A valorização do pós-graduando importa?

*** Esse texto faz parte da blogagem coletiva “Qual é o valor do aluno de pós-graduação stricto sensu?” lançada pelo site Pós-Graduando ***

Quando recebi o convite dessa ação, comecei me informando sobre seus objetivos e aproveitei para conhecer a opinião dos autores que já haviam contribuído. E não é que foi exatamente da leitura desses textos que nasceu o meu? Explico.

Constante nos textos foi uma frase que todo estudante de mestrado e doutorado, após alguns momentos de quase surto, se acostuma a ouvir quase com indiferença: “mas você só estuda?”.

Essa indiferença pode ser adquirida de maneiras bem diferentes. Tem gente que desenvolve surdez seletiva, que aprende como um mestre a evitar essa discussão… No meu caso, entendi que quase ninguém que faz essa pergunta tem ideia do que são, como funcionam e quais são os propósitos de um mestrado ou doutorado na área de ciências.

Só que isso vai ser assunto para outro texto e vou aproveitar a oportunidade para escrever não sobre o pós-graduando, mas sobre o Brasil. E para isso vou adicionar à discussão outro ser incompreendido desse país: o professor. E ele tem que se acostumar às suas próprias frases cruéis, como “professor, você só dá aula?” e a campeã “quem não sabe fazer, ensina!”.

[abre parênteses] Imagina quando eu estava ao mesmo tempo na pós e dando aula? [fecha parênteses]

Essas frases, para mim, refletem um único problema: educação. Mais precisamente a importância (ou falta de) dada à Educação, o que tem impacto direto na importância dada à Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI). E essas concepções sobre pós-graduandos e professores são, em grande parte, subproduto da visão do estado brasileiro sobre o tema.

Tenham certeza: a falta de seriedade com que professores e pós-graduandos são encarados em nosso país resulta do descaso brasileiro – governo e cidadão – para com educação.

Não tá fácil prá ninguém... mas tem jeito.

Verdade seja dita, parte desse problema não é exclusividade nossa. Mesmo um país superdesenvolvido científica e tecnologicamente como os EUA têm problemas com a valorização de professores, e os alunos de pós são muitas vezes considerados subempregados. Duvida? Acesse os quadrinhos de Jorge Cham no PHD Comics e veja o cotidiano acadêmico retratado por lá. O conteúdo das tirinhas é humorístico, mas baseado na própria experiência acadêmica do autor. Também é muito comum ele elaborar seus desenhos de sugestões de undergrads e grad students norte-americanos.

Assim, o que esperar de um país que, verdade seja dita, ainda engatinha em direção ao time de “primeiro mundo” da Educação e CTI?

Felizmente isso não é um problema mundial. Na Holanda, por exemplo, grande parte de quem se dispõe a fazer um doutorado assina contrato de emprego e é um trabalhador como outro qualquer. Mesmo nos EUA, que têm problemas parecidos com os nossos, quem se dispõe a tocar um pós-doutorado faz isso como empregado (ao contrário do que acontece no Brasil, onde novamente o sustento é proveniente de bolsas).

Por essas e outras continuo, como um zumbi, recitando o “mantra da resolução dos problemas no Brasil”: educação, educação, educação. Investir com seriedade, paciência e competência em Educação Fundamental e Média formará cidadãos melhores e conscientes da necessidade de se investir em CTI.

Isso é um processo, não adianta investir um quadrilhão de dólares em CTI se a tal mão de obra qualificada for analfabeta funcional ou incapaz de pensar criticamente. Esse é o motivo de o investimento na formação de cidadãos ser mais importante do que gastar tubos de dinheiro com alta tecnologia. Como diz uma expressão em Inglês, quando entendermos isso e passarmos à ação, the rest follows.

E daí não será necessário realizar mobilizações sobre a importância do pós-graduando ou sobre o reajuste de bolsas… e sinceramente? Se você está passando por todo o estresse de um mestrado e/ou doutorado, da rotina (falta de rotina?) difícil, muitas vezes extenuante e comprometedora, e ainda fica chateadinho quando alguém tenta desqualificar sua escolha acadêmica, siga o conselho abaixo:

"Fique tranquilo, trabalhe muito e pare de mimimi". Sério.

