Tomar um banho de chuva? Nem sempre é bom! Recentemente um estudo identificou a presença de pesticidas na água [1]. Qual o impacto disso? Como este fato pode afetar, por exemplo, as plantações? E a vida humana? Vamos tomar um banho de informações para esclarecer um pouco mais sobre esse assunto!
Camila Satie Kurihara, Fernanda Nunes Ribeiro e Kelly Christine Da Silva Lima
Quem são e onde vivem?
O que exatamente são os chamados pesticidas de que tanto falamos? Em suma, são substâncias, em geral sintéticas, que têm como finalidade eliminar predadores das plantações (larvas, fungos ou insetos, por exemplo) e ajudar no crescimento da vegetação [2]. Nós produzimos um material falando sobre esses produtos e suas classificações, leia o nosso texto!
Como esses produtos são muito utilizados, eles podem se espalhar para além do solo. A chuva com pesticidas parece um fenômeno novo, mas já existem estudos que identificaram esses produtos na chuva em outros países, como a Argentina, Vietnã, Estados Unidos e em alguns países da Europa próximos à Península Escandinava. Alguns deles, inclusive, foram publicados há mais de 20 anos, mostrando que essa não é uma nova ocorrência [3-6].
O que os estudos científicos dizem?
O Brasil é um dos países que mais utilizam pesticidas no mundo, com mais de 800 mil de toneladas utilizadas em 2022, cerca de 70% a mais que o segundo maior consumidor, os Estados Unidos [7]. Além disso, a legislação brasileira liberou recentemente o uso de novos pesticidas que são proibidos em outros países [8]. Isso é preocupante porque sua proibição ocorre por serem tóxicos quando ingeridos, inalados ou apenas quando entram em contato com a pele, dependendo da sua categoria.
Nas lavouras, o produto pode ser aplicado por pulverização e, consequentemente, chegam a áreas próximas a ela e ao ar atmosférico da região. Uma vez que essas substâncias se encontram na atmosfera, elas podem ser dispersas em pequenas partículas ou na forma gasosa e espalhadas na água, causando a chuva de pesticidas [7]. Ou seja, o seu uso pode trazer riscos à saúde das pessoas, aos animais e ao meio ambiente [9,10].
Em um estudo publicado em março de 2025 sobre este tema, cientistas da UNICAMP investigaram a presença de 14 pesticidas e 5 subprodutos, que são resultados da reação dessas substâncias com compostos presentes no solo. Os dados foram cruzados com informações climáticas, como direção e velocidade do vento, para entender como essas substâncias se movem pelo ar e acabam nas gotas de chuva. As análises mostraram que, mesmo em São Paulo, uma cidade predominantemente urbana, a chuva continha resíduos de pesticidas, que são comumente usados em regiões agrícolas [7]. O estudo focou em três cidades com diferentes características: Brotas (rural), Campinas (mista) e São Paulo (urbana). Durante dois anos, os pesquisadores coletaram amostras da água da chuva para serem analisadas.
O que o estudo revelou?
Dentre os dados, o estudo identificou que o herbicida Atrazina e o fungicida Tebuconazol apareceram em 100% das amostras nas três cidades, sendo Campinas com a maior concentração de Atrazina (concentrações de até 335 ng/L) e Brotas com a maior concentração de Tebuconazol (concentrações de 35 ng/L). O fungicida Carbendazim foi detectado em 90% nas três cidades, sendo São Paulo com maior concentração (até 596 ng/L) [7]. Essa diferença nas concentrações encontradas, pode ser explicada tanto pelo caráter geográfico de cada cidade, quanto pelas suas condições climáticas e uso do solo. Isso evidencia que a legislação está sendo violada, pois este mesmo componente, o Carbendazim, foi banido do Brasil em 2022 [11].
Existe, ainda, um estudo realizado na região do Pantanal que coletou amostras tanto de água pluvial quanto de rios, lagos e subterrânea, encontrando também diversos tipos de pesticidas [12]. Destacando como eles podem se dispersar pelo ambiente, alcançando locais distantes das áreas de aplicação.
E quais são os impactos para o meio ambiente e para a saúde humana em ter pesticidas nas chuvas?
Como esses produtos podem ser “carregados” pelo vento, eles podem se espalhar, causando impacto ambiental ao se espalharem. As chuvas com pesticidas contaminam sistemas de água doce, podendo aumentar em até 10 vezes a concentração total de pesticidas em pequenos córregos, por exemplo.
Apesar das concentrações encontradas estarem abaixo dos limites estabelecidos pela legislação brasileira, que dispõe sobre o uso dos pesticidas, ainda podem apresentar riscos ao meio ambiente e à saúde humana porque esses compostos não são decompostos tão facilmente e vão se acumulando nos diferentes sistemas. Ou seja, é como se esses pesticidas estivessem sendo jogados diretamente nesses sistemas, aumentando sua concentração [6, 14]. Por exemplo, estudos realizados no Brasil, Equador e China já apontam que o contato oral com água e alimentos contaminados com tais substâncias aumenta o risco de câncer de pulmão, alteração hormonal e diminui a fertilidade feminina [15-17].
Outro dado interessante, apontado por estudo de 2014 é o de que a legislação no Brasil não é tão completa ou atualizada quanto a de outros países, o que implica que muitos pesticidas têm seus riscos minimizados ou ignorados [18]
Olhando para o fim do túnel
Embora a chuva de pesticidas não seja um problema recente, é com o avanço de estudos e de alternativas ao uso desses compostos que se percebe a relevância do tema e a necessidade por mudanças. Dessa forma, é preciso que estudos, como o realizado pela Unicamp, sejam considerados como forma atualizar os valores máximos permitidos. Além disso, os resultados desses estudos devem ser utilizados para ponderar técnicas que reduzem os problemas associados aos pesticidas, como estudo de alternativas aos agrotóxicos e tratamento dos sistemas aquáticos. Assim, para podermos desenvolver uma relação saudável entre nós e o meio ambiente, mais estudos precisam ser realizados para determinar os perigos associados e alternativas a essas substâncias, permitindo a manutenção da qualidade dos alimentos e da água que consumimos [19-21].
REFERÊNCIAS
- GONÇALVES, M.F. Pesquisa detecta agrotóxicos na chuva em três cidades paulistas. Agência FAPESP, 2025. Disponível em: <https://agencia.fapesp.br/pesquisa-detecta-agrotoxicos-na-chuva-em-tres-cidades-paulistas/54568>. Acesso em: 12 maio 2025.
- INCA. Agrotóxico. 2021. Disponível em: <https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/causas-e-prevencao-do-cancer/exposicao-no-trabalho-e-no-ambiente/agrotoxico>. Acesso em: 17 maio 2025.
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excelente material de divulgação científica! didático e de fácil entendimento. nota 10