou os laços sociais, forçando-nos a viver próximos ao fogo, agüentando os vizinhos chatos sendo mais tolerantes, e tudo que esta convivência forçada pôde trazer. Somos seres muito mais sociais que chimpanzés, por exemplo, talvez graças ao fogo e seus benefícios.

Bem, esta é uma idéia plausível, mas ainda não há dados suficientes para dizer quem realmente veio primeiro (paradoxo Tostines), se o cozimento nos deu energia para manter um cérebro grande, ou se um cérebro grande permitiu inventar o cozimento.

Cozinheiros forjando nossa evolução

Mas o futuro de nossa espécie esta nas suas mãos, cozinheiros de mão cheia. Afinal temos um problema sério hoje em dia de excesso de peso, obesos subnutridos e outros problemas relacionados ao nosso apetite voraz por calorias, vestígio dos tempos préhistóricos em que não havia essa fartura de alimento que há hoje.

Aliás quando vemos a dieta do Homo sapiens préhistórico, não é por coincidência que ela bate exatamente com a dieta ideal recomendada pela Organização Mundial de Saúde. Nosso corpo ainda está adaptado ao nosso ambiente ancestral.

Pensar na nossa alimentação levando em conta a nossa evolução, pode nos manter saudáveis ou nos forçar a mudar.

Ao leitor deixo uma informação final interessante. Para quem é requintado, de gosto apurado e que gosta de pratos finos, saiba que o maior salto evolutivo na história da cozinha foi o simples cozimento na fogueira, mais conhecido como churrasco. E pior, sem nenhum salzinho.


Leia entrevista com Richard Wranghan no The New York Times

3 comentários em “Nós evoluímos na cozinha”

  1. Hahaha, gostei bastante! Para quem curte o assunto, existem três livros muito bacanas e de ótimo conceito no meio gastronômico:
    - Um Cientista Na Cozinha, Hervé This
    (http://leiturasgastronomicas.blogspot.com/2009/02/um-cientista-na-cozinha.html)
    - O Que Einstein Disse Ao Seu Cozinheiro - VOL. 1 e 2, Robert L. Wolke
    (http://www.submarino.com.br/produto/1/186971/?franq=253695)
    (http://www.submarino.com.br/produto/1/1083652/?franq=253695)
    Existem outros livros sobre o assunto tb, mas no momento não me lembro o nome deles... hahahaha
    Em todo caso, atualmente a maior "autoridade" nesse casamento de gastronomia e química é o Ferran Adrià: chef espanhol, dono do El Bulli (considerado o melhor restaurante do mundo), mentor do Alex Atala e responsável por desenvolver receitas aparentemente um tanto quanto estranhas como caipirinha sólida, melão com presunto em forma líquida, pirulito com gosto de gaspacho, ar de cenoura com coco amargo, e as famosas espumas - de caldo de galinha, sucos de fruta etc, feitas com gelatina quente (de alga resistente ao calor).
    Todos os livros, entrevistas e matérias relacionadas à ele são muito interessantes!

  2. O nosso pensamento ainda está por demais condicionado à noção de "causa primeira" e esse condicionamento se torna visível na divulgação científica.
    Veja só este artigo que, em última análise, busca na culinária a "causa primeira" do que nos tornaria humanos.
    Basta acompanhar um pouco a divulgação científica para verificar que toda hora alguém diz uma coisa diferente... Provavelmente, todas elas, verdadeiras!
    É muito difícil pensar que foi o efeito conjunto disso tudo e de ainda outras centenas de fatores desconhecidos? Que não somos o efeito de um fator desses isolado, mas a resultante de um conjunto de fatores que se acumularam gradativamente até produzir o ganho qualitativo extraordinário que temos sobre as demais espécies?

  3. Alexis,
    Concordo com você que as vezes caímos na simplificação exagerada.
    Mas o reducionismo é uma metodologia válida e muito informativa (se não a única possível para o entendimento humano). O ideal é q a longo prazo vá aumentando a complexidade e abrangência do que se estuda.
    Ao contrário, se partirmos do complexo e tentarmos analisar todas as variáveis possíveis, não temos ainda arcabouço teorico nem empírico para começar a estudar.
    Pensar numa hipótese simples e testá-la (como a teoria da cozinha aqui apresentada) é muito válido.
    O problema deste texto na verdade é: como testar hipóteses evolucionistas?

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