Olhos: as “janelas da alma” ou uma das portas de entrada da nossa memória?

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Os movimentos dos olhos podem revelar algumas memórias de uma pessoa, mesmo que ela não consiga! O estudo, publicado na revista Neuron, demostra que a atividade do hipocampo pode predizer movimentos de nossos olhos que revelam memória de certos eventos mesmo quando os participantes do estudo erram as perguntas dos testes!
Em um teste de memória, os movimentos dos olhos dos participantes apontaram para as respostas corretas, mesmo quando o voluntário errou a pergunta. Esses movimentos corresponderam à atividade do hipocampo, um importante centro de aprendizado e memória do nosso cérebro, e sugerem que esses movimentos podem revelar memórias inconscientes ativadas via hipocampo.
Para alguns neurocientistas, o hipocampo está envolvido somente nas memórias conscientes ou memórias declarativas, que são as memórias relacionadas a pessoas, fatos ou eventos específicos. Pessoas que tiveram seu hipocampo danificado não são capazes de formar ou recordar essas memórias declarativas, mas pacientes amnésicos podem aprender novas habilidades que requerem memórias de procedimento (inconscientes), como andar de bicicleta, por exemplo.
_44354991_dplan-getty416.jpgO novo estudo sugere que o hipocampo está envolvido em memórias de relações que uma pessoa não recobra conscientemente. Os voluntários da pesquisa foram submetidos à fMRI (a ressonância magnética funcional, que acostumamos a ver quando assistimos Dr. House), enquanto observavam imagens de rostos numa paisagem. Após apresentarem aproximadamente 50 pares de imagens de faces/paisagens, os pesquisadores mostraram aos voluntários a imagem de uma das paisagens apresentadas, seguido de 3 faces diferentes, e questionaram qual era o rosto correspondente à paisagem apresentada.
Quando a imagem da paisagem foi mostrada, houve aumento da atividade no hipocampo dos voluntários, sendo que entre 500 e 750 milisegundos depois disso os movimentos oculares se direcionaram a uma das três faces apresentadas. Quando o hipocampo ficou mais ativo, os olhos se direcionaram mais à face correta, assim como uma menor atividade do hipocampo resultou nos olhos se direcionando a uma das faces erradas.
Mesmo quando os participantes escolheram uma resposta incorreta, a análise da atividade do hipocampo previu corretamente se os olhos se fixariam na face correta. No entanto, a comunicação entre o hipocampo e o córtex pré-frontal – a região executora do cérebro – foi reduzida em comparação aos testes em que os voluntários fizeram a escolha correta. Esse resultado pode significar que o hipocampo e o córtex pré-frontal devem se comunicar de modo apropriado para que uma pessoa tenha sua memória funcionando corretamente.
EyeExperiment.JPG

Clique na imagem do experimento para aumentar o desenho!


Para os autores do estudo, esse achado é uma pista de que algo além do hipocampo é necessário para se fazer uma memória consciente. Mesmo que você não se lembre de ter aprendido determinada relação entre dois objetos, seu hipocampo e olhos podem ter alguns restos daquela informação, tempos depois.
HAN_094.jpgApesar de não se saber se essa análise revela memórias conscientes ou inconscientes, os movimentos oculares podem ser utilizados para se entender o quanto pacientes com esquizofrenia ou demência se lembram. Pessoas com tais desordens podem lembrar mais do que são capazes de comunicar às outras pessoas, segundo os próprios pesquisadores que publicaram esse estudo.
Outra coisa bastante interessante é uma possível aplicação desse tipo de análise para aprendermos mais a respeito da memória de animais, e também de crianças que ainda são muito novas para falar.
Ainda há uma expectativa de que a análise desses movimentos oculares seja utilizada para se determinar a precisão do depoimento de determinada testemunha, ou então revelar memórias de pessoas que não estão conscientes em relação fatos específicos, ou simplesmente preferem não adimitir que têm consciência sobre o fato.
Será que vem um novo tipo de polígrafo por aí?
Kumaran, D., & Wagner, A. (2009). It’s In My Eyes, but It Doesn’t Look that Way to Me Neuron, 63 (5), 561-563 DOI: 10.1016/j.neuron.2009.08.027
Imagens: Getty Images

8 comentários em “Olhos: as “janelas da alma” ou uma das portas de entrada da nossa memória?”

