Image by felixioncool from Pixabay

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Doenças raras são, bem, raras. Mas quantas são, exatamente? Esclarecer essa dúvida pode evitar diagnósticos redundantes e facilitar as pesquisas.

Em diversas áreas da ciência, existem fenômenos difíceis de ser estudados por sua raridade. Na Física, os neutrinos dificilmente reagem com a matéria comum; na Química, há elementos tão raros e efêmeros que mal foram descritos; na Biologia, muitos especialistas se ocupam com a busca e o estudo de espécies tão incomuns que nem têm nomes científicos ou populares. A Medicina, claro, também tem suas raridades. Mas diferente das outras áreas, é difícil para os médicos separar e quantificar as condições mais raras que assolam o corpo humano.

O câncer de mama é um bom exemplo: embora seja visto como um mal único, trata-se na verdade de um leque de doenças causadas por diferentes mutações genéticas combinadas a múltiplos fatores ambientais. Como isso deveria ser contado: uma doença ou várias? Em termos genéticos, há mutações que causam apenas uma doença, enquanto outras podem dar origem a diversos males, manifestando-se de forma distinta em cada pessoa. Esses males diversos são doenças distintas ou subtipos de uma mesma doença? Na saúde mental, o problema é semelhante, agravado pela sobreposição de muitas definições diagnósticas.

No caso das doenças raras, o problema se complica pela indefinição em torno do que é raro. Nos EUA, por exemplo, uma lei de 1983 considera rara a doença que afeta menos de 200 mil pessoas. Na União Europeia, por outro lado, a classificação é relativa: considera-se raro o mal que afeta menos de 1 a cada 2000 pessoas.

Essa dificuldade na identificação de doenças prejudica bastante os portadores das condições mais raras. Quando buscam auxílio médico, muitas vezes perdem anos (e qualidade de vida) com diagnósticos e tratamentos equivocados. Às vezes até o grau de raridade varia. Muitos médicos podem nunca ter ouvido falar de algo como a doença de Tay-Sachs, por exemplo, que é bem rara entre a população em geral mas relativamente comum entre os judeus asquenazi.

Então, quantas doenças raras existem? Levando em conta todos esses fatores, cientistas dos EUA, Austrália, França e Alemanha realizaram um estudo cuja síntese foi publicada na Nature Reviews Drug Discovery. Coordenados por Tudor Oprea, cientista de dados da Universidade do Novo México (UNM), esses autores estimam que as doenças raras atingem até 10% da população mundial. Pode parecer pouco, mas com bilhões de pessoas, isso significa que há centenas de milhões de portadores de moléstias raras.

Não faltam esforços para melhorar a vida dessas pessoas. “Você tem milhares e milhares de papers todos os anos relacionados a doenças raras, mas muito poucos se convertem em curas”, diz Oprea, que é professor e chefe de Informática Translacional na UNM. A busca por tratamentos é muitas vezes dificultada pelos desencontros entre os que estudam tais doenças e seus poucos portadores.

Segundo a pesquisa recém-publicada, estima-se que existem cerca de 7000 doenças raras. No entanto, ao analisar um banco de dados conhecido como Monarch Disease Ontology (ou Mondo, sistema mantido pelo Instituto Europeu de Bioinformática), os pesquisadores consideram que esse número pode ser até 50% maior. Oprea ressalta a importância do Mondo, um projeto de curadoria assistida por computador, que permite reunir esforços isolados nas pesquisas de doenças raras, catalogando-as independente do país ou do tipo de doença.

Apesar das numerosas condições, as pesquisas e os tratamentos de doenças raras ainda precisam de consensos sobre as características físicas, genéticas e ambientais de cada mal. Por isso, os pesquisadores recomendam que entidades nacionais e internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, a FDA (Anvisa americana) e a Agência de Medicina Europeia, adotem uma definição unificada do que é uma doença rara.

Por mais difícil que pareça, tal consenso não é impossível. Esforços semelhantes na área de conservação ambiental resultaram em definições mais claras sobre espécies raras e formas de protegê-las. Guardadas as devidas proporções, talvez seja hora de criar “parques transnacionais” de doenças raras, facilitando as colaborações ao adotar limites em comum para proteger quem precisa.

Referência

Melissa Haendel et al, How many rare diseases are there? [Quantas doenças raras existem?] Nature Reviews Drug Discovery (2019). DOI: 10.1038/d41573-019-00180-y