Robô com neurônios

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Neurônios mesmo! Celulinhas sobre silício. É o que o pesquisador Kevin Warwick está desenvolvendo.
As células de rato foram espalhadas em cima um arranjo de eletrodos, e após 20 minutos já estavam formando conexões. “Esta é uma resposta inata dos neurônios”, disse Warwick, “eles tentam se ligar e se comunicar”.

Cultivando as células mais uma semana, já foi possível fazê-las responder a estímulos elétricos. Aí é que puseram este “cérebro” num robozinho com duas rodinhas e sensores.
Esta conversa entre os neurônios e os sensores é que comandam o comportamento do robô, que pode desviar de obstáculos.

Ele começou batendo muito a cabeça, mas depois de algumas semanas as ligações dos neurônios se fortaleceram e o desempenho melhorou. Pode-se dizer que ele aprendeu.

Vi na SEED

Robôs são naturais?

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Aquele robô movido pelo pensamento, noticiado no começo da semana, tem dado o que falar até hoje. Muitas pessoas têm discutido as possibilidades dessa tecnologia. E muita gente tem falado que “isto não é natural”. Ler pensamentos seria algo inaceitável por não ser algo da natureza humana.

Vamos então olhar o mundo “natural”. Temos castelos de cupins, represas de castores e até motéis de pássaros, cujos machos constroem e enfeitam ninhos gigantescos que só servem para acasalar, pois os ovos mesmo são chocados em um ninho funcional construído pela fêmea. Chocante, não? Mas são considerados naturais por terem sido feitos por animais.
Às vezes esquecemos da nossa própria natureza animal (que as vezes pode ser uma animosidade, mas nem sempre).

Tudo que estes animais, castores, pássaros e Homo sapiens, construímos não é por acaso, tem uma orientação biológica e cultural. E a cultura é natural. Os rituais e ferramentas que usamos são um aprimoramento de necessidades biológicas básicas. Dawkins pôs um nome nisso: Fenótipo Estendido. Fenótipo é a característica detectável de um organismo, como a forma, cor, fisiologia e também o comportamento. Se nossas ferramentas influenciam tanto o nosso comportamento, eles são parte de nosso fenótipo, ou seja, da característica natural de nossa espécie.

Facas e robôs: ferramentas que são partes de nós
Tenho fixação por facas. Nada psicótico, porque minha fixação é pela funcionalidade delas. Foram as primeiras ferramentas feitas pelo homem e as mais importantes com certeza. Mais do que a roda ou mesmo o controle do fogo. A humanidade sem facas seria completamente diferente. Seria outra espécie, provavelmente. A faca, portanto, é parte integrante da espécie Homo erectus, e foi transmitida aos Homo sapiens pela cultura: um meme (uma idéia que pode se propagar pela cultura, como um gene).
O arqueólogo Lembros Malafouris até mesmo cunhou o termo “mente extendida”(minha tradução), que trata as ferramentas como extensões da mente, assim como um cego é indissociável de seu bastão, e nossa memória está se fundindo ao google como uma muleta.

Ora, a muito que fugimos das savanas que nos criaram e migramos para cidades ou campos que nós próprios construímos. Viver em apartamentos com geladeira e acesso a internet é natural? É natural para nós, Homo sapiens do século 21. E é muito menos natural viver isolado no mato. Ler pensamentos é natural? Se conseguirmos tal façanha, será natural sim. Agora, se será vantajoso, isso é outra pergunta que só o tempo e a seleção responderão. Afinal, quantas “rodas quadradas” não devem ter sido feitas antes da redonda?

ScienceBlogs finalmente aparecendo na mídia!

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Agora parece que a coisa vai.
Muito tempo se passou desde a liberação do press-release do ScienceBlogs Brasil, mas só agora que os grandes veículos de comunicação tomaram conhecimento de nossa pequena ilha científica no mar de informação internética.
Saímos no site do Ciência Hoje e no caderno de informática da Folha (página F2 do dia 01/04). E não é mentira!!!