  1. Num dos livros do Oliver Sacks há um conto chamado "O Último Hippie", em que o sujeito teve um tumor cerebral que lesionou partes do cérebro responsáveis pela aquisição de novas memórias. Ele não conseguia aprender nada novo, tudo sobre o que se lembrava dizia respeito aos anos anteriores ao tumor. Mas um dia descobriram que ele cantarolava músicas novas do The Who, que havia escutado recentemente. Quando perguntado sobre elas, não era capaz de "enunciar" nada.
    Lembrou muito o fenômeno descrito no artigo...
    Outra coisa bem parecida são as chamadas "memórias implícitas", que não são declarativas. Estão sendo estudadas no fenômeno do preconceito, para tentar explicar porque declaramos uma coisa ("não sou preconceituosa, mesmo!"), mas nos comportamos de maneira diferente (mudamos de calçada ao ver um mendigo, por exemplo).
    Sobre memórias implícitas: http://psychology.nuim.ie/IRAP/In%20Press%20IRAP%20Article.pdf
    Adorei o post!
    Tá cada vez melhor isso aqui!!

  2. Muito legal o estudo.
    Me lembrou os estudos desenvolvidos por David Amodio na NYU. O tópico que ele trabalha é cognição social e estereotipicidade (e está relacionado com o que a Ana Arantes comentou). Em alguns dos estudos dele, ele mostra que, mesmo quando o sistema neurológico responsável pelo que eles chamam de "need for control" (localizado no anterior cingulate gyrus)é ativado -- e que supostamente inibiria comportamentos preconceituosos -- as pessoas engajam em comportamentos e julgamentos preconceituosos. Atualmente ele e o grupo dele têm procurado encontrar o que levaria ao "failure" desse sistema de controle!
    Muito interessante!!! 🙂
    ...e muito bacana o post!
    A.

  3. Nossa muito legal o post...Será muito bom a hora que for possivel utilizar toda a capacidade que aparentemente o nosso cérebro possui.Afinal se eu entendi direito (tá não sou um gênio mas vamos lá XD) há a possibilidade de que de uma forma inconsciente nos sabemos mais do que pensamos, e se de alguma forma um dia conseguirmos ter acesso a esse tipo de conhecimento visual bruto e incosciente, nossa capacidade inteletual irá melhorar muito...
    De qualquer forma meu conhecimento aumenta bastante acompanhando o blog de vcs!

  4. Olá Gladis, obrigado pelos elogios e pela menção ao meu post em seu blog.
    Abraço, e espero que continue encontrando conteúdo relevante sempre!

  5. ótimo post
    fico pensando se esse experimento não revelou uma rastro de verdade por trás dos famosos acertos através dos "chutes" em provas, por mais que possa ser uma questão mais de probabilidade do que algo biológico à primeira vista.
    Eu sou a prova viva de olhar para a resposta correta, em inumeraas questões que fico em duvida em uma única prova, e marcar a errada por outros motivos e deixar essa "intuição ocular" de lado. E quando vou ver o gabarito, esta lá as malditas focalizações que ignorei como verdade.
    Se o hipocampo armazena toda a memoria e se comunica com o c.frontal movendo os olhos como reflexo para uma resposta resolvida inconscientemente, então talvez é apenas uma questão de treino para se concentrar no que os olhos focam como resposta para algumas perguntas, principalmente em provas de multipla escolha
    rs tomara

  6. vou tentar achar essa capacidade, me recordo de muitas vezes ver uma questão errada em minhas provas e lembrar que eu olhei pra resposta certa e desconfiei dela

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