Cientistas fora da universidade: existe vida lá fora. Mas e no Brasil?

embo 2010 logo.JPGEstive no almoço sobre carreiras do congresso EMBO Meeting (um dos motivos deste blog estar às traças). Foi ok, mas podia ter sido melhor. O tempo é curto, não se come, não se bebe, e o barulho das mesas complica a conversa. Mas o problema ficou só com o formato. Os convidados pareceram interessantes e interessados. Participei de três mesas de 35min de conversa com uma pessoa que fez doutorado em alguma área da ciência mas saiu da vida acadêmica.

Seguem aqui as áreas, os nomes e alguns comentários:

  • Política científica

Rochana Wickramasinghe, Royal Society Policy Centre. Basicamente ele liga grupos de cientistas ao governo em temas de interesse social. Como exemplo, o que ele está fazendo agora é colocar conceitos de neurociências na educação. Não para ensinar neuro aos alunos na escola, mas aplicar conceitos de neuro para melhorar o sistema de ensino. O papel do centro de política científica da Royal Society é juntar material de seus cientistas associados,  e monta um relatório de fácil entendimento para legisladores não-cientistas, além de manter contato com grandes personalidades do mundo político e científico.

  • Comunicação científica:

Rosina Malagrida i Escalas, Director, Science Communication, Barcelona Science Park.
Uma espécie de relações públicas(RP) de um grupo científico. O trabalho é bem de RP mesmo, mas exige um conhecimento de ciência para traduzir a produção da instituição para montar press-release e contatar a mídia. O papel principal desse tipo de RP é aumentar a visibilidade da instituição no seu contexto de interesse, usando a mídia, montando eventos, feiras e outras iniciativas. No caso de Rosina a instituição é mais local, dentro da Catalunia, assim é essa mídia e população que serão seu alvo. Claro que a posição de diretoria é interessante, pois ela pode utilizar mais a criatividade para inventar os projetos de divulgação, mas você vai começar escrevendo press-release e organizando eventos por um bom tempo pelo visto.

 

  • Pesquisa e desenvolvimento na indústria

Philippe Cronet, Chief Scientific Officer, Eurogentec S.A.
Sim, é possível fazer pesquisa na indústria (aquelas malditas capitalistas comedoras de criancinhas). E segundo Cronet, pesquisa na indústria é até mais livre que nas universidades por não haver a pressão de publicação ou prazos de bolsas e pós-graduação. O que ocorre é que os prazos são mais curtos na indústria, mas os objetivos são bem calculados e divididos por um time de diferentes áreas trabalhando juntos, o que pode trazer mais resultados e maior satisfação em vê-los atingidos mais rapidamente em comparação com os 3 ou 4 anos de uma pós. Assim, não há um projeto individual, e eventualmente seu chefe pode dizer “A concorrência já está fazendo isso, cancelem este projeto”. Mas calma, isto não quer dizer que você será demitido – só que vai trocar de projeto.

Muito empolgantes as carreiras em política científica e comunicação, mas percebi as imensas dificuldades para se seguir estas carreiras no Brasil, e ambas pelo mesmo motivo: falta de cultura científica que acaba levando à falta de estrutura.

Afinal, onde está a nossa Royal Society para patrocinar um escritório de política científica? A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) ou a Academia Brasileira de Ciências (ABC) cumprem este papel? Quem deveria cumprir?

Lembro-me de um professor que durante a votação de células-tronco foi chamado para uma palestra na Câmara dos Deputados, e apenas UM (1) deputado apareceu, justamente o que o convidou para a palestra (pelo menos isso). E será que esta foi a única tentativa de explicar célula-tronco para nossos legisladores?

E o mesmo ocorre para a comunicação científica. No Brasil não há o costume de se contratar relações públicas nem mesmo em grandes empresas, quanto mais em institutos de pesquisa. Há iniciativas, mas muito fracas, e nenhuma estruturalmente robusta e duradoura. No jornalismo parece que estamos avançando – vide às agências de notícias de universidades e instituições de fomento – mas a comunicação científica vai além do jornalismo, e é neste ponto que não vejo iniciativas brasileiras.

Quanto à indústria, me espantou a quantidade de estudantes de doutorado ou pós-doutorado europeus que não tinham nenhum conhecido trabalhando na indústria. E eu, pobre criatura de um país em desenvolvimento, conheço pelo menos uma dezena de colegas que estão pesquisando ou em outras áreas em empresas ligadas a pesquisa.
Mas isso pode ser um problema meu de amostragem, já que estes colegas se formaram nas universidades mais bem conceituadas do Brasil, o que faz que sejam muito cobiçados por um mercado que é pequeno mas está crescendo, enquanto que talvez o mercado europeu esteja saturado.

Bom, segue o congresso. E mãe, to comendo direitinho, viu! [economizando DDI mode ON]

Para seguir o twitter do congresso: #EMBOmtg

Bônus:
Sugiro fortemente que você leia este relatório da Royal Society. Aliás o site é bem legal também.

8 comentários em “Cientistas fora da universidade: existe vida lá fora. Mas e no Brasil?”

  1. Ô, Fafá. Onde está sendo o EMBO? Do que se trata a sigla e o evento. Faltou isso para ajudar a compreender melhor o seu texto. Tudo bem, o link ajuda, mas nào custa contar. Abraço.

  2. "Lembro-me de um professor que durante a votação de células-tronco foi chamado para uma palestra na Câmara dos Deputados, e apenas UM (1) deputado apareceu [...]"
    Enquanto Tiriricas e Netinhos continuarem a ser eleitos, o que mais poderemos esperar de nossos "legisladores"?

  3. Oi Rafael,
    Muito bom conhecer mais sobre outras realidades (não tão) acadêmicas. Aqui no Brasil parece que a gente anda, anda, mas não sai do lugar no que se refere a estas questões.
    abraços,
    Roberto

  4. "neurociências na educação" !!
    Finalmente! 🙂
    No Brasil existe um incentivo para o trio ´pesquisa-ensino-extensão´... mas na realidade querem só os números da pesquisa para justificar fundos para mais pesquisa.

  5. Olá amigos, deixo aqui a minha dica:
    A Rede de Popularização da Ciência e da Tecnologia da América Latina e do Caribe (Red-POP) recebe até 15 de novembro, propostas de trabalho para a 12ª Reunião Bienal (http://www.mc.unicamp.br/redpop2011/) que acontece no Brasil, organizada pelo Museu Exploratório de Ciências (MC), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de 29 de maio a 2 de junho de 2011.
    Com o tema “A profissionalização do trabalho de divulgação científica”, o encontro aceitará tanto trabalhos de pesquisa, de caráter acadêmico, quanto de profissionais da área, interessados em relatar suas experiências. Cinco eixos temáticos vão nortear a 12ª Reunião: Educação não-formal em ciências; Jornalismo científico; Programas e materiais para museus de ciências: materiais e práticas concretas; Museografia e museologia científica; Público, impacto e avaliação dos programas.

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