O Robô e o Fantasma na Máquina

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A notícia do robô da Honda que pode ser controlado pelo pensamento fez bastante barulho na mídia e nas mesas de boteco. Mas por quê?

Porque a maioria das pessoas ainda acredita, mesmo que inconscientemente, na separação entre mente e corpo, o chamado dualismo. Afinal, como a carne pode pensar? Um evento tão complexo e abstrato como o pensamento não pode ser simplesmente cerebral, celular, enfim, material.

O fantasma na máquina

Existe para os dualistas o que se chama fantasma na máquina (ghost in the shell, em inglês), sendo o corpo a máquina, e a mente um fantasma, algo imaterial que habita e controla o corpo.

Mas quanto mais nos aprofundamos no funcionamento cerebral, mais percebemos a ligação e a causação entre comportamento e corpo. Afastando assim o fantasma da máquina e tornando cada vez mais distante o dualismo. Afinal, se simples remédios ou danos ao cérebro podem alterar a personalidade das pessoas, este fantasma parece não mandar muita coisa.

Do que é feito o pensamento

Não sabemos exatamente como o pensamento é formado. Mas sabemos do que é feito: Padrão de ativação de neurônios. Sim existe um padrão. E ao monitorar este padrão podemos saber ou “ler” o que se passa na cabeça do indivíduo.

Exemplo: Mostrando para as pessoas desenhos básicos, como uma flor ou uma estrela, pode-se monitorar a atividade dos neurônios, e percebe-se que sempre que é mostrada a estrela, o mesmo grupo de neurônios se ativa. E mostrando a flor o padrão é outro. Depois de treinar um computador desta maneira, flor igual padrão X e estrela igual padrão Y, o computador pode descobrir para qual das duas um indivíduo está olhando simplesmente analisando a atividade dos neurônios. Esta pesquisa já foi feita, mas me perdoe por eu não ter achado agora para por o link aqui.

O princípio desta pesquisa é o mesmo para o robô da Honda e também para as pesquisas do professor Nicolelis, que fez um macaquinho mover um braço mecânico e até um robô andar com o pensamento.

Interessante notar que para a máquina-robô nosso pensamento é realmente o fantasma controlador, assim descobrimos que para os robôs o dualismo existe!

O fantasma de Matrix

Expulsando o fantasma da máquina nos deparamos com outras assombrações. Se conseguirmos ler totalmente a mente das pessoas, como fica nossa privacidade? E o fantasma de Matrix (que faz 10 anos em 2009, e que aliás foi muito inspirado num mangá chamado justamente Ghost in the Shell) está muito presente. Afinal, se pudermos mapear o pensamento, será que poderemos induzi-lo, criando realidades virtuais perfeitas e mesmo controle mental? Se isso acontecer, como distinguir realidade de realidade virtual?

Antes de mais nada, é importante dizer que este tipo de tecnologia não tem nem previsão para se realizar. Nicolelis acha que implantes robóticos controlados pela mente podem estar sendo testados em 10 anos. Mas esta é a parte fácil. Saber o que uma pessoa está pensando é um salto maior, e controlar isto maior ainda, claro.

Por isso não temos pressa para decidir sobre a questão ética deste tipo de pesquisa, mas um dia nós certamente nos depararemos com ela.

Mais no Chi vó, non pó e no Xis Xis

Mapa gênico do cérebro.

