Resquícios de câncer: esta vértebra de um hadrossauro que viveu há cerca de 60 milhões anos abrigou um tumor, situado na cavidade quase central da imagem à direita. [Imagem: Assaf Ehrenreich/Universidade de Tel Aviv]

Ao notar uma anomalia num fóssil de dinossauro, pesquisadores descobriram que uma doença que afeta crianças até hoje já existia há milhões de anos

Lidar com um tumor não é fácil. Agora imagine enfrentar um câncer sem qualquer acesso a tratamentos médicos e nenhuma noção do que causa as dores desta moléstia grave. Se isso pode parecer um perrengue para qualquer homem pré-histórico, imagine para um dinossauro.

Há cerca de 60 milhões de anos, um tumor se formou na cauda de um hadrossauro (Hadrosaurus foulkii), que vivia onde hoje ficam as pradarias de Alberta, no Canadá. A massa tumoral atingiu um tamanho significativo, a ponto de deixar sua marca nos restos mortais do animal fossilizado.

O tumor paleontológico foi descoberto pelo professor Bruce Rotschild, da Universidade de Indiana (EUA), e o Mestre Darren Tanke, do Real Museu de Paleontologia (Reino Unido). Eles estavam analisando uma vértebra de um jovem hadrossauro — uma espécie herbívora que viveu entre 80 e 66 milhões de anos atrás. Rotschild e Tanke notaram, então, grandes cavidades nos dois segmentos de vértebra da amostra, extraída no Parque Provincial dos Dinossauros, no sul de Alberta.

De formato incomum, as cavidades chamaram a atenção dos cientistas. Para explicá-las, eles buscaram colaboradores nas Universidades de Zurique (Suíça) e Tel Aviv (Israel). Quem identificou o problema foi a equipe da Dra. Hila May, do Depto. de Anatomia e Antropologia da universidade israelense.

Para identificar a causa das cavidades, os cientistas submeteram o fóssil a uma micro-tomografia computadorizada — versão em alta resolução da TC comum, capaz de capturar detalhes da ordem de mícrons. “Escaneamos as vértebras do dinossauro e criamos uma reconstrução computadorizada e 3D do tumor e dos vasos sanguíneos que o alimentavam”, explicou May ao Phys.org. Essa análise minuciosa permitiu dar um diagnóstico, ainda que com milhões de anos de atraso: foi uma Histiocitose de Células de Langerhans (HCL).

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Ao vivo e a cores: graças à tomografia computadorizada, foi possível fazer essa reconstrução tridimensional do tumor encontrado no fóssil. A massa tumoral (roxo) ocupou duas vértebras (mostradas em vistas lateral e superior) e criou uma rede de vasos sanguíneos (vermelho) para se alimentar.

Segundo a pesquisa, publicada em 10/02 na Scientific Reports, este hadrossauro teve uma variante benigna de HCL e talvez não tenha morrido por causa disso. Não é a primeira vez que se encontra indício de tumores no registro fóssil, mas este é o primeiro caso de HCL observado em dinos. Ao contrário dos dinossauros, a doença não foi extinta e ainda afeta crianças de até 10 anos (o relato de caso de um menino de cerca de um ano pode ser lido no primeiro estudo em referência). Embora seja raro e doloroso, este tipo de câncer costuma ter tratamento simples e às vezes até se resolve sozinho.

Para o Prof. Israel Hershkovitz, também do Depto. de Anatomia e Antropologia da Universidade de Tel Aviv, descobertas como essa são “uma importante e interessante contribuição para a medicina evolucionária, campo de pesquisa relativamente novo, que investiga o desenvolvimento e comportamento das doenças ao longo do tempo”. Mais do que esclarecer uma morte pré-histórica, este estudo nos ajuda a entender como e porque certas doenças sobrevivem por longos períodos evolucionários, o que pode resultar em novos tratamentos.

Referências

rb2_large_gray25Murillo Afonso de Brito Tripode et. al. Histiocitose de células de Langerhans em lactente – Relato de caso e revisão da literatura. Residência Pediátrica. 2015;5(2):82-85 <http://residenciapediatrica.com.br/detalhes/149/histiocitose-de-celulas-de-langerhans-em-lactente—relato-de-caso-e-revisao-da-literatura>

Bruce M. Rothschild et al., Suggested Case of Langerhans Cell Histiocytosis in a Cretaceous dinosaur [Caso sugerido de Histiocitose de Células de Langerhans num dinossauro do Cretáceo], Scientific Reports (2020). DOI: 10.1038/s41598-020-59192-z