Essa nossa vidinha sintética

Thumbnail image for LIFE_by_OrangeUtan.jpgCom certeza a notícia científica mais importante desta semana foi o anúncio de que, 10 anos e 40 milhões de dólares depois, a equipe liderada por Craig Venter conseguiu “criar vida artificial”. Será?

Como sintetizar uma vida passo-a-passo:

1- tenha muito dinheiro, tempo, fama e nenhum medo de polêmica. [seja Craig Venter]

2- descubra qual o mínimo de informação que uma célula precisa para viver. [em 1995 o pessoal do Craig sequenciou o menor genoma conhecido, do Mycoplasma genitalium com 500 genes, e ainda conseguiram tirar uns 100 deles]

3- transplante pelo menos um cromossomo natural para outra célula antes de inventar moda! [fizeram isto em 2007]

4- sintetize o cromossomo, ou seja, coloque as letras ATCG na ordem certa. [feito em 2008, com algumas “marcas d´agua” para sabermos que é realmente o construído e não o natural. Essa assinatura é um código que transforma em ATCG alguns nomes de pesquisadores e até uma frase do James Joyce “To live, to err, to fall, to triumph, to recreate life out of life.” (Viver, errar, cair, triunfar, recriar vida apartir de vida) ]

5- coloque o tal cromossomo sintético na outra célula sem DNA e cruze os dedinhos para ela não morrer e se reproduzir. [isso que aconteceu agora]

Como você pôde ver, a tal vida não é totalmente sintética, afinal usaram uma célula já existente para ler o programa sintético que é uma cópia de outro genoma já existente.
Eu não estou desmerecendo a pesquisa. Ela é muito legal e abre várias portas mesmo mas, como sempre acontece, o hype é exagerado. Tá longe de construirmos um organismo para os fins alardeados – como bactérias que comem capim e o transformam em petróleo. E outra, bactéria é fácil, quero ver com eucariontes como plantas, vermes, eu e você. Aí literalmente o bicho pega.

O Sérgio Abranches falou (dia 21/5) que este trabalho foi uma quebra de paradigma, mas ele caiu na velha armadilha desta palavra que é a mais prostituída de toda a filosofia da ciência. Na verdade é bem o oposto: este experimento é o ápice do paradigma atual da engenharia genética! Isso vem sendo feito há muito tempo. Há muito que construímos organismos genéticamente modificados: picotando DNA, colando genes, inserindo proteínas e criando animais inteiros transgênicos. Criamos, crescemos, comemos, cheiramos e injetamos seus produtos.

Novos problemas éticos? Acho que não. Só um sôpro a mais nas já turbulentas questões levantadas pela engenharia genética há pelo menos 30 anos. Nada novo aqui.

Agora o que este avanço tem a ver com Blade Runner é que eu não sei!!! UPDATE 23/05: me explicaram esta relação nos comments. Dê uma olhada (mas ainda acho q não tem nada a ver considerando a distância tecnológica).

Veja o tema do fórum do programa Rádio Blog da rádio Eldorado de São Paulo do dia 21 de maio:

Cientistas conseguiram pela primeira vez produzir uma forma de vida sintética em laboratório. Eles conseguiram reavivar uma célula morta, transplantando uma cópia do genoma de uma bactéria.
O objetivo do experimento é produzir micro-organismos para funções específicas, como limpar manchas de petróleo.
Na sua opinião, essa descoberta pode ajudar o ser humano? Pode ser perigosa? Você acredita que no futuro teremos andróides criados por empresas, como os do filme Blade Runner?

BIOLOGIA SINTÉTICA NÃO TEM NADA A VER COM ROBÔS!!! ai ai…

11 comentários em “Essa nossa vidinha sintética”

  1. Realmente, só de ler o artigo já comecei a ter faniquito, deve ser muuuuuuuuuito chato/frustrante/trabalhoso construir esse cromossomo. Só clonar umas E. coli já é chato demais. Acho que não foram só 10 anos de 40 milhoes de dolares, mas está mais para 4,5 bilhões de anos e muitos bilhoes de dolares dpeois hehe

  2. Eu estou de saco cheio do "jornalismo científico', se esses caras existissem quando inventaram o "fogo artificial" as manchetes alardeariam contra o perigo dos incêndios criminosos se a tecnologia caísse nas mãos erradas, como as florestas seriam afetadas agora que o Homem também poderia causar incêndios e como nossa dieta seria afetada, com a nova e antinatural moda de cozinhar alimentos.