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A foto acima não é de um serial killer ou mesmo da série de TV Dexter. Talvez Hannibal Lector, do filme Silêncio dos Inocentes, preparando um jantarzinho? Também não. Isso, meu amigo, é cartografia genética cerebral (neologismo meu, mas ficou legal, não?).
Sequenciar o DNA humano foi a parte fácil, ficou agora o desafio de saber como a coisa toda funciona. E saber quais genes estão ligados e desligados nas diversas partes do corpo é um passo importante no entendimento do sistema.
O Allen Institute for Brain Science não pensou pequeno, começou logo pelo cérebro e por mapear a situação dos 20.000 genes de cada região dele. Gastarão 55 milhões de doletas até 2012. E nada de hipótese, teoria ou algo assim. Apenas coleta de dados. E é uma montanha de dados, bem maior que o seqüenciamento.
A idéia é coletar o máximo possível, sem tendências ou preconceitos. Analisar só depois de ter tudo na mão. Maneira interessante de trabalhar.

Oportunidades que o mapa abriria

Com este mapa na mão, pesquisadores poderiam unir áreas de pesquisa isoladas. Estudos de atividade de áreas cerebrais com ressonância magnética poderiam ser comparados com estudos de genética, ajudando por exemplo no estudo do autismo, que tem forte característica genética.
Outra frente legal do trabalho é no desenvolvimento do cérebro, usando camundongos em diferentes idades, esclarecendo assim como um órgão tão complexo se desenvolve.
O mapa do camundongo já está disponível, e é uma ferramenta que já vem sendo usada por pesquisadores no mundo inteiro, já que os dados são públicos.
O que é “normal”
Mas existem algumas preocupações. O projeto com humanos usará 15 indivíduos. Mas e se as diferenças entre os indivíduos for tão grande que seja impossível comparar e montar um consenso? Estes cérebros podem vir de fumantes, alcoólatras, pacientes psiquiátricos, ou seja, fatores que podem mudar a expressão dos genes. Assim, como considerar o que é um cérebro “normal”?
Além disto, analisar tão de perto pode ser como olhar uma pintura impressionista. Quando muito próximos não se identifica nada. Só com uns passos para trás que se entende o que está representado no quadro. E se o nível de zoom do mapa cerebral estiver exagerado? Entenderemos alguma coisa do quadro de funcionamento do cérebro? Bem, é esperar pra ver.
Link
Leia a reportagem fantástica da WIRED sobre o tema

Onde Está a Biologia? Na Nature é que Não Está.

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Lendo, como toda a semana, o índice de artigos da Nature e Science, me espantei hoje. E depois me espantei do meu espanto. Explico.

Na Nature, as seções “Research Highlights” e “News and Views” classificam cada notícia pela área de especialidade, como astrofísica, imunologia, diagnóstico molecular, matéria condensada e por aí adiante. Dê uma olhada.

Me espantei ao ver uma notícia de “Biologia”. Há muito tempo eu não via uma matéria nesta área tão básica e genérica. Realmente as diversas áreas da biologia se especializaram e aprofundaram seus conceitos de tal forma que eu mesmo não sei que tipos de trabalho não teriam uma sub-área para chamar de sua, obrigando-o a ser classificado como pura e simplesmente Biologia.

E fazendo uma busca rápida e aleatória em outros números da revista, realmente a classe Biologia aparece muito esporadicamente.

O trabalho do post anterior, das vacas orientadas (e desorientadas) por campos magnéticos, foi que me chamou a atenção para este detalhe. Ele está classificado como Biologia, afinal ainda não há força suficiente neste tema para fundar uma área de “Eletromagnetismo Bovino”, concorda?

Vacas Magnéticas

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Se um dia você se perder por esse interior do meu Brasil, e não estiver com sua bússola (sei que as pessoas nunca saem de casa sem bússola, mas vamos tentar imaginar esta situação insólita), tire vantagem do nosso país ser o maior produtor de carne bovina do mundo e use o rebanho para se orientar!

Desde o ano passado já se sabe que rebanhos bovinos e de cervos pastam e descansam numa orientação Norte-Sul, dá pra acreditar?!
Ninguém sabe ainda como os animais fazem isso. Mas eu me perguntei como os pesquisadores descobriram esta tendência. Daí descobri mais esta nobre utilidade para os satélites. Afinal foi usando as imagens deles que pesquisadores perceberam esta orientação nos rebanhos.

Vários animais usam o campo magnético da Terra para orientação, como aves, crustáceos, insetos, répteis e mamíferos. Destes últimos, somente roedores e morcegos tem esta sensibilidade comprovada.

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Figura mostrando a distribuição do gado e cervos em relação ao pólo magnético. Em B está a distribuição perto das linhas de transmissão, bem mais aleatória.

Agora a orientação de grandes mamíferos teve mais uma prova, pois os animais que estavam próximos a linhas de transmissão de alta energia perdem a orientação norte-sul. Estas linhas de transmissão emitem um campo eletromagnético de baixa freqüência, que provavelmente perturba a orientação com os pólos terrestres.

A pergunta de 1 milhão de dólares é: pra que eles precisam disto?
E a pergunta de 500mil é: humanos tem alguma sensibilidade que não percebem?

Link para o trabalho: Extremely low-frequency electromagnetic fields
disrupt magnetic alignment of ruminants

Abuso na infância altera o comportamento e o DNA

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Há muito tempo psicólogos sabem que fatos ocorridos na infância podem determinar comportamentos e doenças psicológicas na vida adulta. Dentre os mais fortes determinantes está o abuso sexual, que parece correlacionar fortemente com maior taxa de suicídio, depressão, ansiedade, entre outros problemas.

Mas qual é a biologia do trauma? O que muda no cérebro que faz as pessoas mudarem de comportamento?


Mais uma dica aparece com um estudo feito com cérebros de suicidas. Sim, no Canadá existe um banco de cérebros de suicidas, com o objetivo de estudar os porquês das pessoas quererem tirar as próprias vidas. Parece coisa de maluco, mas veja como foi útil.

Com este banco de cérebros bem catalogados, com as informações médicas e entrevistas com parentes, os pesquisadores puderam achar 12 cérebros de pessoas que haviam sido abusadas na infância para comparar com outros 12 que não haviam sido molestados.

Os cérebros de molestados tinham menos receptores de cortisol. Estes receptores retiram o cortisol (substância que controla a resposta ao estresse) circulando no cérebro que é liberado depois de uma situação de estresse, e pode prejudicar o funcionamento cerebral se continua circulando por muito tempo.

Está também no DNA
Mas o principal do estudo é que ele foi mais fundo na parte molecular. Sabendo já o que procurar, baseados em estudos com animais, olharam o gene que controla a produção do receptor, e perceberam que ele estava 40% menos ativo nos molestados. Isso graças a mudanças epigenéticas.

Epigenética é o assunto quente da biologia molecular dos próximos anos, fique atento. São mudanças na leitura do DNA, mas não são mutações, porque não alteram a sequência dos ATCG, só interferem em como o gene vai ser lido pela célula.

Parece que de alguma forma o evento de abuso aumentou o silenciamento epigenético do gene do receptor de cortisol. Alterando daí em diante a resposta ao estresse do indivíduo.

É o ambiente alterando diretamente o DNA da pessoa!
E estudos em animais mostram que esta alteração (que não é mutação) pode ser transmitida para os filhotes. Semelhanças com Lamarck não são meras coincidências: características adquiridas sendo transmitidas.

Por isso, psicólogos e psiquiatras não podem mais relegar as neurociências moleculares, como é feito com a genômica hoje em dia. Esta é criticada por ser pouco informativa, quando se descobre, por exemplo, que pessoas que tem uma cópia X de um gene têm 10% a mais de chance de desenvolver alguma doença psiquiátrica. Não há muito o que fazer com esta informação.

Mas a epigenética tem promessas muito interessantes. Se um evento ambiental alterou tão profundamente a fisiologia, isto abre uma oportunidade de terapias para reverter doenças, ou mesmo gerar remédios que ajam diretamente nas alterações epigenéticas.

Links:
The epigenetics of child abuse: Nature Reviews Neuroscience

New York Times
Agência Estado