Quer ver o início desse movimento e ler os textos dos outros participantes? Acesse o link do Pós-Graduando em http://www.posgraduando.com/pos-graduacao/qual-e-o-valor-do-aluno-de-pos-graduacao-stricto-sensu.

6 comentários em “A valorização do pós-graduando importa?”

  1. Muito boa reflexão e tem minha concordância em gênero, número, grau e declinação... 🙂

    Aqui na Alemanha, alunos de doutorado e pós-docs são empregados e não bolsistas, na maioria dos casos. Ainda assim, ganham menos na academia do que se tivessem escolhido o caminho da indústria. Por outro lado, o professor/pesquisador é bem valorizado e valoriza ainda mais seu "passe" se produz em quantidade e qualidade.

    Valorizar o professor (em todos os níveis) é essencial pra mudar a cara do país. Como você bem coloca: "the rest follows". Abraços.

  2. A maioria das empresas têm descartado o currículo do sujeito se ele tiver mestrado ou doutorado, pois os empregadores acham que por isso terão que pagar salários maiores ou que o candidato subirá mais que seus superiores devido ao fato de ter pós-graduação. Eu possuo dois currículos: um para enviar para as vagas que exigem pós-graduação e outro para vagas que exigem somente graduação (omitindo que eu tenho pós-graduação). Já perdi oportunidades por ter mestrado...

  3. Belo texto Gabriel. É muito frustante você ralar pra caramba, trabalhar muitas vezes mais que um trabalho comum das 9 as 18h, virar noites no lab, "perder" feriados, finais de semana e ainda escutar que "só estuda". Pior foi minha mãe dizer assim "Você estuda tanto para ser professora?". Olha só o desprezo da minha própria mãe para com a profissão. Mas enfim, como bem dito, no Brasil falta educação para entender a importância da educação. No Brasil, o conceito de bem-sucedido é você trabalhar em empresa, ganhar muito dinheiro para comprar uma casa/apto e um carro zero, ser casado e ter um casal de filhos. Ser professor é sinônimo de loser, de falta de opção, de "não consegui ser outra coisa, então vou ser professor". Mas a gente que está na academia sabe que não é assim, queremos ser professores e pesquisadores por opção mesmo oras! Realmente não é pelo dinheiro, se fosse teria feito engenharia, direito, ou qualquer outra coisa, menos ter feito mestrado e doutorado e me dedicado a educação.
    Outro ponto importante abordado, na Holanda, aluno de doutorado é contratado, é funcionário da universidade como qualquer outro funcionário, paga impostos, previdência, recebe 13.o salário e férias. No segundo ano de doutorado, o salário chega a uns 2000 euros bruto (tem que descontar uns 30% de imposto por mês), um dos valores mais altos para doutorado no mundo. Parece bom, para ser um PhD student, realmente é bom, mas pessoas com graduação apenas ou com mestrado, que vão para indústrias ou empresas, ganham bem mais. Escolhas. Enfim, o importante é enfatizar que lá, PhD Student não é apenas um estudante, é pesquisador, é trabalhador reconhecido por todos, pela família, pelo governo, pelos colegas! E por isso uma defesa de doutorado lá é muitas vezes (se não for sempre) o evento mais importante da vida de uma pessoa, gasta-se mais com defesa de doutorado do que com casamento! Numa defesa de doutorado lá, o candidato (quem vai defender) oferece uma recepção com petiscos e bebidas logo após da defesa, um jantar para os amigos mais próximos e familiares e uma festa enorme ara amigos, colegas de trabalho, de departamento.

  4. O caminha da educação é importante. Mas, de um lado, é algo de longo prazo; de outro, é possível que só isso não baste.

    A questão da valorização da pós-graduação não é apenas mimimi. É valorização mesmo - pagar o quanto vale o trabalho do aluno de pós. (Por isso parti para uma tentativa de estimativa do valor econômico gerado pelos pós-graduandos.)

    []s,

    Roberto Takata

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