  3. A referência a Blade Runner é porque no filme mencionam que os andróides na verdade são também (ou principalmente? Ou somente?) construções *biológicas* artificiais, e que no próprio genoma dos Nexus-6 estaria programada, de forma inevitável, a "cláusula de garantia", isto é, que viveriam um número determinado de anos, após o qual as células não se reproduziriam direito e eles morreriam.

  4. Eh o tipo do experimento que o que tem de mais espetacular eh o dinheiro envolvido, um laboratorio com verba, tempo e disposicao necessaria para varios anos de tentativa e erro ate ter dado certo. No mais nao tem nada de muito diferente tecnologicamente do que outros pesquisadores fazem por ai, sem querer desmerecer a pesquisa, que na minha opiniao vale mais como uma proeza tecnica do que qualquer revolucao que pregam por ai. As ferramentas sao basicamente as mesmas...
    Ferramentas, que, diga-se de passagem, sao prioritariamente dependentes de polimerases, genomas e maquinaria de outros seres vivos, virus, enfim, outras moleculas biologicas que no final fazem todo o trabalho... trabalho que eh nada menos que a propria funcao que normalmente desempenham nas celulas vivas. A "mao" humana aparece na manipulacao correta dessas proprias moleculas biologicas e nao diretamente no processo de "sintetizar vida". Pra mim isso, assim como a engenharia genetica em geral, eh muito mais malabarismo biologico do que qualquer outra coisa.
    O que ha de mais artificial nesse trabalho eh o cromossomo, que no fundo mesmo nao passa de uma copia, e ainda por cima sintetizado por enzimas biologicas!
    Entao tem que tomar um pouco de cuidado com os termos. Vida artificial? Bem menos. Vida sintetica? Totalmente inapropriado.
    O problema ainda eh conceitual, mas pra mim ta bem claro que esse experimento ta muuuuito distante de vida artificial.
    Eu queria deixar ate essa pergunta por aqui: o que vcs considerariam vida artificial? Da espaco para otimas discussoes.

  5. Rafael,
    Realmente a "célula sintética" não tem nada a ver com os andróides do filme...mas acho que ainda há um paralelo no mesmo filme (o jornalista deve ter traduzido ou ouvido alguém falar)...em uma das cenas, há uma cobra dita como "sintética" e uma das pistas do Harrison Ford é uma escama sintética...

  6. Oi Rafael,
    pois é... pelo barulho eu tinha achado que era uma coisa mais bombástica.
    Mas o que gostei mesmo foi desse lance da marca d'água.
    Não sabia que isso existia. 😮
    Taí uma coisa que gostaria muito de ver como funciona ao vivo.
    Abç. ; )
    C.

  7. Pois é, apesar do hype exagerado, a notícia não deixa de impressionar.
    Agora, ela tem TUDO a ver com Blade Runner. Já que não há robos no filme, e o que eles chamam de "andróides" são organismos sintéticos, feitos em laboratório, exatamente como a bactéria aí, só que na escala humana.

  8. Uma nota: O romance Do Androids Dream of Electric Sheep? (mais conhecido como "Blade Runner") de Philip K. Dick não fala de robôs e sim organismos sintéticos: os Nexus. Nem sempre androides são robôs, como definido por Asimov.
    Sobre jornalistas... Bem, depois de tantos erros que eu já apontei em meu blog, eu costumo dizer que jornalista falando de ciência é a mesma coisa que tartaruga tentando costurar.

  9. Concordo!
    Se a bactéria tivesse sido ao menos "fervida" e depois aparecesse viva... (como fez Frederick Griffith quando descobriu o "princípio transformante"), aí sim seria revolucionário...
    Por outro lado, concordo com o Marcelo Nóbrega (Folha on-line), sobre a idéia de que se tratando de Craig Venter, não se pode duvidar do "potencial" revolucionário das suas iniciativas...
    ana claudia

  10. O lance com o Venter é que o departamento de RP dele é mesmo muito bom. Vender a notícia da melhor maneira coloca o cara nos spots; visibilidade traz patrocínio. O cara aparece, mesmo que depois o pessoal caia na real.
    E sobre jornalistas... Já fui entrevistada uma vez por uma jornalista sobre um trabalho científico que estava desenvolvendo e a melhor parte foi perceber que as palavras-chave que ela anotava eram as menos importantes. Infelizmente a parte de ciência dos jornais dá pouco ibope. O obituário deve ser mais importante.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *